O Pôr do sol em Portugal

A estrada, uma viagem, uma mãe e um filho no fim do dia

Eduardo Leite Knoth
Iandé
4 min readMay 31, 2020

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A silhueta de Irene Knoth diante do por do sol e o mar no forte de Nazaré, Portugal. (Autoria pessoal)

Em nosso cotidiano padrão, estamos muito acostumados a trabalhar durante grande parte do dia até ficarmos exaustos e então aproveitar o pouco tempo livre que temos. Porém, a falta de energia, como consequência de um longo dia, muitas vezes resulta em certa indisposição das pessoas a qualquer tipo de interatividade social, não estando aptas a ter uma boa e relevante conversa com outra pessoa. Quando chegamos em nossas casas no final do dia, queremos apenas deitar em nossas camas e descansar, contraditoriamente pensando apenas no trabalho que ainda está por vir, criando um ciclo sem fim de uma rotina abafada pelo trabalho.

Porém, eis que surge uma proposta que busca penetrar como uma flecha esse vicioso ciclo, dando a duas pessoas uma chance de escapar de seu cotidiano e respirar na superfície do ofegante mar que é a rotina, no qual sempre estamos embaixo d'água. Essa proposta se chama viagem. Uma mãe que trabalha sem fim recebe duas passagens de presente de uma empresa aérea, para passar uma semana em Miami ou Portugal. Ela escolhe Portugal, agenda a viagem para a semana de saco cheio e chama seu filho, sabendo que nenhum dos dois terá compromissos durante a semana: o plano perfeito. O filho hesita um pouco diante a proposta, como sempre. Porém, alguma hora ele fala "Ah, bora né?" e então está marcado. Assim, contarei brevemente de uma linda tarde que compartilhei com minha mãe em Portugal.

Aeroporto de Viracopos, Campinas, Brasil. Alguns minutos antes da decolagem. (Autoria pessoal)

O plano que minha mãe, Irene, tinha desde que recebera as passagens era alugar um carro e descer a costa de Portugal, indo de Porto até Lisboa, passando por várias outras cidades no caminho. Com seu grande espírito aventureiro, ela adora nada mais do que pegar a estrada, e eu, como refém bem acomodado dela nessa viagem, deixei que ela tomasse total controle de seu roteiro. Assim, ela aproveitou para me mostrar o que amava de pegar a estrada, e no dia no qual saímos de Porto, já compreendi sua paixão quase instantaneamente. O trajeto que fazíamos antigamente para ela me levar a escola foi prolongado de 15 minutos levemente silenciosos a horas de boa música, cantoria, risadas, histórias e conversas, acompanhadas ainda por espantosamente lindas paisagens, com vista ao mar, belas montanhas e árvores floridas (tão lindas que apenas aproveitei o momento e não tirei foto de quase nenhuma).

Estradas de Portugal. Chegando a Óbidos. (Autoria pessoal)

Esse foi um momento no qual consegui conectar melhor com minha mãe, coisa que se tornara improvável no dia a dia comum no Brasil, pela rotina corrida ou qualquer outro motivo. A viagem nos dera uma chance para escapar de tudo isso e nos conhecer um pouco melhor. Diante um lindo pôr do sol visto pela janela do carro que se movia a mais de cem quilômetros nas amplas estradas de Portugal, e escutando "A Horse with no Name", música que minha mãe me contava que era parte de sua adolescência, criávamos um momento de intimidade e felicidade inesquecível para nós dois. Conheci um lado de minha mãe que só as estradas forasteiras seriam capazes de me mostrar ao vivo e em cores. Um lado inédito que sempre soube que estava lá, mas precisava de uma oportunidade ideal para se mostrar a mim. Já ela, teve o prazer de levar seu filho em uma das aventuras das quais sempre fala com boas memórias, e compartilhar juntos um momento de descoberta. E quando digo descoberta, não me refiro apenas às lindas estradas que Portugal oferecera a nós, viajantes. Me refiro também às nossas próprias estradas ainda inexploradas, das quais acumulamos milhas sobre em momentos que podiam durar durante séculos. Ai, o milagre da viagem.

O último jantar em Lisboa, Portugal. (Autoria pessoal)

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