“Nunca tinha visto nada igual. Da noite para o dia não tínhamos mais nada.”

Por Paolla Gerzgorin

Paolla Gerzgorin
Iandé
3 min readMay 17, 2022

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Durante a pandemia, eu e minha família moramos na praia. Estávamos adaptados a essa nova realidade na qual moramos isolados no litoral norte. Na verdade, nos adaptamos tão bem, que até passamos a gostar de morar isolados no nosso cantinho de paraíso.

No dia 5 de abril de 2021, como sempre, acordei às 5:40h, me troquei e saí para minha corrida matinal na praia. Por volta das 7h voltei para casa, tomei um chuveiro e comecei minha rotina de EAD. Meu dia seguia de maneira regular, aula na FAAP das 7:30 às 12:50, pausa para o almoço e aula no Mackenzie das 13:15 às 17:30. Depois do meu último período decidi entrar no mar, passei quase uma hora lá, em um momento de paz e sossego. Em seguida encontrei meus primos e jogamos bola na areia por mais alguns minutos. Tudo parecia perfeito. Saí da praia para fazer mais um trabalho da faculdade, mas decidi que tomaria uma ducha antes.

As 20:07 meu celular começou a ser bombardeado de mensagens. Saí do banho, peguei o telefone e vi a quantidade de mensagens me perguntando “tá tudo bem?”, “é ai?”, “tão aí?’, “Paolla me responde”, “tô preocupada”. Sem entender nada, me vesti com pressa e desci as escadas.

Cheguei em baixo e me deparei com meus pais e irmãos sentados na mesa aos prantos. Meu pai estava no telefone, eu não sabia com quem. Esperei alguns segundos e perguntei o que aconteceu. Ele desligou o telefone e a agitação em casa começou, junto ao meu irmão, partiriam a SP. Sem entender nada perguntei novamente à minha mãe “o que aconteceu?” e ela respondeu “nossa casa pegou fogo, não sabemos como e nem o que restou”. Nunca tinha visto nada igual. Da noite para o dia não tínhamos mais nada.

Bom, acho que aqui não convém passar mais detalhes da situação. O que cabe a mim é passar o que aprendi com essa experiência. Você nunca valoriza o que tem até perder tudo. Acho que ninguém consegue entender a sensação do que é perder tudo aquilo que já adquiriu na vida, até porque, livros, DVDs de infância, roupas, recordações, bens materiais etc., carregam memórias e significados valiosos.

Sou judia e o judaísmo acredita na kapará. A kapará é o ato ou efeito da redenção, em outras palavras, é quando algo acontece para livrar ou salvar alguém de alguma situação ou coisa. Para mim, o incêndio foi a kapará da minha família, foi algo que apesar de nos trazer milhões de problemas, uniu minha família e nos fez aprender a dar valor a memórias e momentos mais do que coisas materiais. Com nossas perdas, o que restou foram as sensações e recordações e, portanto, passamos a enxergar a vida com novos olhos, às pequenas coisas que ela nos traz, como por exemplo a companhia uns dos outros e as histórias que podemos construir juntos.

Photo by Jonathan Borba on Unsplash

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