O que aconteceu na minha cidade?
Enzo Trevisan
Dia 13 de março de 2019, um dia depois do meu aniversário, o dia mais macabro e sombrio da história da minha tão querida cidade natal, Suzano. A experiência que descreverei infelizmente tem como tema o massacre na escola estadual Raul Brasil, onde dois garotos assassinaram cruelmente e covardemente dez pessoas, entre alunos e funcionários da escola; um ocorrido que reverberou além do noticiário nacional.
Infelizmente, essa é a palavra desse relato que, diferentemente de todas as notícias divulgadas e as postagens em qualquer meio de comunicação, se diferencia por ser feito por um “nativo” que vive desde o seu nascimento na cidade e estudou na escola ao lado da que infelizmente teve sua historia marcada por dois idiotas que por motivos ridículos fizeram minha terra de centro de holofote.
Era de manhã e eu estava na aula, uma amiga me mostrou o título de uma notícia: ”Urgente: tiros deixam feridos em escola em Suzano”; arregalei meus olhos e comecei a ler, haviam pouquíssimas informações do ocorrido, porém estava lá, Raul Brasil. A escola que fica exatamente ao lado da escola que eu estudei e agora meu irmão mais novo segue meus passos. Na hora, me subiu o medo, e eu já não estava mais presente na aula e sim nos meus pensamentos, hora otimistas, hora pessimistas; precisava saber se meu irmão estava bem e a salvo, porém minhas mensagens não eram lidas por ele e cada vez mais me batia o medo, tentei chamar os colegas de sala dele, nada, absolutamente nada. Por meio do grupo de amigos do colégio, fiquei sabendo de que nada tinha ocorrido em nossa antiga escola seguido por um áudio da coordenadora informando-nos da situação; temporariamente aliviado, mas ainda precisava ouvir meu irmão que no fim da aula me mandou “to safe” e um áudio, disse que não pôde responder porque estava em prova e que viu toda a cena da janela da sala em que estava, descreveu com todos os detalhes que futuramente a imprensa disponibilizara.
Voltei de carro com minha mãe e pela primeira vez viemos mudos para casa, apenas o noticiário era quem falava, eram 55 quilômetros mas pareciam 100, a única entrada da cidade para quem vêm de São Paulo, fica a menos de 200 metros da escola, e para chegarmos até em casa, normalmente passávamos na rua do atentado, vi com meus olhos o cenário, eram viaturas e vans de emissoras de televisão por todos os lados. Em casa, meu irmão e eu ficamos por meia hora, abraçados no sofá olhando pra TV desligada, e com lágrimas nos olhos, ficamos assistindo as notícias que só diziam o que ele já me contara; no dia não jogamos jogos de tiro no videogame, não falamos de armas e nenhuma palavra que se referisse à morte ou sangue.
Fui para a varanda e foi aí que senti o impacto; uma cidade tão musical e barulhenta, estava quieta, muito, mas muito quieta; nenhuma alma nas ruas, apenas o barulho do helicóptero que sobrevoava a escola, era silêncio, era luto, dor, medo, choque e lágrimas. Nada mais e ao mesmo tempo muito mais; algo muito difícil de passar para palavras, um verdadeiro “(…)”.
Suzano é uma cidade-dormitório, muitos habitantes trabalham em outros municípios, como é o caso dos meus familiares, ou seja, aqueles que estão todos os dias na cidade acabam por se conhecer, sempre muito pacata e com criminalidade quase inexistente, uma paz muito rara nas cidades grandes atualmente onde o medo e a insegurança são preocupações maiores; os estudantes das escolas da cidade se conhecem entre si, seja por amigos de amigos, festinhas, mas no meu caso principalmente pelo futebol; joguei bola por toda a cidade durante toda a minha vida e inclusive com alguns alunos do Raul Brasil, não lembro dos nomes nem dos rostos, mas é muito pesado pensar que alguns deles poderiam ter sido um dos assassinos ou um dos feridos ou mortos.
Joguei no Suzano Futebol Clube, o mais antigo da cidade, desde os nove anos até os dezesseis quando entrei na faculdade, sempre sonhei fazer minha cidade conhecida, ser grande e bonita, afinal nada mais justo com a cidade que eu amo e nasci; porém o atentado fez minha cidade ser conhecida, mas INFELIZMENTE não do jeito que eu queria, não do jeito que ninguém queria; hoje eu digo de onde eu sou e automaticamente as pessoas associam com o massacre, é de cortar meu coração suzanense que é apaixonado por cada pedacinho dela, o que foi me ensinado na escola, hino, bandeira, bairros e várias outras coisas que criaram em muitos cidadãos, um apego à cidade e seus moradores.
Agora que todos sabem da existência, as opiniões e posts em redes sociais, muitas me deixaram com raiva realmente, sem sair de um pensamento racional, eu vi jovens postando as coisas mais ridículas possíveis sobre Suzano: “pena que não foi na minha escola”, “ culpa da esquerda”, “culpa da direita”, “culpa dos games”; NÃO! O que aconteceu foi causado por dois garotos transtornados que covardemente mancharam a bandeira e a história da minha cidade.
Sinto que as coisas estão voltando ao normal, meu irmão já superou o luto, a escola voltou às aulas e a imprensa está dando menos “ibope”; é como perder uma pessoa conhecida, o luto, mas no caso coletivo. O som do helicóptero e do rádio ainda ecoa em minha cabeça, assim como o velório no ginásio municipal, uma experiência que é muito difícil de ser passada por palavras sem ficar um bom tempo refletindo e lembrando de cada segundo daquela quarta-feira.