Perspectiva em The Witness

Alexandre Coscodai
Iandé
Published in
6 min readApr 16, 2018

The Witness é um jogo de Johnattan Blow, também conhecido por seu outro jogo de sucesso: Braid. The Witness é um jogo de puzzle, que se passa em uma linda ilha deserta, cheia de painéis com labirintos. Acima de tudo, ele é um jogo sobre perspectiva.

Quando o jogo começa, nenhum tutorial aparece para explicar o que está acontecendo, nem qual é o objetivo do jogador naquele lugar. Contudo, uma série de painéis é exposta. Os primeiros painéis são extremamente simples de serem resolvidos, e após passar por todos os painéis da área inicial, o jogador tem acesso ao restante da ilha.

O primeiro painel encontrado após a área inicial é impossível de ser solucionado com o conhecimento que o jogador tem naquele momento. Após muito tempo de tentativa, o jogador provavelmente desistirá e avançará para outra parte da ilha, onde aos poucos aprenderá as “regras” que devem ser usadas nesse painel. Logo em seguida, existem painéis simples, que explicam separadamente cada uma das regras utilizadas nesse “primeiro painel difícil”. A regra de dividir as formas pretas e brancas, e a regra de passar com sua linha em cima das bolinhas pretas.

Esse aspecto de entender algo nem linearmente, nem verbalmente, é um dos diferenciais do jogo. Um outro exemplo interessante e provavelmente mais “fora da caixa” é o seguinte: Diferentemente das regras anteriores, os puzzles da área rosa não são decifráveis por meio de alguma dica contida no próprio painel. A princípio é impossível resolver algo como este primeiro painel:

Porém, em outra área é muito mais fácil descobrir que esse jogo é fortemente atrelado com o ambiente. Na área da simetria, o jogador eventualmente é forçado a observar o que há atrás do painel para poder passar para a próxima etapa. Além de simplesmente conseguir executar essa tarefa, a grande descoberta pode ser aplicada ao painel presente na área rosa: Agora sabendo que as vezes é necessário se basear no ambiente para progredir, o jogador tende a perceber a relação entre árvore no fundo e o painel. Nesse caso, a resposta certa do puzzle seria o galho que está com a maçã.

Em cada uma dessas áreas da ilha (os “biomas”), quando todos os puzzles são resolvidos, um raio de luz é ativado, que aponta para uma montanha. O jogador chega conclusão que para zerar o jogo deve fazer isso em todos os biomas, e resolver o desafio final que estará dentro da montanha, ou algo que o valha. Porém, como Johnattan Blow aponta em uma entrevista, essa é apenas a camada de desafios mais superficial que o jogo apresenta.

Além dos puzzles com labirintos, inúmeros segredos estão “escondidos” ao redor da ilha. Talvez eles não estejam realmente escondidos, mas apenas esperando para que sejam encontrados. Os “elementos” ou desafios de The Witness podem ser divididos em três categorias:

1- Desafios que obviamente se colocam como puzzles, “pedem” para ser resolvidos e dão uma recompensa ao serem concluídos.

2- Desafios que não são claramente indicados como desafios, mas que quando o jogador os encontra, sabe que os encontrou, e quando o jogador os resolve, sabe que os resolveu.

3- Desafios que são “surpresas visuais”, que não estão sendo indicados para o jogador de modo algum, e que simplesmente o jogador percebe-os ou não. Por exemplo: Pessoa simétrica na água.

Outro exemplo: Escultura gigante de mulher vista de ângulos diferentes.

Finalmente, o desenvolvedor do jogo, em sua entrevista, revela que seu objetivo era criar um jogo que se centrasse em pequenas epifanias dos jogadores. Mas como fazer isso? Sua estratégia foi criar um jogo que instigasse o jogador a “pensar fora da caixa” e a observar problemas de perspectivas diferentes. A maior parte desse processo acontece graças ao raciocínio que os jogadores começam a ter conforme vão resolvendo os puzzles nos painéis, mas toda a ambientação e estética do jogo também contribuem para que isso seja acentuado.

As regras e os padrões aprendidos ao longo do jogo têm uma interação extremamente limitada, por exemplo, os únicos comandos e ações que existem são de andar, olhar e traçar linhas, o que impede que o jogador ande pela ilha tentando clicar e bater em tudo. Não existe nenhum tipo de combate ou evento, o jogo é muito quieto e nada acontece além do que o jogador faz. Essas características dão mais espaço para que o jogador ocupe sua mente apenas com os puzzles. Por exemplo: ao andar de um ambiente para outro, invés de se preocupar com alguma possível armadilha ou inimigos, o jogador é convidado a refletir sobre os puzzles que estava resolvendo, muitas vezes enquanto olha a natureza da ilha e encontra padrões nela.

Portanto, a estética audiovisual é extremamente importante, por ter que ser coerente com esse objetivo de trazer à tona o lado mais reflexivo do jogador. Muito tempo foi gasto no período de desenvolvimento para decidir que estilos de trilha sonora (inexistente, para não distrair nem irritar o jogador), texturas e combinações de cores haveriam dentro jogo. Com isso, o jogo consegue chamar atenção do jogador na medida certa, não deixando que as coisas fossem fáceis nem difíceis demais de serem percebidas. Johnattan Blow afirma que durante o período de desenvolvimento rejeitou muitas propostas dos artistas e arquitetos por serem interessantes demais, justamente para que o jogador não se distraísse.

É possível concluir que The Witness, a princípio um jogo superficial de puzzles em painéis, tem muitas camadas de significado e descobertas que estão “escondidas explicitamente” do jogador. A equipe do jogo conseguiu muito eficazmente criar uma atmosfera que incentivasse o raciocínio e a reflexão de diferentes perspectivas, não deixando nem os segredos nem os puzzles difíceis ou fáceis demais de serem resolvidos.

--

--