Rally no deserto — Um barco a deriva em uma tempestade

Stephanie Garcia
Iandé
Published in
3 min readOct 17, 2018

Ao longo de tantos anos que já vivi é difícil apontar a experiência estética mais marcante que já passei, um momento em que não senti apenas todos os meus cinco sentidos virem a tona, mas que vou carregar para o resto da minha vida. Comecei então a pensar em todos os sonhos e vontades que já realizei, instantes que vivenciei e que havia sido esperado por tanto tempo. Me veio a memória Janeiro de 2016, o ano que tive a oportunidade de conhecer Dubai. Desde de pequena sempre gostei de conhecer lugares novos, mas acima de tudo, culturas. E a minha visita a um país muçulmano foi extremamente marcante, principalmente o dia em que fui conhecer o deserto.

Não havia me informado sobre o passeio e estava sem expectativa alguma, já que preferia passear pelos mercados e ruas locais para conhecer as pessoas. Imaginava que seria um lugar bonito, mas nada além de um infinito de areia. O passeio começou por volta das 16h quando nosso guia veio nos buscar em um jeep bastante alto e robusto, 4x4. Assim que entrei, notei como a parte interna era toda reforçada de ferros e não pude evitar um leve sentimento de medo e tensão. Ele nos explicou, com poucas palavras e de uma forma um tanto ríspida, que as dunas eram extremamente altas e durante alguma manobra, o automóvel poderia capotar. Não posso negar que entrei em choque por um instante, mas de certa forma senti uma onda de adrenalina e ansiedade pelo que estava prestes a presenciar.

Depois de uma hora de viagem, chegamos a entrada do deserto. Descemos do carro enquanto ele esvaziava os pneus, prática comum para o carro se mover na areia. Quanto retornamos ao carro, nosso guia havia se transformado. Ligou o som do carro e uma música árabe, alta e animada, começou a tocar. Em meio a tanto barulho escuto ele perguntar: Com ou sem emoção? Olhei para ele pelo retrovisor, enxerguei apenas sua boca com um sorriso lateral, quase malicioso, e antes que pudéssemos responder, ele começou a acelerar. Me segurei no primeiro ferro que encontrei, olhei pela janela e vi nossa primeira queda. Difícil explicar a sensação, era como se estivesse em uma montanha russa sem trilhos, sem conseguir prever para qual lado ele iria virar ou se íamos subir ou descer. Rapidamente me acostumei com a sensação e passei a sentir uma leveza, como se flutuasse em um barco em meio às ondas do mar. Comecei a admirar toda aquela paisagem, o pôr do sol, ou melhor a bola de fogo vermelha que havia surgido em meio às dunas e que às vezes perdia de vista. Havia também as diferentes marcas nas dunas causadas pelo vento, criando a ilusão que elas tinham vida, e se mexiam.

Quando chegamos ao lugar que íamos jantar, tive ainda mais sentidos despertados, aliás, todos ao mesmo tempo: tato, paladar, olfato, visão e audição. O meu primeiro contato com a areia do deserto, eram tão macias, sentia as partículas deslizarem pelos meus dedos. Observava as marcas deixadas pelos meus pés rapidamente desaparecerem com tamanha fluidez. Ao mesmo tempo, o cheiro de comida caseira sendo preparada fazia minha fome despertar, enquanto passava de certa forma, a sensação de aconchego. Nos sentamos no chão e nos deliciamos com os diversos temperos e sabores ao som de músicas típicas em frente a um grande palco repleto de dançarinos. Foi um momento verdadeiramente mágico em que realmente senti que entrava em um mundo completamente diferente. Era como se naquele momento, eu passasse a pertencer a cultura deles. E então eu percebi que uma obra de arte não precisa ter um autor específico ou estar em um museu, e sim em meio a natureza, ela é livre e está em todos os lugares, sendo criada a partir da experiência de cada um.

Minha experiência em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=NM1tjaPjPuE&list=PLzi9zR_tYuBiA4IecXzKhybGQfy2RgDGZ&index=8

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