Organismo vivo

maria
Iandé
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2 min readApr 22, 2019

Acredito que além das distantes e frias relações que estabelecemos com o todo ao nosso redor, acima das aparências e utopias que insistimos em projetar para o mundo, e do acúmulo de informações e estímulos constantes que os aparatos tecnológicos jogam sobre nós, é possível vivenciar experiências inexplicáveis, pequenos estratos de momentos ou segundos únicos que nos oferecem uma percepção de um viver universal, onde uma energia singular invade o peito e torna algumas memórias infinitas dentro do corpo.

Ainda criança, sempre tive um contato especial com a água, nas praias, rios e igarapés perto da minha cidade no Pará, no mar quentinho do Nordeste e nas cachoeiras geladas do Sudeste. Quando entrava na água, eu sentia que me tornava um ser só, se unia e nossas energias se complementavam.Para mim ela oferece renovação, liberta forças interiores, limpa a pele e alma.

No final do mês de março tive a oportunidade de estender o contato com esse elemento, viajei até o centro-oeste do país, no estado do Mato Grosso encontrei o Pantanal brasileiro. O encontro foi lindo. No período das cheias, muitas bacias são formadas, uma extensão enorme de uma água doce e limpa recobre a terra. Em uma delas conheci uma casa no estilo de palafita, que nesse período era recoberta por água, tendo seu acesso possível apenas através de barcos.

Lá os olhos se perdiam na imensidão e na grandiosidade de uma natureza suprema, em uma região onde a mão do homem pouco tocou, é possível absorver o natural de uma maneira diferente, e se pode observar como o ser humano se torna indefeso e ao mesmo tempo parte daquele todo, como um pedaço do grande organinsmo. A bacia de água se cruzava com o horizonte, a luz do céu refletia no rio e formava as cores mais lindas, era um quadro de vanguarda impressionista visto a olho nu. As formas variavam, se formavam e disformavam em um balanço, uma dança sincronizada dos elementos da natureza que se harmonizavam em um ritmo próprio. A música do vento, o canto dos pássaros e o conjunto de folhas que se agitavam levemente.

Barão de Melgaço, MT

À noite, deitada sobre o luar, as estrelas brilhavam, eram tantas e seu brilho confundia os olhos, a névoa de constelações se enchia em uma imensidão de sonhos e lembrava da existência de um universo inteiro que se apresenta sobre nós. Junto com o brilho do mar de estrelas, vários vagalumes acesos voavam e seguiam seu caminho pela noite, nadavam com o vento e encheram meus olhos de luz. E eu nadei na água, respirei e toquei nas luzes que se refletiam, me reconstruindo, e me refazendo, abandonei o meu eu para me transformar em água e submergir novamente.

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