Quando voltei no tempo

Pedro Morales Zanchetta-Oliveira

Pedro Morales
Iandé
3 min readMay 29, 2020

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Há uns cinco anos atrás, eu e minha mãe jogamos juntos (ela só assistia) o jogo Life is Strange (2015). Lembro de ter sido uma obra com uma trilha sonora e uma história muito marcantes, era sobre uma jovem fotógrafa que podia voltar no tempo através de suas fotos. Mas não é especificamente sobre o jogo que eu quero falar.

Anos depois de já ter aposentado o jogo (2017 ou 2018), em uma certa noite, estava eu sem sono, deitado no meu quarto escuro pensando na vida. Decidi colocar algumas músicas com o intuito de dar um tom melancólico àquele quarto silencioso. Peguei meu celular, coloquei na aba de recomendados do spotify, fiquei procurando por alguns instantes e… BUM! “Trilha sonora completa de Life is Strange (2015)”? “Nossa… tinha me esquecido completamente desse jogo.” Por nenhum motivo em particular, resolvi escutar, não me lembrava das músicas daquele game. Então, cobri os ouvidos com um fone, coloquei no modo aleatório de reprodução e fechei meus olhos.

“Good Bye to my Santa Monica Dream…”

Era o que se cantava no início da primeira música, Santa Monica Dream, de Angus and Julia Stone, escolhida pela lei do aleatório do spotify. A melodia era lenta, calma, o canto era baixinho, confortante. “Meu deus que nostalgia!”, pensei. Me bateu uma saudade deliciosa daquele tempo em que joguei “Life is Strange” com minha mãe. “Já faz tanto tempo…” Mas não parou por aí. De olhos fechados, e com a atenção totalmente centrada na música, eu me transportei para aquele passado. Assim como a protagonista do jogo viajava no tempo olhando fotografias, eu viajei no tempo escutando aquela música (ou quase).

Muita gente diz que a música é a forma mais pura de arte. Por não precisar de nenhum suporte para ser escutada, a música se comunica diretamente com o inconsciente de quem a escuta. Naquele momento, percebi a verdade dessa afirmação. “Santa Monica Dream” despertou memórias desbotadas que estavam hibernando durante anos nos confins da minha cabeça. Aquela música penetrou nas profundezas da minha mente e me fez “re-experimentar” o conjunto de sensações que eu sentia naquela fração do meu passado . Me fez reviver, por um instante efêmero, o estado de espírito que me acompanhou durante alguns meses, há alguns anos atrás, quando tudo era mais simples. Confesso que me arrepiei inteiro. E Julia Stone, a cantora da canção, continuava a cantar…

“I’m singing songs about the future
Wondering where you are”…

Naquele breve momento, as noções de tempo e espaço desapareceram. Esqueci de todos as coisas do presente e mergulhei de cabeça no passado. Senti, uma última vez, o gosto de como era ir à escola, o gosto de comer maçãs e depois jogá-las para as galinhas que moravam no terreno meio abandonado do lado do colégio, experimentei de novo o sentimento de tentar destrancar com um clips a porta da sala de aula no intervalo junto dos meus amigos, e as várias pausas que eu e minha mãe fazíamos durante as jogatinas de “Life is Strange” para traduzir alguma palavra em inglês de algum diálogo. Quando a música acabou, despedi-me do passado e voltei à vida normal. “Adeus ao meu sonho de Santa Monica.”

Penso que cada época de nossas vidas carrega consigo um amontoado de sentimentos, que o tempo os faz desvanecer e os substitui por outros. A capacidade da música de acessar o inconsciente e rememorar passados esquecidos faz a gente perceber que, de fato, não somos as mesmas pessoas que éramos há tempos atrás. Quando “viajei no tempo” com “Santa Monica Dream”, me deparei com um estado de espírito muito diferente do que tenho hoje. Por mais que tenha sentido uma saudade imensa daqueles tempos, naquela noite musical, entendi que nossa consciência para com o mundo se transforma ao longo dos anos. Mesmo compreendendo que estamos constantemente nos transformando, às vezes, em noites silenciosas e melancólicas, é bom fazer uma visita às belas ruínas dos tempos que não voltam mais.

Angus and Julia Stone — Santa Monica Dream

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