‘The Black Parade’
Um álbum pesado que te deixa mais leve
Por Helena Figueiredo Ferrão
No meu oitavo ano do ensino fundamental, em 2015, eu lembro de ter recebido de presente de um amigo secreto o álbum The Black Parade, da banda My Chemical Romance.
Na jornada de carro de volta para a casa, colocamos o CD pra tocar, e já no início da primeira música eu fui bombardeada com uma melodia extremamente linda e, ainda assim, uma musicalidade tão pesada que retratava muito bem aquilo que eu logo identifiquei como sendo o tema do álbum conceitual: a morte. Eu ainda lembro de quando o refrão da primeira música, “The End”, me atingiu- foi literalmente como uma onda, tão intenso que eu, mesmo não sabendo nada de música comparado ao meu pai que toca há 40 anos, me senti tão desnorteada que procurava um motivo que explicasse como por caramba um conjunto de sons pôde me atingir assim.
A Estética visual do álbum já me prendia por si só, dando a ideia de unificação entre todas as músicas, contribuindo para o storytelling e para passar o foco que seria tratado, e de que maneira: letras furiosas, desenhos extremamente bem feitos com uma temática obscura e macabra, o símbolo da caveira participando de uma banda marcial, como se fosse a morte comemorando solenemente. As próprias roupas dos membros da banda, que remetem a músicos de bandas marciais, mas com uma abordagem mais escura e não normalmente associado a esse tipo de apresentação. Tudo isso torna o álbum mais imersivo e coerente, como toda escolha de estilo e arte conceitual.
Os vocais de Gerard Way com certeza também contribuem para mergulhar o ouvinte em profunda empatia e catarse, ao ouvir a forma mais justa que já vi a mortalidade ser representada- algo cruel, doloroso e inevitável. Gerard encarna seu personagem: um jovem, com toda a vida pela frente, que descobre que tem câncer, e assim, de uma hora pra outra, seu prazo de validade nessa existência fica muito menor. Enquanto canta sobre a tragédia que vamos presenciar, e berra para alguém salvá-lo, sua voz é tão expressiva que me lembra que eu tenho um prazo de validade, e que nada nessa vida nos é garantido. Nem o dia de amanhã, quanto mais sucesso acadêmico ou profissional, ou a felicidade.
O vocalista carrega esse poder por todo o álbum, e os instrumentos são tocados e se complementam com maestria, que me fez ser jogada bruscamente para um mundo em que eu posso deixar de existir daqui a pouco, mas tendo certeza que, como diz a letra de “Welcome to the Black Parade”, a minha memória irá seguir em frente. Eu lembro de pensar sobre o peso dessa obra, e como a partir dessas músicas e da história contada eu me senti munida de força, passando por raiva, tristeza, desespero, arrependimento, até enfim a aceitação absolutamente vitoriosa da morte. Jornada essa que o Paciente experiencia, mas eu como ouvinte e como ser humano, também.
Na música “Mama”, quando somos apresentados ao mundo de um soldado que vai à Primeira Guerra enquanto brigado com sua mãe, a estética da música nos situa no tempo e no espaço, na mente do eu-lírico e até nas cartas que escreve para a mãe. Em uma parte, que me arrepia, a melodia e a instrumentalização muda para uma bateria e guitarra muito mais agressivas em ritmo, e conseguimos ouvir sirenes de guerra e o som de bombas, enquanto o cantor berra com toda sua força, chamando por sua mãe e claramente aterrorizado. Só com o som e com a expressão, consigo notar que essa é uma batalha sangrenta que acaba de começar.
Depois, quando passamos por uma seção intermediária, escuto o que parece ser muitas vozes, quase um batalhão inteiro, em uma montagem sonora extremamente sombria e ensurdecedora de almas condenadas cantando em conjunto sobre como estamos todos fadados a morrer e voltar para as cinzas de onde viemos:
We’re damned after all
Through fortune and fame we fall
And if you can stay then I’ll show you the way
To return from the ashes you call
We all carry on
When our brothers in arms are gone
So raise your glass high for tomorrow we die
And return from the ashes you call
No final, vamos todos morrer, e esse álbum me ajuda a entrar em paz com isso, e seguir vivendo minha vida da melhor forma que eu posso, com determinação, apesar de tudo. Como Gerard canta seu coração pra fora na música “Famous Last Words”: I am not afraid to keep on living, I am not afraid to walk this world alone.
Ao ouvir pelo menos 90 porcento das músicas desse álbum eu sinto um poder tão grande em mim, quase algo sublime e intocável, que me faz sentir como uma guerreira pelo simples fato de eu estar viva, e aceitar que morrer não é uma derrota, mas sim uma condição de existência da vida, e a única coisa da qual temos certeza.
Essa, para mim, é a melhor mensagem que já passaram. Não é sobre lutar contra a tristeza, o luto, ou a derrota (grande ou pequena). É sobre aceitá-los, abraçá-los e torná-los parte de você, para seguir em frente e fazer com que amanhã seja um dia melhor, e para encontrar a paz. Essa é a mensagem desse álbum, e eu diria que essa é a alma da banda como um todo- enfrentar todos seus medos, emoções, fraquezas e fracassos de frente, deixar que eles te derrubem, para depois levantar de novo. Por mais estranho que pareça, isso é extremamente reconfortante para mim, e me dá força pra continuar.
É assim que me senti nessa jornada de músicas incríveis, emotivas e catárticas- algumas quase sarcasticamente mórbidas e outras fundamentalmente trágicas que My Chemical Romance criou. O álbum me faz berrar, lamentar, chorar, quase rolar no chão e me despedaçar por dentro, até enfim encontrar satisfação e paz interior. Essas músicas não têm medo de encarar nos olhos toda a brutalidade, crueldade, violência, tragédia e crueza da vida e de cada pessoa. Ainda escuto e amo cada uma das canções presentes, e sei que esse álbum marcou minha vida e minha noção da existência em si, que todos compartilhamos.