Você ainda vai me beijar essa noite?

Maria Beatriz Silva Barboza

Maria Beatriz Barboza
Iandé
3 min readApr 24, 2020

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Há uma música animada tocando; as batidas ecoam pelo salão e pelas paredes do meu ouvido. O ambiente está enevoado, tanto pela fumaça que vem da mesa do DJ quanto pelos cigarros dos convidados. O bar está lotado, todos querem uma chance de falar com o barmen para conseguirem suas bebidas.

Meu copo está meio vazio, mas a bebida está quente. Faço um esforço para ouvir as palavras da Larissa, minha amiga, sob as batidas da música. Ela para de falar e eu sorrio em concordância, torcendo para que ela não tenha me feito uma pergunta. Levanto o olhar e o vejo. Parece ter acabado de chegar, pois não lembro de tê-lo visto no começo da festa. Ele e o amigo passam por nós e minha amiga troca uma confidência: ela queria ficar com ele. Porém não sei quem "ele" seria. Procuro pelo meu amigo, Danilo, pois ele é meu FBI. As informações que ele me passa são poucas, mas o bastante. Seus nomes são Júlio e Bruno e, para minha sorte, Larissa queria ficar com o primeiro. Nem tudo estava perdido.

Danilo vai até os alvos para descobrir se existem segundas intenções da parte deles também. Existem! Porém algumas horas se passam, eu e Larissa quase criamos raízes e nenhum dos meninos chegou nem perto de vir falar com a gente. Tomada pela coragem (ou pelo álcool), vou até eles. Mais uma vez luto com a música e pergunto ao Júlio por que eles não tinham tomado a iniciativa até agora. Para ser sincera, não me lembro da resposta dele, mas aparentemente minha investida deu certo, pois, pouco depois, Larissa e Júlio se encontraram em algum lugar. Eu já não tive muita sorte, "mas tudo bem, dancei a noite inteira e me diverti" (tento me convencer de que não estou com o orgulho levemente ferido).

Estou exausta e o lugar parece girar levemente ao meu redor, encontro com Danilo e vamos procurar um lugar para sentar. Como um golpe do destino, o Bruno estava sentado no banco. Sento-me ao seu lado, no momento mais preocupada com meus pés latejantes do que com qualquer investida romântica. Não sei como, começamos a conversar; na verdade, ele deu início ao seu monólogo. Ele contou sobre sua vida inteira, eu fingi que escutei. A cena parecia cômica para quem via de longe: eu, quase caindo de bêbada e massageando meus pés; ele, meio bêbado e me achando com cara de psicóloga. Depois de um tempo ouvindo sua tragédia grega, inflada pelo resto de álcool que circulava no meu sangue, me inclinei até ele e perguntei: você ainda vai me beijar essa noite? Ele corou, sorriu e assentiu. Finalmente!

A noite passa, os números de telefone são trocados, a conversa flui, as risadas correm soltas, meus pés ainda latejam, mas já não ligo mais para eles. Passamos a festa juntos, bêbados e felizes por termos encontrado um estranho no meio da noite. Horas depois, um pouco mais sóbria e voltando para casa, olho para a tela do celular e vejo a mensagem "já está em casa?". Reviro os olhos… Que grude! Mostro a mensagem para meu amigo, que estava de carona comigo, e damos uma leve caçoada do menino emocionado. Mal sabia eu que me tornaria tão emocionada quanto.

No dia seguinte, uma outra mensagem dele, "o que está fazendo?", porém, dessa vez, eu sorri. No terceiro dia, marcamos de nos encontrar na academia — nunca imaginei que eu seria o tipo de pessoa que aceita ir malhar só para encontrar o menino que gosta. Depois de levantar ferro, fazer abdominal e suar até a última gota, decidimos andar pelo clube. Ficamos horas conversando. Eventualmente decido pegar o celular e vejo o Armageddon na tela: 50 mensagens e 20 ligações perdidas da minha mãe. Saio correndo desesperada, minha mãe está na porta do clube fazendo um escândalo. Bruno parece meio assustado do meu lado. "Ah pronto! Nunca mais vou ouvir falar do menino depois desse show da dona Roberta". Continuei ouvindo falar dele e continuamos conversando.

Uma semana depois de termos nos conhecido, ele me pediu em namoro. Fiquei tão em choque que fiquei esperando o Sérgio pular do meio da moita gritando "PEGADINHA DO MALLANDRO! IÉ IÉ!". Tivemos um início de namoro digno de uma comédia romântica adolescente: trocamos alianças, conhecemos os pais, tínhamos apelidos um pro outro, falávamos de nos casar, de quais histórias contaríamos para nossos filhos… Eu dizia que o amava, ele me respondia "ao infinito e além".

Fomos infinitos, até que chegamos ao fim.

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Maria Beatriz Barboza
Iandé

Cronista por diversão, poetisa por amor e jornalista por paixão.