Reencontro

Achilles Craveiro Neto
Iandé
Published in
4 min readOct 15, 2018
Érica Pompeia Craveiro, Janeiro de 2011

A experiência estética consiste na percepção que temos sobre o mundo através de nossos sentidos. Seria a forma como sentimos o mundo, seja por meio de imagens, de sons, de texturas, de sabores ou de cheiros. Podemos, inclusive, perceber imagens com sabores, texturas com sons, cheiros com imagens, e assim por diante. A questão central a respeito dessa percepção é a interpretação que damos às coisas devido a essa mistura de sentidos.

Pois bem, eu gostaria, antes de adentrar no tema escolhido, esclarecer o que me levou a falar sobre isso. Minha pretensão inicial era comentar a respeito de algum show que fui, do momento em que decidi fazer uma segunda faculdade, ou até mesmo de pequenos momentos aparentemente insignificantes que tive em minha vida, mas que foram viradas de jogo. No entanto, a escolha que agora faço é voltada para algo que senti durante a realização de um trabalho de faculdade, no qual a proposta era encontrar arquivos antigos (fotos, vídeos, etc.) e montar um vídeo. Ele foi apresentado em outubro de 2018, portanto escreverei sobre uma experiência que vivenciei recentemente.

Tendo em vista que perdi meus pais em julho de 2011, resolvi procurar arquivos que mostrassem momentos meus com minha mãe. Nessa busca, acabei encontrando diversas fitas que foram gravadas por uma velha câmera de vídeo de meus pais. Sendo assim, bastou um VHS, uma câmera e uma seleção de momentos que assisti nos vídeos para montar o trabalho. O vídeo em si tem o propósito de mostrar como imagens capturadas por uma câmera antiga podem ser ressignificadas dependendo do contexto em que elas estão inseridas. Contudo, o propósito deste texto não é fazer uma análise do vídeo, mas sim tentar expor em palavras o que senti no processo de realização dele, isto é, o que senti enquanto assistia aos antigos vídeos caseiros e selecionava imagens de minhas com minha mãe.

Caixa de Fitas, outubro de 2018

A caixa com as fitas foi, para mim, o mar para um explorador. Eu não sabia o que iria encontrar, e acabei me deparando com algumas imagens que já havia visto em algum momento de minha vida e com outras que eram completamente novas para mim, mas que as marcas do tempo não me deixaram esquecer de que elas foram registradas há muito tempo. Foi vendo essas novas velhas imagens me encontrei novamente com minha mãe.

O processo de recepção delas foi complexo, pois eu estava, no vídeo, diante dela, mas ao mesmo tempo distante no espaço e no tempo, e foi essa dualidade que marcou minha percepção sensorial. Dizer que o que senti foi “saudade” seria reduzir toda a experiência à falta de algo que se encontra no passado. Todavia, as imagens que vi eram tão frescas quanto as imagens que vejo no presente, e não sentimos saudade do presente. Eu vivi cada momento gravado como se minha percepção espaço-temporal tivesse sido suspensa por alguns instantes, e depois retornado com uma mistura de novas memórias geradas por velhas imagens. Ao tentar racionalizar o que estava acontecendo, meu cérebro entrava em conflito entre o fato de minha mãe já ter partido desse mundo e o fato de eu sentir sua presença novamente. Na minha visão, o amor é atemporal e não-espacial, e bastou o auxílio de algumas imagens para que eu vivenciasse esse sentimento em sua plenitude.

Como já foi dito anteriormente, a percepção sobre as imagens depende do contexto no qual elas são vistas. É evidente que eu teria me sentido diferente caso tivesse visto as fitas antes de 2011, e que me sentirei diferente caso eu as veja no futuro. Vemos o passado com os olhos de hoje, o que faz com que ele esteja em constante movimento. Talvez isso se deva ao fato de percebermos as coisas antes pelo emocional e somente depois pelo racional. Este texto é um exemplo de racionalização daquilo que foi sentido por mim nos momentos em que assisti às fitas. Com isso, a experiência estética que vivenciei está presa naqueles instantes, sendo impossível reproduzi-la com palavras, mas sendo possível descrever o que penso sobre o que senti.

Creio que uma das maiores virtudes do ser humano é a vontade de tentar entender os nossos sentimentos. Muitas vezes eles nos indicam caminhos que nossa razão nunca havia vislumbrado, motivo pelo qual não podemos descartar a importância das experiências estéticas que vivenciamos com tanta frequência em nossas vidas. No caso que ilustrei, procurei destacar como nossa percepção emocional pode modificar memórias e fazer com que vivamos momentos pretéritos como se fossem atuais.

Segue abaixo o vídeo mencionado no texto, que foi apresentado como um trabalho de faculdade.

Memória audiovisual

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