Serra e o mar

Vitor Leone
Iandé
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4 min readOct 23, 2017

Há mais de um ano eu sei quando vai ser o melhor momento da minha semana. Há mais de um ano me mudei para sampa para estudar numa fundação, há mais de um ano mudei completamente o ambiente com o qual fui um por dezoito anos. Há mais de um ano eu me divido entre a minha casa, lugar onde cresci, tenho raízes, conheço como a palma da minha mão, tenho amigos e uma mãe que me espera ansiosamente como se aquele fosse o melhor momento da semana dela, e um outro lugar, a minha casa. Aqui em São Paulo moro a semana toda, menos um dia, em uma casa sozinha, em mais um prédio rodeado por algumas pessoas entre milhões e eu adoro isso, já lá na minha casa durmo apenas uma noite por semana, mas isso não faz dela menos minha casa, como não faz o lugar onde durmo de minha casa também. E no meio desse tira raiz, finca raiz, uma constante, a ponte. A serra do mar me mostrou que não meramente habitamos os lugares, onde estamos é onde vivemos, e nunca se sabe quando vamos parar de viver, então a cada segundo que se vive é o seu tudo, querendo você admitir ou não. Uma serra, um bando de árvore que nasceu lá sem querer e deram foi muita sorte de ninguém ter cortado tantas assim nesses tantos anos, uma serra, esplendor da natureza onde se pode mirar o horizonte distante e sentir o peso, não o tamanho, mas o peso que a natureza tem, se mostrando pra você como quem se exibe mesmo, se impondo e fazendo-se ser respeitada. Uma serra, um lugar no meio dos lugares, mas um lugar onde só eu to, não fisicamente, faço a viagem de ônibus então tem outras pessoas nele e de vez em quando ainda tenho o infortúnio de alguém sentar ao meu lado, mas são raras essas vezes, normalmente vésperas de feriados e normalmente não importa, porque eu continuo sozinho na viagem, sozinho em um bom sentido, um sozinho acompanhado, de sigo mesmo. Seja com meus fones no ouvido, seja com um livro na mão, seja conversando por mensagens até as árvores me tomarem o sinal e me forçarem a relembrar que elas estão lá, observando, eu sigo a viagem. Um momento controlado, na vida de alguém que busca a cada dia não ter rotina, e que as tem como seu arquirrival a ser duramente combatido. Do ponto A ao ponto B, com data de partida e hora de chegada, com destino e rumo certos, onde eu vejo as pessoas ao meu redor buscando distrações, e não percebendo que existe um infinito de números decimais entre dois pontos. Da pra se viver muitas vidas na uma hora e dez minutos de viagem, do Jabaquara ao Guarujá, podendo-se ver do alto das grandes pontes, toda uma gama de cidades, com pessoas, pessoas completas, com sonhos diferentes, porém da mesma intensidade dos meus, e medos e inseguranças também, pode-se ver o berço esplêndido, terra tão chamada de abençoada e que se prova toda vez, como quem sabe o que é, e se ama, não tem medo de se assumir por completo, quase que nos ferindo os olhos, porque nos fere o ego, e que só nos resta pararmos estatelados, estáticos, boquiabertos e concordarmos.

Eu sou uma dessas pessoas influenciadas pelo tempo em que vive, e já acostumado comigo, acho que tudo vai ficar sem graça depois de um tempo, um caminho, uma serra, um local que não deveria existir, deveria ser apenas o cúmulo do transitório, quase que já chegando com a obrigação de ser chato, um empecilho entre dois objetivos, se prova muito mais, se prova uma experiência que eu verdadeiramente gostaria que todos pudessem pagar os 33,75 da passagem para a baixada e os 31 reais da volta e aproveitassem, acho que o mundo seria outro se todos conhecessem a serra do mar, ou a sua serra do mar.

Segue duas das mais recentes fotos (14/10) que tirei de dentro do ônibus em uma das curvas da estrada, onde a vegetação diminuiu e foi possível ver o restante do trajeto a ser percorrido.

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