Uma carta para Leandro Asensio

Por Felipe Schneider Pontes

Felipe Pontes
Iandé
7 min readOct 30, 2023

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Le, Leandro ou Leandrão (o terceiro era o que você mais gostava). Ainda é muito difícil e muito estranho escrever isso para você. Faz praticamente 6 meses que você nos deixou e a ficha ainda não caiu direito. Ainda é difícil de acreditar que não vamos mais te ver, dar risadas das suas piadas e nos irritarmos com suas brincadeira que você fazia sem parar…

Quero começar essa carta relembrando nossa relação desde o princípio. Eu lembro do dia em que você entrou no Sagrado, no sexto ano do ensino fundamental, e sentou na carteira na minha frente. Era tudo muito novo para todos. Primeira vez tendo um professor para cada matéria e a sensação em todos nós de que estávamos deixando de sermos crianças e passando para o início de nossa adolescência. Nossa conexão foi imediata. Você, sem amigo nenhum, e eu, conhecendo a sala inteira. Demorou pouco mais de 10 minutos para começarmos a nos falar e criar ali, naquele momento, uma das amizades mais fortes que já tive. Em pouco tempo, você já era amigo de todos, um dos mais queridos da sala. Crescer com você nem sempre foi fácil e você sabe disso, sua personalidade, na mesma maneira que nos divertia, também nos irritava. Mas, sabíamos que você era assim, e esse era seu jeito de ser desde sempre. Você todo dia escolhia uma pessoa do nosso grupo para irritar e realmente a irritava, sempre sendo eu, o Léo, o Alê, o Brito, o Dani… Todos tinham seu dia, mas ao mesmo tempo em que você fazia isso, você era fundamental no nosso dia. E sempre que nos zoava, acabávamos o dia jogando uma partida de futebol e dando boas risadas comendo um Whopper no Burger King do shopping Bourbon. Nós crescemos, o tempo foi passando e fomos descobrindo as coisas juntos — muitas delas na cobertura da casa do seu pai, que era o famoso QG da nossa turma — ,a primeira festa, os primeiros beijos e os primeiros foras que tomávamos, as primeiras bebidas, cervejas e sofrimentos amorosos, o primeiro trago em um cigarro o primeiro PT depois de beber demais. Tudo que vivenciamos a primeira vez foi junto e desde lá fazíamos planos para o futuro, que infelizmente terei que realizar por nós sozinho.

Ainda é muito difícil e muito estranho relembrar do dia em que você nos deixou: uma ligação às 04h30 da manhã da sua irmã perguntando se eu poderia ir até a sua casa. Eu não tinha entendido o que ela queria e quando fui avisar meus pais que estava indo aí, a primeira reação que eles tiveram foi achar que era algum tipo de golpe, mas eu sabia e sentia que tinha algo de errado, você era praticamente meu vizinho e mesmo assim minha mãe fez questão de me levar de carro e esperar eu entrar na portaria para ter certeza que não era nada demais. Quando eu subi o elevador e abri a porta da sua casa e me deparei com sua mãe, seu padrasto, sua irmã, o Leo e o Yuri sentados no sofá, todos chorando — mas você não estava lá — , na hora que vi isso já entendi o que tinha acontecido. O Léo veio até mim, me deu um abraço e me disse as seguintes palavras: “Fe, não sabemos ao certo o que aconteceu, mas ontem o Leandro sofreu um acidente de carro em Avaré e faleceu, o pai dele já foi até o IML de lá reconhecer o corpo”. Nesse momento eu não sabia o que pensar, parecia que estava vivendo um pesadelo e ia acordar a qualquer momento e isso não podia ser real, ninguém ali conseguia imaginar como seria a vida sem você, você tinha a nossa idade, era parte do nosso grupo, era algo impossível e inimaginável de acontecer e foi naquele momento em que todos do nosso ciclo perceberam que somos jovens, mas não somos intocáveis e não é verdade nada vai acontecer conosco. Aconteceu. E perdemos um dos nossos membros mais importantes da nossa turma. Eram tantas perguntas e tantas dúvidas. O que você estava indo fazer em Avaré? Por que você não avisou nem a sua família e nem aos seus amigos que iria para lá? Por que você estava com um carro alugado? Para onde você estava indo? Eram tantas perguntas sem respostas e o mundo sem chão naquele momento. Eu fiquei até as 07h da manhã na sua casa com a sua família e com nossos dois amigos que estavam presentes. Depois disso, voltei para casa ainda sem chão e incrédulo com o que tinha acontecido. Começamos o processo de avisar nossos amigos mais próximos e além de todo o sofrimento que já tínhamos passado, ainda tínhamos que dar a notícia para nossos amigos. Confesso que isso foi uma das coisas mais difíceis que já fiz, ligando para todos do nosso grupo e contando que você já não estava mais entre nós. Passado algumas horas, já tinha avisado nossos amigos e a notícia já havia se espalhado, centenas de pessoas me mandando mensagens perguntando o que havia acontecido e a única coisa que eu conseguia fazer era ignorar todos os curiosos de plantão. Só falei com nossos amigos mais próximos. Avisei no trabalho que precisaria ficar o dia off e passei o resto do dia trancado no quarto no escuro, chorando e sem entender o que tinha acontecido. Seu velório era as 18h. Combinei de ir até lá com o Alê e com o Pedrinha, e a ida até lá foi simplesmente bizarra, um trânsito absurdo e os três em um completo silêncio, mas um silêncio ensurdecedor que já dizia de tudo.

Chegando ao seu velório, tenho imagens que não saem da minha cabeça. Todos os nossos amigos com roupas pretas, óculos escuros e o rosto inchado de tanto chorar, tinha mais de 100 pessoas em seu velório, seus amigos mais próximos, conhecidos e até pessoas que você não gostava como a sua primeira namorada Francesca. Quando vi ela lá eu até pensei que fosse possível você retornar à vida só para mandar ela embora de lá. Você estava em uma salinha à direita do saguão, num caixão marrom escuro, e sua mãe e avó ao seu lado, seu pai na frente e você no centro, completamente coberto por flores e só do queixo à sobrancelha à mostra. Nos seus pés, uma camisa do São Paulo — de fato sua maior paixão e motivo de 90% das discussões que tivemos sobre qual time era maior. Essa, sem dúvida alguma, foi uma das piores cenas que já vi em minha vida. Desabei, chorei e sofri vendo isso.

Ao sair do seu velório, eu, o Alê e o Pedrinha voltamos para Perdizes e fomos jantar em um restaurante chamado Chimichurri, bem pertinho de nossa casa. Estava um frio absurdo, estávamos do lado de fora tomando uma cerveja argentina e esperando uma mesa para comer em um restaurante argentino, confesso que nesse momento me senti praticamente em Buenos Aires, coincidentemente um dos lugares que tínhamos combinado de ir juntos no início do ano que vem. Entre um gole na cerveja e uma ida ao banheiro do restaurante para chorar escondido, passamos 3 horas lá comendo carne e conversando ainda incrédulos sobre o que havia acontecido.

No dia seguinte tínhamos seu enterro, dessa vez fui no carro com o Pepeto, o Giuliano e o Paschoal, que fez o papel de ir contando piadas o percurso inteiro para aliviar o clima de tristeza e o cansaço de uma noite sem dormir. Ainda sem acreditar no que tinha acontecido e tudo parecendo um pesadelo, chegamos ao cemitério e lá, tomado por nossos amigos e familiares seus, nos despedimos de você com uma missa, um último toque em suas mãos em seu corpo já sem vida e um último adeus olhando seu rosto. Nesse dia, vi uma das piores cenas da minha vida que foi seu pai, que era exatamente igual a você, seja em aparência ou em personalidade — vocês eram realmente iguais — carregar seu caixão até seu túmulo e te colocar lá dentro. Nesse momento, demos o último adeus a você.

Hoje, passados quase 6 meses daquela sexta feira, 16 de Junho, já tivemos respostas como, por exemplo, a aquaplanagem que seu carro sofreu e foi a responsável por te colocar debaixo daquele caminhão. E, por te conhecermos tão bem, já sabemos o que você estava indo fazer naquela estrada, mas a única coisa que nos resta é a saudade de você e as boas lembranças que tivemos juntos. Você está eternizado em nossas lembranças e em nossa pele, que todos do nosso grupo tatuaram o “L~” em sua homenagem, e hoje sabemos que você está aí em cima comandando a resenha da mesma forma que fazia aqui embaixo, quem sabe tomando um drink e jogando o blackjack que você tanto gostava, e sempre nos vigiando e protegendo.

Me despeço de você mais uma vez, meu grande amigo, sabendo que você ainda se encontra vivo em nossos pensamentos e lembranças, e que é apenas uma questão de tempo até nos encontrarmos ai em cima para darmos um grande abraço e para que eu possa te contar sobre todos os nossos sonhos e planos que fizemos juntos, e que eu realizei por nós aqui na terra. Sempre será por você, meu irmão. Cuide de nós daí, que sempre lembraremos de você daqui.

Com carinho e com saudades, seu amigo Felipe.

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