Transbordar

Por Bruna Furlan

Bruna Furlan
Iandé
3 min readMar 27, 2020

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Foto autoral — Nova York, Times Square, 2012

Não é todo dia que temos o prazer de assistir a uma grande produção teatral, com artistas dançando e cantando num vasto palco. Produtores, figurinistas, operadores de luz e maquiadores correndo no backstage para garantir que tudo esteja no lugar certo, na hora certa. A imensidão daquilo te impressiona, te tira o ar. A ansiedade causada pelo terceiro alerta antes da peça começar, ecoando pelo ambiente meio-iluminado, te controla.

Nova York, Museu Madame Tussauds, 2012

Desde que me lembro por gente sou fã de teatro musical. No meu aniversário de 11 anos, meus pais me levaram para Nova York. Essa experiência, por si só, já é muito impactante. Uma cidade (não-tão) grande, com pessoas correndo por todos os lados, arranha-céus do tamanho de montanhas, holofotes refletindo no céu. Tudo isso é capaz de tirar o fôlego de uma criança naquela idade. Porém, o impacto veio depois.

Na noite do meu aniversário, meus pais haviam comprado ingressos para assistir “O Rei Leão”, na Broadway. Apesar de ter aulas de inglês no Ensino Fundamental, eu estava longe de ser capaz de entender nova-iorquinos cantando e falando rapidamente num espetáculo de duas horas e meia. No final das contas, isso não foi necessário.

A peça começou com pessoas em fantasias de animais e maquiagens coloridas, entrando pelos corredores do teatro, cantando a famosa música de abertura “Circle of Life”. Eu sempre tive medo de pessoas com pinturas faciais, interpretando outro alguém e interagindo comigo. Mas naquele momento, quando uma mulher manuseando um leão de madeira e mimicando os movimentos corporais do mesmo, sorriu para mim eu senti uma lágrima descer pelo meu rosto.

As melodias tocadas pela orquestra e as vozes potentes do elenco dominavam meu corpo. Os tons quentes do cenário queimavam meus olhos. As expressões faciais e os movimentos de dança dos artistas tirava meu ar. Eu me senti sufocada, mas de um jeito bom.

Por um momento, eu achei que estivesse tendo um ataque de pânico. Meu corpo tremia, lágrimas inundavam meus olhos, eu não sentia o ar nos meus pulmões. Quando aquele momento de euforia se normalizou, eu percebi. No meu rosto, um sorriso havia se formado. Eu tinha sido sobrecarregada por beleza, por arte. Eu não estava em pânico, eu estava impactada.

Até então, eu não entendia quando adultos me diziam que estavam chorando de emoção. Naquele momento, eu aprendi. Todos os meus sentidos estavam a flor da pele. O cheiro do espaço lotado de pessoas. O toque de madeira do apoio de braço na minha mão, cujo eu agarrava com força. O gosto do hot-dog clássico das ruas de Nova York, que eu havia comido antes de ir. A música penetrando meus ouvidos. Meus olhos incapazes de deixar de notar cada detalhe naquele palco.

Eu estava emocionada. Aquele momento único despertou muito dentro de mim. Tanto, que eu não fui capaz de deixar eles dentro. Naquele momento, eu transbordei meus sentidos para fora de mim.

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