Uma madrugada arquitetônica

Marcelo Sandoval Gasch
Iandé
Published in
5 min readMay 4, 2020

Por mais cômico que pareça, em uma madrugada jogando Minecraft, tive uma das minhas maiores revelações estéticas que não só me reacendeu uma paixão perdida por um jogo que jogo a tanto tempo, mas também me levou a pesquisar sobre arquitetura e a me encantar com uma forma de arte que antes me passava quase despercebida.

Primeiramente, onde minha jornada começou foi em um servidor que tenho para jogar Minecraft, um jogo de sobrevivência com um grande foco em construção em blocos, com os meus amigos. Interessantemente, este servidor fora criado com o o objetivo de matar o nosso tédio durante a atual quarentena do COVID-19. Minecraft é um jogo que exige a dedicação de muito tempo para se construir algo, em seu modo de sobrevivência cada bloco que vai constituir a sua casa deve ser adquirido individualmente, assim se tornado o jogo perfeito para se passar as horas e mais horas sem poder sair de casa.

Nesse servidor, passei a maior parte do tempo sem construir, apenas me divertindo ao interagir com, e às vezes atrapalhar, os meus amigos. Eu joguei muito desse jogo antes e me sentia desanimado para fazer o mesmo que já fiz tantas vezes. No entanto, comecei a observar as construções de um amigo em específico e comecei a me apaixonar pelo jogo novamente.

Tendo conhecido o jogo em 2011, me lembro de ter assistido vídeos no YouTube e ficado fascinado pelo ambiente que eu estava vendo, não sei explicar direito a sensação, mas é como se cada vídeo diferente com novos mundos e novas estruturas eu me sentisse em um lugar novo e único, um mapa que meu primo me mostrou de uma base rodeada por uma muralha me fez obcecar em construir muralhas em todos mapas que eu jogava. Com o tempo, sem perceber, essa sensação se foi, nada mais me parecia único, eu vi o jogo tantas vezes que tudo me parecia uma disposição um pouco diferente de algo que eu já vi, as construções consideradas boas eram copiadas por todo mundo, eu comecei a construir casas ou o que fosse apenas seguindo tutoriais no YouTube.

Por algum motivo, o qual ainda não sei, quando eu entrei no servidor, depois de um bom tempo sem entrar, e vi o que tinha sido construído, mesmo que por um instante, eu senti aquela mesma sensação de tantos anos atrás. Isso me surpreendeu, comecei a procurar o porque e percebi que tudo aquilo foi feito naturalmente, de acordo com o relevo da região, usando os recursos que estavam mais acessíveis e expandindo gradualmente conforme o necessário.

Em contraposição, eu tinha o costume de basicamente copiar e colar o que eu via nos vídeos, a estrutura já começava a ser construída com todas suas dimensões e propósitos predeterminados e elas não seguiam relevo nenhum, eu costumava escolher o lugar mais plano possível. Por muito tempo, nada que eu fazia era original porque eu tinha medo de fazer algo ruim.

Ver as construções dos meus amigos me fez perceber que fazer algo seu, mesmo que fique feio, mesmo que não fique como você imaginou, tem um prazer intrínseco muito mais forte que a simples satisfação estética. Então, decidi começar meu projeto para construir minha própria casa.

Comecei decidindo que queria fazer algo com inspirações nórdicas, então comecei a procurar referências.

Minha primeira inspiração. Igreja de Borgund.
Um estilo mais próximo dos vikings de fantasias.

Decidi utilizar de referência o formato triangular e a estrutura de cada andar construído com o próprio telhado e diminuindo de tamanho da igreja de Borgund e, ao mesmo tempo, o estilo arquitetônico mais fantasioso dos povos nórdicos cujos telhados remetem a barcos revirados.

Então, tirei uma foto da paisagem que queria e desenhei por cima dela para ter uma noção de como eu queria que minha casa se integrasse.

Minha primeira ideia desenhada por cima de uma foto da paisagem.

E por fim, só me faltou construir. Tive diversos impasses, devidos à limitação que o jogo tem com a utilização de blocos, com os quais percebi que os anos de apenas copiar me ajudaram a pelo menos absorver algumas úteis técnicas de construção, e alguns planos foram mudados no meio do caminho. Mas isso só me fez mais satisfeito com o resultado final.

Resultado final (Eu não fiz a torre).

Quando terminei, minha emoção foi imensa, não apenas por finalmente conseguir acabar algo que demorara horas e mais horas de dedicação, mas também por finalmente fazer uma casa própria, completamente autoral, e ter realmente gostado dela. Eu tive por tanto tempo medo que eu nunca soube que tinha a capacidade de fazer algo assim.

Com o Sol da manhã ameaçando iluminar o céu, desliguei o meu computador, deitei em minha cama e me preparei para dormir. Só que uma coisa não queria sair da minha cabeça, eu não estava conseguindo dormir, perguntas começaram a surgir na minha cabeça, eu achei a igreja que usei de referência bem semelhante à arquitetura oriental para uma estrutura escandinava, comecei a me perguntar quais eram os fatores naturais que definiam um estilo arquitetônico e quais eram os culturais, além de como uma cultura influenciaria a arquitetura da outra. Por isso, ao invés de dormir, peguei o celular e comecei a pesquisar.

E foi assim, deitado na cama, privado de sono e vendo videos pelo celular enquanto meu quarto começava a ser iluminado pela manhã, que eu percebi que a chama reacendida naquela madrugada acabou também acendendo uma completamente nova.

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