Você não está sozinho.

Cecilia Young
Iandé
Published in
5 min readApr 24, 2020

Não acredito que seja errado, agora mais do que nunca, achar conforto na arte. Música, filmes, séries, pinturas… É o que se mostra de mais íntimo em um momento que nem abraçar os nossos familiares é aconselhado. É por isso que eu tenho procurado revisitar obras que um dia já serviram de grande consolo para mim. Como aqueles filmes dos anos oitenta que não têm como acabar mal, ou as séries que me acompanharam da infância até a adolescência. Já até passei horas pesquisando as mesmas pinturas do Monet que eu amava quando pequena.

Coisas que me proporcionam aconchego — um acolhimento momentâneo que me faz esquecer de toda essa maluquice ao meu redor. Mas, como eu disse, é um sentimento efêmero. Claro, eu me envolvo com os cem minutos de Dirty Dancing ao ver Baby e Johnny se apaixonando a partir da dança. E, sim, é quase impossível não se maravilhar por alguns instantes com as cores e a delicadeza de Women in the Garden, de Claude Monet. Mesmo assim, nenhum dos dois me abraçam e me falam que tudo vai ficar bem. Nenhum destrói essa solidão que eu, claramente, não sou a única sentindo nesse momento. Talvez eu esteja pedindo muito, talvez não. A única maneira de descobrir é continuar procurando.

Acabei voltando às músicas que eu gostava de escutar — religuei velhos iPods, baixei playlists que nem mais lembrava que existiam… E, uma vez que eu apertei o play, fui abraçada. Ao ouvir os primeiros acordes de piano, sabia que tinha encontrado a minha solução. Aquela confirmação que tudo vai ficar bem. E tudo isso em apenas uma música. Para você entender, eu vou retroceder um pouco com a história.

Minha história com essa música começou no início de 2013. Naquele tempo, você quase poderia me chamar de uma jornalista de entretenimento em treinamento — eu mantinha minha agenda atarefada com meu blog de trinta e dois mil seguidores sobre a série de televisão Glee. Sim, você leu isso corretamente. Aos doze anos, eu escrevia e editava notícias sobre aquela série musical sobre adolescentes desajustados no clube do coral do colégio. E tudo isso em inglês. Chocante, não é? Infelizmente, não vou me estender nisso pois só estou contando isso para situar o meu leitor.

Bom, com esse blog, eu fiz amizades em todo o mundo. Isso amenizava um pouco da dor que eu sentia com todo o bullying que sofria na escola — colegas colocando o pé na minha frente para eu tropeçar, mensagens odiosas na internet… Era muito para uma menina pré-adolescente aguentar sozinha. Porém, essa pequena atmosfera que eu criei, com pessoas que compartilhavam da mesma paixão, ajudava um pouco. Me fazia sentir minimamente menos solitária. Eu escutava relatos de pessoas que estavam passando por situações parecidas com a minha, que se identificavam com a série justamente pelo mesmo motivo que eu. Um deles se destacou e grudou comigo até hoje.

Era a história de uma menina, digamos que o nome dela era Bia. Ela, como eu, era grande fã da série e especialmente do ator Darren Criss, que interpretava o personagem Blaine. O que Bia me contou foi que uma música escrita por ele salvou sua vida. Me lembro direitinho de sua explicação: ela tinha a canção como o toque de seu celular e, um dia, quando Bia estava prestes a cometer suicídio, uma amiga ligou para o seu número e a ela ecoou pelo seu quarto.

Aquilo me chocou. Nunca havia escutado alguém falar tão abertamente sobre tirar sua própria vida, especialmente alguém que eu considerava uma amiga. Também não entendia como uma música tinha tanto poder. Como que uma melodia e alguns versos tinham prevenido uma tragédia dessas? A canção se chamava Not Alone, do EP Human do cantor Darren Criss, lançado em 2006.

Eu fui escutá-la sem muito saber o que esperar, e me apaixonei completamente pelo o que encontrei. Não é uma música esteticamente perfeita — é acompanhada por apenas um piano e a qualidade não é das melhores. Mas acredito que é isso que faz ela parecer tão pessoal. Parece quase que o vocalista está cantando diretamente para você. A letra é exatamente o que faz dessa obra tão especial.

Ele começa: I’ve been alone, surrounded by darkness, I’ve seen how heartless the world can be (Eu estive sozinho, cercado pela escuridão, eu já vi o quão sem coração o mundo pode ser). Durante o resto da canção ele suplica que você entenda que não está sozinho, mesmo que isso pareça impossível — ele entende isso. As letras não tentam esconder o sofrimento e a dor do ser humano, não tentam fazer com que o mundo pareça algo lindo e próspero. Ele não diz o que você quer escutar, e sim o que você precisa escutar: a vida é difícil, às vezes ela não faz sentido, mas você tem que fazer tudo para aguentá-la porque você não está sozinho. O amor que isso sustenta é maior que qualquer coisa.

A mensagem e a música são simples, porém servem como um conforto inimaginável para qualquer um que já se sentiu solitário e derrotado pela vida. Parece bobo, mas aquela canção me tocou e transformou de uma maneira que eu não esperava. Acho até difícil colocar em palavras, e talvez esteja completamente equivocada escrevendo muito mais sobre o sentimento do que descrevendo o que eu escutava. Porém, o estudo da estética é exatamente sobre o que determinada coisa evoca dentro do ser humano, não é?

O que essa canção fez para mim foi, de uma maneira despretensiosa e clara, assegurar que tudo ficaria bem. Essa mensagem se fixou na minha mente, e Not Alone acabou se tornando quase como um curativo para as minhas dores e angústias. Acho que isso significa muito mais do que qualquer outro som ou imagem esteticamente chocantes.

Foi por isso que, quando recentemente reencontrei essa música, me senti acolhida. Obviamente, eu mudei muito dos doze anos para os dezenove, porém Not Alone ainda consegue compartilhar o mesmo recado delicado e aconchegante que eu precisei em 2013 e que eu preciso agora, em 2020. O mundo está estranho e inconstante, mesmo assim, uma coisa é certa: o ser humano está se mantendo forte por causa da doação livre de amor e coletividade. Como na música: our love is all we need to make it through (nosso amor é tudo que precisamos para superar isso) — ninguém está sozinho.

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