Os Pássaros do Hospital

No final do ano de 2019, eu peguei um vírus — não identificado — que acabou me fazendo sair e entrar de hospitais por quatro meses

Flavia Paiva
Iandé
5 min readDec 7, 2022

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Flávia Tanajura Paiva

No final do ano de 2019, eu peguei um vírus — não identificado — que acabou me fazendo sair e entrar de hospitais por quatro meses. Tudo começou em um dia que eu estava em casa assistindo televisão e, de repente, não conseguia respirar direito. Parecia que o ar estava pesado demais para conseguir entrar em meus pulmões e eu sentia como se alguém estivesse pressionando meu peito. Liguei para o meu pai que — assim como minha mãe — estava trabalhando em uma cidade próxima e disse o que estava acontecendo. O moço que trabalha na minha casa — que estava no andar de cima — desceu correndo para me ajudar e ficamos esperando minha tia chegar para poder me levar ao hospital. Os médicos me disseram que eu tinha pego um vírus e que deveria fazer exames para saber o que esse tal vírus tinha provocado no meu corpo. Depois de várias idas em clínicas, uma médica descobriu que meu coração tinha sido arranhado e isso me deu uma doença cardíaca chamada miocardite, além de pneumonia e asma (por isso a dificuldade de respirar). Passei praticamente quatro meses e meio no hospital e em clínicas e sem poder ver quase ninguém.

Uma das coisas que eu mais fazia enquanto estava no hospital era ver o meu filme favorito: Mary Poppins. O filme se passa durante a época de 1910 — na era eduardiana — e conta a história do banqueiro George Banks (David Tomlison) e de sua esposa sufragista Winifred (Glynis Johns ) que decidem contratar uma babá mais competente para poder tomar conta de seus filhos travessos: Jane e Michael (Karen Dotrice e Matthew Garber). O senhor Banks faz um anúncio requerendo uma profissional séria, dura e que controle seus filhos de uma forma rigorosa, mas Jane e Michael elaboram seu próprio anúncio para uma babá divertida e gentil. George após reivindicar seus ideais sobre um estilo de vida sistemático e rígido, ele rasga a carta das crianças e a joga na lareira. No dia seguinte, várias mulheres nas características requisitadas pelo senhor Banks aparecem para o emprego, mas logo elas são empurradas para longe por uma rajada de vento misteriosa. Então, de repente, surge uma babá mágica voando, através de seu guarda-chuva, e pousando na frente da casa. A jovem mulher se apresenta como Mary Poppins e Jane e Michael percebem que ela possui as descrições que haviam pedido ao pai. George Banks, meio transtornado por Mary ter tirado a carta que seus filhos tinham escrito do bolso, acaba a contratando. Então Mary Poppins — juntamente com seu amigo Bert (Dick Van Dyke) — acabam levando as crianças para diversos passeios e aventuras que acabam lhe ensinando lições relacionadas com o impacto da negatividade, a importância da criatividade e gratidão e o poder em ver beleza e prazer nas coisas mais simplórias.

Esse filme sempre trouxe um conforto enorme pra mim justamente por trazer discussões sobre a valorização do que realmente é importante nas nossas vidas e a tentativa de colocar tudo em perspectiva. Ele foi essencial para eu manter o bom humor e me relembrar que eu tinha muito pelo o que ser grata.

Mary ensina diversas vezes as crianças a procurar o lado positivo em momentos negativos, uma das cenas em que isso pode ser visto é quando Mary canta uma das canções mais emblemáticas do filme: “Spoonful of Sugar”. Na música, a babá diz para as crianças o como devemos procurar e cultivar pequenos prazeres no dia a dia para aprendermos a lidar com momentos árduos. Mary ressalta como as pessoas devem se agarrar ao que nos realmente traz felicidade, relacionando tudo isso principalmente com a metáfora “Só uma colherzinha de açúcar faz com que seja mais fácil engolir um remédio”.

Outra cena que traz a discussão sobre tentar enxergar o lado positivo em situações julgadas como desagradáveis é a que Mary, Bert e as crianças sobem no telhado da casa pela chaminé. Ela começa com Bert limpando a chaminé da casa dos Banks e Jane e Michael dizendo o como as chaminés são escuras e sombrias. Porém, Bert afirma que as pessoas têm perspectivas equivocadas sobre esse tipo de trabalho. Ele rebate que apesar de muitos pensarem que ser limpador de chaminé é um trabalho sujo, esse é o único cargo que possibilita ele apreciar a vista de Londres. Sendo assim, ele os leva para o topo da casa e todos caminham pelos telhados das residências de Londres e apreciam a vista da cidade no pôr-do-sol.

Uma das músicas que eu mais escutei de Mary Poppins foi a música “Feed The Birds”. Nessa cena, Mary tenta sensibilizar as crianças sobre uma senhora que — sentada na escadaria de uma catedral em frente ao maior banco de Londres — dedica sua vida a alimentar os pombos, vendendo saquinhos de pão. Durante a música cantada por Mary, ela diz que apesar de as pessoas não notarem a senhora e não ligarem para os pombos, os santos e apóstolos da catedral a observam e sorriem para ela. Dessa forma, tentando fazer com que Jane e Michael entendam que a vida — mesmo daqueles que são considerados insignificantes por muitos — deve ser valorizada e priorizada. A cena da música “Feed the Birds” procura exibir um contraste do anseio frívolo pelo acúmulo de capital e o desprezo por grupos considerados irrelevantes com a sensibilização pela vida e o amor. Sempre amei essa música porque ela me fazia pensar sobre como há diversas pequenas coisas no nosso dia a dia que possuem um significado profundo e não damos valor. O como gastamos tanta energia para ter experiências que no final das contas não são as que você se lembra quando procura conforto em momentos de desespero. Então decidi fazer um vídeo sobre minha minha experiência nesses quatro meses no hospital com a música “Feed The Birds” de fundo.

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