O dia em que eu não fui/Desacostumada à solitude

Fernanda Farias
Iandé
Published in
2 min readMay 17, 2022

Fiquei quarenta e dois minutos só. Em um dia, fiquei quarenta minutos só e pareceu um evento. Não por ser feliz, só fora do ordinário. Dizia gostar de ficar só em um período em que não se quer estar com ninguém, talvez por se achar superior ao mundo quando nem sequer se é, de fato, ser. Mas ontem fiquei trinta e oito minutos só e conto como grande novidade. Comi só onde nunca tinha comido. Percorri só o caminho de sempre sem a mochila de sempre. Sentei só no parque. Deitei no parque só ouvindo Gilsons sem meu fone de ouvido quebrado que eu não carregava. Dormi no parque só, ouvindo Gilsons com meus dois ouvidos ao invés da meia-experiência proporcionada pelo meu fone de ouvido quebrado. Olhei a exposição à qual só não fui porque não tinha companhia, e cogitei só ir. Observei pelas grade do portão a falta do cartaz que me apontaram nos três meses consecutivos que perguntei: "Até quando mesmo?". Se ontem, só nos trinta minutos que fiquei, cogitei ir, por que só não fui antes? Por que só? Ontem eu fiquei vinte e oito minutos só e só o que fiz foi comer, deitar e fitar o nada. Será que sou só? Sou? Nos vinte e três minutos só, não me senti só. Não me senti. Não fui. Não sei mais existir. Só.

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