verão, uma estética
Nasci no meio de janeiro, num desses dias muito quentes de verão. E como qualquer outra estação, ela não dura o ano inteiro. Apesar disso, eu percebi que — embora a estação se vá — a sensação dela em mim permanece o ano todo. Não preciso de janeiro para ter o verão.
Uma vez, num dia de inverno, encontrei uma menina que tinha cara de verão. Seus cabelos eram longos e de um castanho escuro, usava um vestido colorido de algum tecido leve e tinha a pele tingida com lembranças de uma tarde de sol. Pensei que o nome dela pudesse ser Marina ou Julia ou Canopus.
Num outro dia saí em uma aventura com uma garota que também tinha cara de verão. Diferentemente da primeira, ela foi se mostrando veranil aos poucos. Foi na fala e na postura que percebi seus traços de sol. Cínica, desinibida e espirituosa, me fez imaginar que — se eu já não soubesse seu nome — se chamava Capella.
Nos últimos tempos fiz algumas viagens. Ruelas provincianas, estreitas feitas de paralelepípedo e ladeadas com sobrados fizeram meu verão. A tinta das paredes era de um amarelo velho, mas quando a luz do sol batia fraca eu me sentia em uma manhã ensolarada. Percorri esses caminhos em muitas cidades de nomes diferentes, mas se fosse tarefa minha nomeá-las chamaria todas de Antares.
Em um ano da minha vida, por alguns meses, andei de bicicleta quase todos os dias. Por prazer, eu passeava pelos caminhos desenhados sob as árvores e me banhava no calor da energia e na brisa da velocidade. Foram dias de verão para mim. Minha bicicleta não tem nome, mas se tivesse seria Achernar.
Em dias mais nublados escutei músicas que transformaram o cinza em um céu azul. Por alguns minutos, elas me trouxeram a sensação de serenidade e calmaria. Paz para mim é condição típica do verão. As músicas tinham seus nomes; na minha cabeça todas foram feitas por alguém chamado Sirius.
Canopus, Capella, Antares, Achernar e Sirius são nomes de estrelas, mas em meu mundo também nomeiam produtos de calor. O verão tem várias faces, porém devo dizer que em meus últimos devaneios o semblante era sempre de uma mulher; as ruelas, apertadas; os caminhos sob as árvores, mansos e as melodias, pacíficas.
Não foram dias de verão para quem só vive o verão de dezembro a março, mas foram dias de verão para mim, que vivo meus dias de acordo com os dias que vivo.