Paralisia do Sono

Gabi Araujo
Iandé
Published in
7 min readApr 25, 2019

Ainda não sei dizer o que foi real ou não…

E se te dissessem que à noite, enquanto você dorme, seu espírito desprende-se de seu corpo físico e viaja por um mundo astral? E mais ainda, que você pode tornar-se consciente desse processo e ter experiências extrafísicas enquanto sua alma volita entre esse e outros mundos? Pessoas familiarizadas com o assunto logo perceberão que trato aqui da projeção astral, fenômeno descrito e explicado pela tradição budista e espírita; agora, independentemente do ceticismo ou crença do leitor, quero tratar aqui de uma experiência um tanto aterrorizante que aconteceu comigo e que decorreu da crença nesse fenômeno.

Foto por Ben Perrot

Enquanto cursava o ensino médio, aos meus quinze, dezesseis anos, desenvolvi um grande interesse por assuntos popularmente considerados ‘espiritualistas’ e ‘esotéricos’, portanto acho que pode-se imaginar o quão atraente me pareceu a premissa da ‘projeção astral’ na época. Há vários livros e artigos na internet com indicações de como chegar ao um estado de consciência que leva à tal projeção, sendo muitas delas relacionadas a técnicas meditativas de respiração, relaxamento profundo e visualização. De fato, se tivesse obtido sucesso em minhas tentativas de realizá-la -se é que isso é possível- , talvez pudesse relatar nesse texto coisas muito mais belas e sublimes, entretanto, tratarei aqui de experiências pelas quais nunca escolhi passar…

Não me recordo se foi em 2015 ou 2016, mas em uma tarde de fim de semana deitei-me reta em minha cama, de barriga para cima e com os braços estendidos ao lado do corpo; comecei:

Respira

1

2

3

4

Segura

Solta

5

6

7

8

Vazio

Respira

Autor desconhecido

Conforme o ritmo se estabelecia, minha mente esvaziava-se e eu me concentrava cada vez mais em meu corpo: sentia o ar encher meus pulmões, o diafragma subir e descer; meu coração pulsar e um fluxo de energia percorrer desde os dedos de meus pés ao topo de minha cabeça, e , a cada vez mais, uma sensação de paz e vazio me inundar até tornar a contagem desnecessária.

Pouco depois algo além começou; sensações difíceis de descrever em sua plenitude, mas eu sentia como se meu corpo inteiro vibrasse e ondas muito sutis de energia o percorressem junto com um calor, meio abafado, mas aconchegante. Em alguns lugares a sensação era mais intensa que em outros, minhas mãos por exemplo pareciam expandir com as pulsações e passei a senti-las não mais como carne e osso, mas como se elas fossem leves, fininhas, e pairassem um pouco acima de onde eram para realmente estar. Eram sensações muito agradáveis, mas também muito diferentes de qualquer outra coisa que já sentira e, devo admitir, que no meio da experiência também me percorreram certos disparos de medo e ansiedade- umas correntes de adrenalina que pareciam querer me impedir da entrega completa ao desconhecido.

E então eu dormi.

( sendo que o ponto da experiência toda era permanecer consciente)

E sonhei.

Sonhei que estava em uma biblioteca muito bonita, com estantes antigas de madeira que se estendiam infinitamente em altura, e com uma abertura para um grande jardim a céu aberto. Era forte a sensação de paz naquele ambiente, e logo comecei a caminhar pelo jardim. Eis que de repente senti uma picada aguda em meu tornozelo; olhei para baixo e vi uma aranha pequena… Conforme o veneno se espalhava, sentia-me mais fraca e minha consciência aos poucos se perdeu em uma espiral de escuridão e atordoamento. Fui então trazida de volta à realidade de meu quarto.

É engraçado como quando se está sonhando é difícil distinguir o real do imaginário, mas quando se está acordado se tem total certeza de que o está. Portanto, assim que acordei me veio o peso da realidade, estava deitada em meu quarto. Fui então me levantar; não consegui.

Não conseguia mexer um músculo sequer; na verdade, acho que só meus olhos o conseguiam, pois eu podia perceber meu corpo e os arredores do quarto. Vi minha barriga, braços e pernas estendidos; tentava mexe-los, mas eles permaneciam no mesmo lugar, estáticos. Podia ouvir meus pais conversando ao longe, na cozinha de nosso apartamento; tentei chamar por ajuda, mas não saia voz. E nesse momento, de pura irracionalidade, minha mente colapsou:

“ Que está acontecendo? ”Jogo o corpo para um lado, jogo para o outro- NADA; desespero. Risos mentais histéricos e nervosos-desespero. “Concentra”, “concentra”: tento erguer meu braço- nada. “MÃÃÃE?!”- grito- nada. Tento levantar da cama de supetão- nada. “ Meu Deus! Será que isso não vai passar?”. “MÃÃÃÃEE!!!!”- berro -nada. Sufoco e luto e mexo e grito- desisto; luto mais um pouco e por aí vai.

Não sei quanto tempo durou e como voltei a ganhar domínio de meu corpo, mas quando consegui não houve nenhuma mudança que indicasse que eu tivesse passado de um sonho para a realidade: eu apenas consegui me movimentar e levantar da cama. Fui logo de encontro a meus pais e eles realmente estavam na cozinha conversando.

Pouco depois que o inexplicável e o absurdo se encerra, a mente tende a duvidar e a racionalizar as coisas. Para mim era mais do que óbvio que o ocorrido fora real, mas questionei minha sanidade até pesquisar e descobrir que haviam vários relatos de episódios semelhantes ao meu e que eles consistiam em um fenômeno presente há muito tempo na história da humanidade, conhecido como “ a paralisa do sono”.

O pesadelo, por Henry Fuseli (1781)

Para mim o fenômeno não tinha nada a ver com um “ demônio que não deixaria a pessoa se mexer”- imagem concretizada no imaginário popular (ver quadro a cima)- mas não descarto o caráter sobrenatural que a experiência teve para mim, pois ainda na época tinha certeza de que o ocorrido estava relacionado com o desdobramento do espírito do corpo que almejava alcançar antes de adormecer.

Chame de determinação, curiosidade ou estupidez, mas minhas aventuras com a projeção astral ainda não haviam acabado e um certo tempo depois repeti o mesmo procedimento: desta vez era uma tarde em meio de semana e novamente deitei reta na cama, de barriga para cima, respirei, senti o corpo, adentrei aquele estado meditativo de sensações peculiares…

E dormi

( de novo)

Só que dessa vez a atmosfera do sonho era completamente outra: estava em um lugar com algumas pequenas instalações decadentes como bares sujos e barracos aleatórios. Havia ali várias pessoas que pareciam miseráveis e instigavam sentimentos de desconfiança. Um grupo de uns três homens com expressões mal-intencionadas me chamavam para junto deles. Eu tentava me afastar com dificuldade, esbarrando na multidão de pessoas. Ouvi então uma voz masculina: esta parecia amigável e preocupada, dizia meu nome e me mandava correr enquanto minha consciência aos poucos voltava para a realidade e eu acordava.

Acho que não é nenhuma surpresa eu dizer que novamente me encontrava paralisada, mas um pouco daquela voz do sonho misturava-se a realidade. Eu já me encontrava totalmente alerta, apesar de imóvel, quando os gritos começaram…

Havia uma voz de mulher que gritava dentro de minha mente, mas cujo som parecia estar ao meu arredor. Não era um grito de desespero ou pedindo por ajuda, mas sim tentando me perturbar - uma voz estridente digna de filme de terror. A sensação era horrível, agonizante, mas eu não sentia como se houvesse uma ameaça real ali, comigo, naquele quarto, e tenho quase certeza que nesse momento estava alucinando.

Novamente não conseguia me mexer ou gritar, e apesar de já ter passado por aquilo o desespero era o mesmo, senão muito maior, devido a sensação de terror que me inundava. Os gritos pararam, mas minha mobilidade não voltava por nada; em minha vontade eu já havia saído correndo dali várias vezes, mas sempre que olhava para meu corpo percebia que ele não havia obedecido. Depois de um certo tempo nessa situação você começa a temer nunca mais se mexer e ou se comunicar e desta vez a experiência parecia estar durando o triplo da primeira. Cheguei, então, àquele famoso ponto de desespero que fazem até mesmo os ateus recorrem a Deus, e o fazia enquanto, em minha cabeça, chorava copiosamente.

Não sei quanto tempo depois desse momento de total agonia voltei a me mexer, mas fato é que após o ocorrido resolvi deixar de lado essa história de projeção astral por um bom tempo, e até hoje não posso afirmar com certeza se certas partes foram reais ou não e se essas experiências se deram a nível físico, mental ou extrafísico. Agora, se a paralisia do sono é um fenômeno puramente biológico ou espiritual, que o leitor tire suas próprias conclusões, eu só acho muito curioso como as duas únicas vezes em que não consegui mexer meu corpo foram aquelas logo após tentar sair dele.

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