Silêncio

Carolina Bonformagio
Iandé
Published in
4 min readApr 21, 2019

Para a experiência estética, eu resolvi relatar sobre a primeira e, até agora, única vez em que senti o silêncio.

Praticamente todas as pessoas já estiveram em um ambiente silencioso, ou porque moram em um lugar pouco movimentado, ou porque acordaram de madrugada e escutaram o silêncio de uma cidade que dorme. Porém, existe uma pequena diferença entre estar em silêncio e senti-lo.

Eu tive essa experiência quando fui a Coimbra, Portugal e visitei a Sé Velha, uma igreja de meados do séc. XII, de arquitetura românica, gótica e renascentista com influências islâmicas.

Eu entrei na Sé Velha sozinha, enquanto meus pais olhavam as lojinhas ao redor. A igreja em si tinha alguns visitantes, pessoas que andavam entre os corredores tirando fotos e observando os detalhes da construção. Depois de ver o interior da igreja, fui para o claustro gótico, e foi aí que a experiência realmente começou.

Claustro gótico da Sé Velha de Coimbra em Coimbra, Portugal

Claustro é uma construção comum em mosteiros, conventos e catedrais, composto por quatro galerias (corredores) que formam um quadrilátero ao redor de um pátio. Quando fechado ao público, é um lugar frequentado por monges, frades ou freiras em sua vida de clausura.

Eu senti esse enclausuramento assim que entrei no claustro e comecei a caminhar por ali. As únicas pessoas lá dentro era eu e um homem sentado em um banquinho. Ele me cumprimentou, levantou e saiu andando. Não o vi mais. Estava, oficialmente, sozinha.

Galeria do claustro

O lugar era extremamente silencioso, apesar de aberto e de ter moradias e comércios ao redor. Não era possível escutar nada lá dentro além dos meus pensamentos.

Mas era uma sensação estranha, arrisco dizer até conflitante. Esse silêncio e essa solidão que me encobriam traziam uma sensação de paz e harmonia como nada que havia sentido antes na vida, uma conexão não só comigo mesma, mas com o mundo real e o espiritual. Eu estava completamente sozinha naquele espaço, mas eu não me sentia sozinha.

Arcos das galerias e pátio do claustro

Eu andava por aqueles corredores, observando cada detalhe, os arcos, as rosáceas, a grama verde ainda molhada da chuva, a fonte, tudo como se estivesse sendo guiada por alguém que me mostrava sua casa. Até que cheguei a um dos quatro cantos que tinha uma entrada para o mausoléu do 1º Governador de Coimbra.

As religiões de matriz africana costumam dizer que toda vez que você vai entrar na casa de uma entidade você deve pedir licença e toda vez que for sair, deve se despedir. O que ocorreu a seguir foi algo muito estranho para alguém como eu que, apesar de acreditar em algumas coisas, não segue muito nenhuma religião.

Assim que parei na entrada do mausoléu, senti uma necessidade de pedir licença para entrar, como se estivesse visitando a casa de outra pessoa, mas ao mesmo tempo como se pedisse proteção, queria entrar e sair de lá sem carregar nada comigo. Quando sai, despedi-me da entidade e agradeci por ter me deixado entrar.

Mausoléu do primeiro governador de Coimbra

Continuei meu passeio pelo plano astral em formato de claustro aproveitando cada momento daquela plenitude até terminar de ver tudo o que tinha para ver e resolvi voltar para me encontrar com os meus pais.

Assim que passei pela porta que separava o claustro do resto da igreja senti aquela paz plena ir embora. Eu estava tranquila, afinal estava de férias, mas já havia voltado para o mundo real.

Encontrei-me com os meus pais e fomos tomar suco de laranja num restaurante no Largo da Sé Velha. Lá aproveitei para mostrar as fotos da igreja e contar sobre essa experiência única: a quietude menos silenciosa, porém a mais tranquila, que já presenciei.

Eu no claustro da Sé Velha

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