Rebeca

Giulia Fonseca
Iandé
Published in
4 min readDec 1, 2022
Meu irmão (Gui), eu e a Beca. A primeira foto que me lembro de ter com ela.

Eu gosto de acreditar que o amor se manifesta de diversas formas na nossa vida. Ele vem como uma pessoa, como um momento, um lugar, um gesto, um sentimento, uma palavra. Vem das formas mais lindas e puras que podemos imaginar, marcando nossas vidas para sempre. Eu resolvi escrever aqui hoje sobre uma das melhores formas de amor que eu recebi: a Rebeca.

A Rebeca não é uma pessoa, um momento, um lugar, um gesto, um sentimento, uma palavra. Ela foi a forma de amor que veio até mim como um simples cachorrinho shit-zu preto, bem pequenininho, cheio de pelos, como na foto. Eu tinha 7 anos e tinha acabado de receber a notícia que meu antigo bichinho tinha falecido na casa em que tivemos que deixá-lo quando nos mudamos. Eu amava ele, não me entendam mal. Mas a gente, querendo ou não, cria laços mais afetivos que outros sem muitas explicações.

Desde o começo, a Rebeca se demonstrou a cachorrinha mais simpática que eu iria conhecer. Cheirava todos os outros cachorros e brincava com eles, independente se eram o triplo do tamanho dela — ou mais. Quando íamos para a fazenda do meu pai, ela corria atrás de todas as galinhas da angola que via. Invadia o cercado das vacas e dos cavalos achando que eram muito amigos — e eu nem duvido que eram. A Rebeca era, de fato, linda e pura.

A felicidade foi 5x maior quando ela e o Sushi, cachorrinho da minha avó, cruzaram e tiveram cinco filhotinhos. Um machinho e cinco fêmeas. Um pretinho igual ela, dois marronzinhos igual o pai e dois branquinhos com manchas marrons que ninguém entendeu como saíram. E ela pariu todos os cinco sozinha, às 6 da manhã, na sua caminha.

Uma vez, eu cheguei em casa à 1h da manhã. Entrei pelos fundos no apartamento, por aquela porta que não fechava direito e nem tinha chave. Brinquei com ela e a Chanel, a filhotinha que a gente resolveu ficar (os outros foram para conhecidos nossos), e fui dormir. Quando acordei cedo para ir à aula, fui até os fundos para ver as duas e ali começou meu pesadelo: a porta havia aberto de madrugada e a Rebeca havia fugido. A Chanel sempre foi mais caseira e acabou ficando, mas não perdeu a cara de triste o dia inteiro. Postamos na internet, rodamos a cidade de carro e até para a rádio minha mãe ligou. No final do dia, achamos a bendita — e se eu contar fica até difícil de acreditar. Ela havia ido para uma balada que ficava há uma quadra de casa. O DJ da noite a viu e levou para casa, esperando o dono aparecer. Viu um post numa rede social e ligou para a minha mãe. Marcaram de se encontrar e a fujona voltou para casa.

Depois disso, atenção redobrada, mas principalmente por um motivo: uns dois meses depois, ela começou a dar sinais de velhice. E custou um tempo até minha ficha cair.

À essa altura do campeonato, a Rebeca tinha uns 13 anos de idade. Sua bexiga começou a ceder, e ela passou a depender de fraldas. Sua visão foi comprometida por inteiro em questão de um ano. Seu útero infeccionou e precisou ser retirado cirurgicamente. E no meio disso tudo, eu me mudei de cidade.

A Rebeca esteve lá comigo, dormindo no meu quarto, me vendo chorar, me ouvindo desabafar coisas que nem sei se entendia, mas gosto de acreditar que sim. Desde os meus 7 anos, quando a vi entrar na porta pela primeira vez.

Eu gosto de acreditar que o amor é a coisa mais linda e pura na vida de alguém. Ele vem e marca nossas vidas para sempre. Mas em um piscar de olhos, da mesma forma que ele fisicamente vem, ele fisicamente se vai. E ninguém nunca está preparado para perder um amor.

Quando eu me mudei, eu pensava muito nela. Em como eu não estaria preparada para a perder quando acontecesse. Não que eu fosse estar se estivesse por perto, acho que preferia nem ver isso, e acho que ela sabia disso. Tanto é que me esperou ir.

Não foi logo quando me mudei. Um tempo depois. Nove meses para ser exata. O tempo de uma gestação foi o tempo que tive para me acostumar a viver longe dela. Voltei para passar meu aniversário com a minha família e, um dia depois que voltei para São Paulo, ela decidiu partir.

A Rebeca foi, com toda certeza, a coisa mais linda e pura que já me aconteceu. Hoje, posso dizer que talvez a sinta ainda mais presente comigo. Sei que ainda me vê chorar, ouve meus desabafos. Ela deve saber que seu cheiro faz falta. Suas lambidinhas de amor eram as minhas preferidas. Nossos passeios, suas carinhas, as vezes que ela vinha até mim quando eu chegava em casa.

Eu ainda gosto de acreditar que ela foi e é meu primeiro e maior amor. Ainda gosto de olhar para a nossa foto pendurada na minha sala e lembrar de como a amo.

Ainda queria poder ter te dado um último abraço e um último carinho.

Deixo aqui nossa última foto juntas, dois dias antes de partir.

Ainda sinto a sua falta.

Sempre vou sentir.

Com amor,

Giulia.

Eu e ela. Nossa última foto, dois dias antes. Dia 27/04/22.

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