Quando entendi a verdadeira simplicidade

Ana Herman
Iandé
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5 min readApr 18, 2018

Em 2015 tive o privilégio de conhecer uma família que mudaria a minha vida por completo, não só durante os seis meses que morei com eles na Nova Zelândia, mas uma transformação de valores eterna. Porém não é sobre esses seis meses que gostaria de contar, mas sim do reencontro que tivemos em outubro de 2017, a data em que os pais dessa família se casaram. Para contextualizar vou descrever um pouco sobre a história dessa família.

Kiri, de Wellington — Nova Zelândia, não era respeitada por seu ex marido que era muito agressivo. Então começou a se encontrar com um policial e contar tudo que sofria, os dois se apaixonaram e ela acabou se divorciando para ficar com o policial, Steve. Os dois não tinham muito dinheiro e mesmo assim tiveram três filhos, trabalhavam o suficiente para que não faltasse nada para eles.

Resolvi fazer intercâmbio na Nova Zelândia no ano de 2015 e me alocaram na casa dessa família, me receber era uma renda extra para eles, mas eles nunca me viram assim. Sempre me viram como a quarta filha, que nunca tiveram. Enquanto estava morando com eles, eles receberam uma carta de despejo e tiveram que sair da casa em uma semana. Venderam quase tudo que tinham, o resto guardaram em um depósito e se mudaram para a fazenda da família no interior. Eu fui morar com uma família amiga deles para frequentar a escola, mas sempre pegava um ônibus e ia passar uns dias com eles na fazenda.

Quando voltei para o Brasil eles se mudaram para a França. O único dinheiro que tinham era para ficar uns dias em um hotel e para comer. Foram sem trabalho, sem escola para os meninos. Admiro muito a coragem deles, que se não a tivesse não teriam ido tão longe. Após se virando um mês, arranjaram um trabalho de caseiros em um castelo no interior da frança, recepcionando casamentos e grandes festas. E é sobre esse castelo que gostaria de contar. Sobre a experiência que tive lá.

No ano de 2017 fui encontrá-los nesse castelo, onde estavam realizando o sonho de suas vidas: seu casamento. Eles tiveram 3 filhos, ficaram 10 anos juntos e não tinham se casado, pois não tinham dinheiro. Agora, mesmo sem muito dinheiro, estavam se casando no interior da França, em um castelo, com amigos de todos os cantos do mundo.

O castelo é enorme, digno de uma família real, fiquei em um quarto com a minha mãe, a vista era para o jardim da frente. Me senti em um filme. Mas o que mais foi importante para mim não fui tudo aquilo, toda aquela grandeza, mas sim a experiência que tive de ver aquela família se desdobrando para organizar o próprio casamento, o cuidado com todos seus convidados. A simplicidade que os trouxe tão longe, a simplicidade que os trouxe para algo tão grande. Eu não conseguia parar de admirar tudo o que eles são.

Antes de ir tive a honra de receber um convite para cantar na hora do jantar pós casamento. Sim, cantei em um casamento, em um castelo, na França. Sonho. Estava muito nervosa, ensaiei muito. Porém na hora de checar os instrumentos percebi que não tinham amplificador, nem um microfone. Então era apenas eu, minhas cordas vocais e meu violão, sem amplificação nenhuma. O desespero foi grande, pois na minha cabeça aquele era o momento mais especial de suas vidas, e eu estava prestes a fazer algo meia boca.

Quando chegou a minha hora, puxei uma cadeira, me posicionei no meio das pessoas (as mesas estavam em um círculo e os noivos estavam em uma mesa comprida olhando para o centro desse círculo). Comecei a tocar e o som encheu aquele lugar. O pé direito daquela sala deveria ser triplo, talvez quádruplo. Nunca tinha tocado em um lugar com uma acústica natural tão maravilhosa. E então olho nos olhos deles enquanto estou cantando e vejo a alegria, não por estar bonito, mas porque era eu ali e porque era de coração. Percebi que mesmo que nem escutassem a minha voz, para eles estaria maravilhoso, porque só eles sabiam o que aquele momento significava para mim e para eles.

No meu intercambio eu resolvi que queria fazer aula de música na escola, não sabia cantar muito bem, nem tocar nenhum instrumento. Um dia simplesmente resolvi sair e comprar um ukulele. Cheguei na nossa casa e comecei a aprender umas 2 músicas. Os meninos sempre pediam para eu tocar para eles dormirem, ou quando estávamos fazendo alguma tarefa na fazenda, ficávamos cantando juntos. Saí da Nova Zelândia com um repertório de apenas 10 músicas, que sempre cantávamos sem cansar. Mas tinha uma música em especial, que a Kiri dizia que contava muito sobre a vida deles, o quanto passavam por dificuldades, mas que nada importava, desde que estivessemos todos juntos e felizes. Essa música era Better Together do Jack Johnson.

E então voltamos para o momento em que estava lá, tocando naquele salão de pé direito triplo, não mais com um ukulele, mas com um violão. Não mais ritmos simples, mas dedilhados. E não qualquer música, mas a nossa música. Todos aplaudiram, falavam que foi muito bonito, mas só eu e aquele casal sabíamos realmente sobre o que se tratava. E o que mais marcou foi ver seus olhos cheios de lágrimas e o sorriso no rosto.

Ninguém gravou, não tenho isso em vídeo, felizmente. Quero guardar assim, desse jeitinho como me lembro. Sei que se tivesse um vídeo eu ficaria me criticando e estragaria a lembrança dos sorrisos verdadeiros. E a conclusão que eu pude tirar dessa família e de tudo que compartilhei com eles: uma vida simples é o estilo de vida mais completo que se pode viver. Eles nunca se deixaram levar pela preocupação, estavam felizes o suficiente em estarem juntos. Foram despejados de suas casas e acabaram em um castelo na frança. Que mesmo trabalhando duro como caseiros, não poderiam se sentir mais realizados, pois tiveram o casamento de seus sonhos. Esse é o maior exemplo para mim de Ezequiel 21:26 — “os humildes serão exaltados, e os exaltados serão humilhados.”

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