Eu me enxergo?

Matheus Neres
Iandé
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3 min readOct 17, 2017

Eu não consigo imaginar quantas vezes que eu estive em um lugar onde eu pudesse me enxergar, de fato, nele. Afinal, se levarmos em consideração, parte do meu dia eu passo dentro de uma agência cujo o ramo é o mais escasso em relação a pessoas negras atuando nele. Mas podemos levar esse fato em consideração pela falta de negros em instituições de ensino de qualidade, aliás, este ambiente é exatamente outro que eu finalizo de passar o meu dia. Este ambiente é o mais gritante de todos onde a possibilidade de ver um dos meus é praticamente escassa, afinal, sendo o único negro de uma classe não dá pra se sentir e ter essa percepção de uma maneira diferente. Torna-se difícil, desesperador e entristecedor você observar ao seu redor, sua rotina, sua vivência, sua presença, seu conhecimento diante de como as coisas de fato são e de como uma sociedade baseada em uma questão racial enraizada atinge os mais diferentes âmbitos dentro dela, se comporta.

Aparelha Luzia (Foto: Carol Souza)

Durante muito tempo eu busquei encontrar, totalmente fora dos meus ambientes de rotina, um lugar onde eu pudesse conseguir me sentir, nem que seja por um curto tempo, bem e sabendo que aquele lugar me pertencia. APARELHA LUZIA. Esse foi o lugar. Eu nunca imaginei que este lugar pudesse mesmo existir e mais: que estivesse por tanto tempo bem na minha cara. (Fica no Centro de São Paulo, passo a maior parte do meu dia no Centro. rs)

O Aparelha Luzia, centro cultural-bar-lugar-de-resistência ou, como ela mesma se denomina: “associação-preta-política-artística-gentista-destruidora-das-razões-dominantes”, é um ambiente criado para lembrar que nós existimos e que nós temos pelo menos um lugar que nós conseguimos nos ver nele. O Aparelha é visitado por grande parte de toda a Comunidade Negra de São Paulo, com diversos eventos que ocorrem durante a semana: seja ele de recitações de poemas maravilhosos entre as pretas do lugar, alguns shows, seja uma conversa entre todos sobre arte negra ou só sentar-se pra comer os vários lanches maravilhosos do lugar, com uma cervejinha e ouvindo um som no fundo.

Aparelha Luzia (Foto: Matheus Neres)

Infelizmente eu não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a Erica Malunguinho, mulher negra e trans, que é a responsável pela criação deste lugar maravilhoso de resistência. Mas esse lugar me fez lembrar de que a frase “nós por nós” é real. Me fez lembrar da minha importância enquanto ser vivo representativo dentro do meu ambiente e m e fez encontrar a paz por saber que existe ao menos um ambiente que eu saberei que eu me enxargarei de fato, de que aquilo é nosso e que os meus estarão sempre lá.

Resistiremos!

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