São Paulo nem tão São Paulo assim

Maju Gonçalves
Iandé
Published in
4 min readMay 23, 2020
São Paulo — Higienópolis, 04/12/2018, 19:08 (acervo pessoal)

Eu nasci e cresci em uma cidade com menos de 120 mil habitantes, o que não é uma metrópole mas também não é um sítio, e aos 19 anos eu me mudei para São Paulo capital. Na verdade essa definição é só a minha opinião, ou seja, a opinião de quem cresceu nesse lugar nem metrópole nem sítio e que depois viu de fato o que é uma metrópole. Mas se questionarmos um paulistano oficial ele diria que a minha cidade não é nem um sítio nem uma fazenda sequer e sim um local quase pré histórico. São Paulo é realmente uma cidade grande, bem grande diga-se de passagem, mas maior que ela são seus habitantes, dotados da razão que a grande metrópole os oferece.

Quando me mudei pude entender melhor que São Paulo não era resumida só em assaltos e a Avenida Paulista, mas que também nesse lugar eu poderia pedir delivery de pão com mortadela às 3hr da manhã de uma terça-feira se quisesse, o que jamais seria possível na minha cidade de origem. Eu me acostumei super mal com as facilidades da cidade, é como se ela mimasse seus habitantes ao mesmo tempo que esmaga outros com a falta de facilidades. Se eu tivesse que definir essa cidade em uma palavra seria “dualidade”. São Paulo é a cidade do tudo e do nada, do velho e do novo, do amor e do ódio, da paz e da guerra, da felicidade e da tristeza, da extravagância e do banal. O equilíbrio só existe por conta dessa dualidade mas ao mesmo tempo o meio termo sempre permanece vazio, o que pode significar que esse equilíbrio seja apenas uma fachada para algo que vive na incerteza de arrebentar.

E o que dizer da movimentação da cidade? Eu me acostumei tanto com ver gente a todo momento nas ruas que quando volto para minha cidade não me sinto segura em lugares sem movimentação de carros e pessoas. Além da movimentação intensa da cidade literalmente, existe uma movimentação ainda maior que se passa dentro de seus habitantes. Mais do que em qualquer outra cidade, eu acredito que São Paulo seja aquela que mais testa todas as emoções que às vezes nem sabíamos que poderia existir. Mas não se enganem que isso é um ponto positivo, pois justamente por estarem nesse intenso movimento interno e externo as pessoas chegam a um congestionamento de suas emoções, que eu até poderia nomear como o efeito blasé mas acredito que nem o próprio Simmel acharia o suficiente para a definição. Não há como negar que em São Paulo existe movimento 24 horas por dia, a cidade nunca dorme, ao contrário da minha cidade que aliás não sei quando acorda. Apesar dos pesares eu não troco minha origem por nada. É realmente complicado conseguir ter uma posição crítica de algo que lhe foi imposto como normalidade. Os moradores da grande cidade são imersos em toda sua estética desde que nascem e também não demora muito para que quem se muda ou para aqueles que passam apenas um tempo por lá, sejam engolidos pela cidade e tudo que ela carrega, desde o congestionamento de carros até o das emoções.

Contudo, por motivos nada felizes São Paulo está experimentando, mesmo que relativamente, o que é ser nem Metrópole e nem sítio, já que com a quarentena por conta da pandemia do Covid-19 a cidade teve que diminuir muito seu ritmo obrigatoriamente, e com isso, tudo aquilo que a fazia especial, diferente, simplesmente deixou de ser útil, passou até a ser perigoso. A realidade do momento é a seguinte: a São Paulo de agora não pode usufruir de absolutamente nada que a difere de qualquer outra cidade (pelo menos não legalmente), seus museus, suas baladas, seus pontos turísticos, seu comércio, não são nada além de lembranças, além de reportagens que mostram o antes e depois da pandemia, não são nada além de uma porta fechada. Se São Paulo tem a fama que tem é pelo conjunto da obra e não por singularidades soltas. E assim, de repente, vi São Paulo se tornar o seu maior pesadelo, o da cidade em que as pessoas fazem apenas o caminho de ida e volta do trabalho e nada muito além disso. O que para mim sempre foi uma realidade é hoje sinônimo de depressão para os 12 milhões de habitantes que não acham mais espaço dentro de casa para guardar suas ansiedades. Foi preciso uma pandemia para mostrar ao país inteiro que a natureza é maior que a nossa ignorância, e infelizmente temo não ter sido o suficiente. Bastou uma “gripezinha” para que São Paulo não fossem tão São Paulo assim… São Paulo pode ser grande mas não é a única. O que restou da cidade que nunca dorme, além de suas ruas vazias, foi o silêncio. O silêncio do sono, o silêncio do movimento, o silêncio do protesto, o silêncio da morte.

O que é então a São Paulo agora? Seria ela ainda uma Metrópole mas desnutrida de sua essência? Será que agora ela é sítio e não tem mais a mãe razão para mimá-la? Ou será que seria ela apenas mais uma cidade dentre os 645 municípios do estado? Seja qual for a resposta, eu serei platéia desse resultado.

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