RPG: Sempre é hora para uma boa história

Guilherme Háfez
Iandé
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5 min readMay 30, 2020

Quando eu percebi que a quarentena ia ser algo real as três primeiras coisas que passaram pela minha cabeça foram: “Como vou fazer com meus pais?”(divorciados morando em casas diferentes), “Como vou ver a Luiza?” e por fim “Como eu vou seguir mestrando minha campanha de RPG?”.

O RPG (Role-playing game) é um jogo onde jogadores assumem papéis de diferentes personagens e constroem uma narrativa colaborativa sendo guiados por um indivíduo denominado como o “mestre” que interpreta personagens menores da campanha e constrói os cenários e desafios da história funcionando também como um mediador entre os jogadores. Além deles há sempre a presença ilustre dos dados, estes que servem para determinar fatores fora do controle dos jogadores e do mestre.. O RPG pode ser visto mais como um formato de jogo do que um jogo em si, uma vez que há diferentes modelos criados para formatá-lo, e cada grupo joga de um jeito diferente. O modelo mais famoso sendo o clássico D&D (Dungeons and Dragons), que atualmente se encontra em sua quinta edição.

Capa do livro-guia para jogadores da quinta edição de D&D.

Minha experiência com RPGs começou, assim como a maioria das pessoas da minha geração, com os videogames baseados no formato. Apesar de não captarem plenamente a liberdade narrativa fornecida pelo RPG tradicional, os games de RPG traziam consigo um leque de opções e interatividade entre o jogador e o personagem controlado maior do que a maioria dos video-games, o que certamente captou a atenção de diversos novos fãs tendo em vista o fato que quase todos os jogos eletrônicos atuais tem algum elemento de RPG.

Após ter tido minha atenção captada por sua influência nos video-games que eu costumava jogar, os RPGs me encantariam novamente por meio de suas raízes em uma de minhas obras ficcionais favoritas “O Senhor dos Anéis”. Um dos primeiros modelos de RPG, o D&D anteriormente mencionado, tinha seu sistema de regras e elementos totalmente mergulhados na mitologia de “O Senhor dos Anéis”, então não demorou muito para que eu me fascina-se pelos universos de RPG criados por milhares de jogadores no mundo inteiro. Desde podcasts, lives e livros todos feitos à base de aventuras construídas neste maravilhoso jogo cultivavam a minha vontade de fazer parte desse mundo.

Minha primeira jogatina finalmente aconteceu quando eu tinha doze anos, após encerrar um trabalho em grupo de gramática eu e dois amigos iniciamos as aventuras de Russenval e Noboru, um anão e um elfo que iniciaram uma estranha amizade que no futuro resultaria na criação de uma grande guilda. Juntamente a essas aventuras eu iniciava minha jornada no mundo dos RPGs, a qual me encontro a desfrutar até hoje.

Desenho de persongem de uma campanha da qual participei

Não demorou aos temas das aventuras irem para além da tradicional fantasia medieval, indo desde histórias no velho-oeste até cruzadas estelares em navios voadores. A beleza do RPG de mesa é que ele pode ser sobre literalmente qualquer coisa, mas ao mesmo tempo o “contrato” feito entre os jogadores, o mestre e o sistema adotado concede um nível de verossimilhança muitas vezes ausente em filmes, livros e até mesmo videogames. O RPG se torna real, aquele mundo se torna real, os personagens se tornam reais durante o período em que você está na mesa. Eu guardo memórias de jogos como se fossem minhas e muitas vezes me lembro de personagens criados por mim e por meus amigos como verdadeiras lembranças de aventuras que eu vivi e que puder dividir com outras pessoas.

Meus jogos foram ficando mais complexos, com tramas mais longas e elaboradas, personagens mais definidos. Eu e meus amigos passamos a ter a tradição de desenhar nossos personagens no papel, além de montar miniaturas para representá-los no tabuleiro. Conforme o RPG foi ficando mais próximo a nossas vidas ele virou parte essencial de nossa amizade e para mim compartilhar um jogo virou uma maneira de marcar alguém como um “verdadeiro amigo”.

Desenho de um grupo de personagens de jogadores de uma campanha da qual participei.

Com o passar dos anos, acabei por ajudar na disseminação do jogo pelos meios que eu frequentava, ao ponto de mais de 20 amigos do meu ensino médio terem jogado pelo menos uma vez RPG em uma mesa comigo. Por ser o jogador mais experiente na maioria das vezes eu acabava por fazer o papel de mestre, o que pode ser cansativo as vezes, mas definitivamente ajudou a saciar minha vontade de trazer histórias à vida. E é exatamente para isso que estou registrando minha experiência com o jogo aqui, para propagar essa estranha tradição que é o RPG, pois eu acredito no potencial que ela tem de trazer fantasia e vida para momentos difíceis como esse que nos encontramos agora.

O RPG foi um dos principais motivos pelos quais eu me apaixonei com a ideia de contar histórias. Foi um meio pelo qual fiz novos amigos e celebrei amizades antigas de uma maneira que não acredito que qualquer outro tipo de jogo ou arte poderiam ter feito. Graças a esse estilo de jogo e sua comunidade eu me tornei o que sou hoje, e tudo o que me resta é dizer que estou grato.

E por fim, respondendo a pergunta citada no início deste texto : diversas plataformas como: Discord, Roll20 e FantasyGrounds ainda possibilitam que eu e meus amigos possamos manter vivos nossos mundos e personagens nesse momento de isolamento, pois mesmo em quarentena, sempre é uma boa hora de se contar uma história.

Desenho feito por um jogador de uma mesa minha com sua prima que trabalha como ilustradora.

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Iandé
Iandé

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Experiência Estética: A expressão de uma experiência vivida. Criações dos alunos da disciplina Estética ministrada pela professora Edilamar Galvão no 3o semestre dos cursos de Cinema, Cinema de Animação, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio e TV e Relações Públicas da FAAP