Mercedes Stinco — coordenadora da publicação Compliance à Luz da Governança Corporativa

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6 min readApr 6, 2018

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Mercedes Stinco, coordenadora do GT que elaborou a publicação Compliance à Luz da Governança

Em tempos de revelações de escândalos em grandes corporações no país, o termo compliance ganha destaque no mundo dos negócios. Como ocorre com quase toda novidade que costuma acometer os meios corporativos, ainda não há clareza acerca de suas funcionalidades e definições.

A fim de contribuir para essa discussão, conversamos com Mercedes Stinco, coordenadora do grupo de trabalho de elaboração da publicação Compliance à Luz da Governança Corporativa, sobre alguns conceitos apresentados na obra, tais como, sistemas de compliance, abordagem holística e a importância do código de conduta.

Inscreva-se para a debate de lançamento da publicação, que será realizado no dia 27/04.

Confira a entrevista a seguir.

Por que lançar agora uma publicação sobre compliance?

Desde que compliance começou a se tornar uma pauta importante, com a publicação da Lei Anticorrupção, muitas publicações vieram ao mercado. Ainda assim, o IBGC viu a necessidade de contribuir para o amadurecimento do assunto e atender a um público-alvo do IBGC: os conselheiros de administração. A ideia deste documento é esclarecer e divulgar as melhores práticas de governança corporativa para a manutenção do sistema de compliance, ou conformidade, o que significa gerar valor de longo prazo e ajudar a preservar as reputações das organizações.

Ou seja, uma das novidades desse guia é o fato de ser dirigido aos conselheiros de administração?

Sim. Muitas obras, decretos e manuais foram publicados explicando o que é compliance, como criar um sistema de conformidade. No entanto, o objetivo do nosso trabalho foi informar e apresentar os conceitos para os conselheiros. Queríamos ajudá-los a entender como atingir um amadurecimento nessa relação entre compliance e governança. Por isso, a publicação também esclarece qual a relação, que não é de mão única, entre os conselheiros e os executivos que atuam na organização. Detalhamos essa questão no capítulo chamado “Papéis dos Agentes de Governança”, em que listamos as funções de todos os entes da governança, inclusive os sócios. Além disso, não queríamos oferecer mais um guia de como implementar um sistema de compliance. Então, organizamos um conteúdo que visa, prioritariamente, ajudar a construir uma cultura mais ética dentro das corporações.

A publicação dá ênfase à máxima de que o exemplo vem da liderança. Por que isso? E quem é essa liderança?

Para explicar quem é a liderança, precisamos explicar a essência desse guia. A primeira questão que discutimos no grupo de voluntários coautores dessa publicação, foi sobre qual seria a definição de compliancedentro de uma abordagem de governança. Concluímos que compliance não se trata exclusivamente de implementar regras ou trazer uma forma a ser seguida. Regras e formas são importantes, mas o mais importante é a cultura de cada organização. Em especial, como essa cultura se reflete nas ações de quem tem o poder de decidir (o conselho) e de quem tem o poder de executar (a diretoria). Mais do que tudo, compliance passa pelas deliberações éticas. Quando se toma uma decisão, é preciso perguntar: “eu estou deliberando e estou de acordo com a cultura organizacional da minha empresa?”. Deve ser pressuposto dessa cultura organizacional que ela não seja danosa às partes interessadas, isto é, todos aqueles que possam ser afetados pela organização — desde os mais óbvios, os acionistas, os sócios, os colaboradores, clientes, fornecedores, até a comunidade e a sociedade como um todo. Também é necessário ter consistência entre o que se fala e o que se faz. Não adianta impor algumas regras, que podem até ser corretas, mas que não estão alinhadas culturalmente à empresa. Essa consistência começa na direção.

A publicação traz um conceito de “sistema holístico” de compliance. O que isso quer dizer?

No capítulo 3, nós apresentamos uma “visão holística de compliance”. A estrutura que apresentamos tem, no seu topo, a identidade da organização, sustentada pela deliberação ética,com integridade e tendo os cuidados estabelecidos pelos princípios básicos da governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Agora, em algum momento, pessoas vão precisar tomar decisões e executar ações com base nesses princípios. Essas iniciativas precisam ser traduzidas em um sistema de conformidade, que sustenta se o que está sendo realizado, ou decidido, continua coerente e sem desvios. E a liderança precisa dar esse tom. O que chamamos de sistema de conformidade, ou sistema de compliance, é essa postura com a qual a organização trabalha a governança e demonstra como as coisas são feitas.

Qual a importância do código de conduta para o sistema de compliance?

O código de conduta é um dos documentos que mais expressa essa relação do que se espera de uma organização, de que as decisões estejam sendo tomadas de forma coerente. O que se aceita ou não, como agir em uma situação específica, etc. Os demais documentos e políticas internas a serem criadas devem garantir que a organização se alinhe a esse código de conduta.

É necessário que exista uma área dedicada ao compliance na empresa?

Na publicação, procuramos evitar o uso da expressão “área” para tratar da “função” de compliance. Primeiro, é necessário esclarecer ao mercado que não é porque a empresa não possui uma área de compliance que a organização não está em compliance, em conformidade. Não é preciso ter uma “área” para fazer essa “função”, que, para ser forte e efetiva, precisa estar decentralizada e ter ações desenvolvidas em várias áreas da companhia. Considerando o porte, a maturidade e os riscos a que está exposta a organização, há um estímulo para que seja destacado um profissional para coordenar todas as ações do sistema de compliance. Mas, no dia a dia, esse sistema será executado por outras pessoas em variados setores. Por exemplo, o diretor jurídico pode ser o responsável por acompanhar o compliance, mas haverá setores responsáveis por conformidade na área de contratação de fornecedores, na área de controle de qualidade de produtos etc. Por isso, defendemos que exista uma função de compliance, muito mais que uma área de compliance, e que ela tenha o papel de monitorar, dentro das várias transações da organização, se as operações estão dentro do esperado, não apenas da legislação, mas também das políticas internas da empresa.

Compliance trata apenas de prevenção de suborno e corrupção?

Não, de forma nenhuma. É claro que, no Brasil, esse termo veio à tona com a Lei Anticorrupção e em um momento em que o tema da corrupção ganhou muito destaque. Isso provocou um movimento importante de conscientização para um retorno ao cumprimento das regras. Mas o compliance é muito mais amplo que o combate ao suborno. Estamos falando de fraudes de todos os tipos, não cumprimento de regimentos internos, desvios em relação à legislação trabalhista e ambiental. O significado da palavra compliance é cumprir, o que é bem abrangente.

A senhora, como uma das pessoas que ajudou a elaborar o atual curso Governança e Compliance do IBGC, acredita que a procura por treinamentos deste tipo deve continuar crescendo ou já atingiu um pico?

Eu quero acreditar que sim. E acho que não sou a única. Outras pessoas que ajudaram na publicação também. Um sistema de compliance não se trata apenas de regras para prevenção. Quanto mais capacitação tivermos; quanto mais entendermos, debatermos e vivenciarmos; quanto mais organizações irem às últimas consequências, isto é, realizarem as punições; mais vamos amadurecer. Nós, brasileiros, ainda estamos incipientes, ainda que existam alguns setores mais avançados nesse ponto. Essa é uma mudança cultural. E, com essa transformação, os próprios cursos vão evoluindo. Neste primeiro momento, os treinamentos que já foram oferecidos pelo IBGC eram para esclarecer conceitos, mostrar o histórico, e os porquês. Uma carência do mercado que já está sendo suprida. Agora, podemos passar para uma segunda etapa. Por isso, eu acredito que ainda vamos ter muitos desafios pela frente para disseminar o compliance e a construção de ambientes culturalmente éticos. Não podemos esperar que isso aconteça com estruturas isoladas. Complianceé muito maior. É cultural, é o valor que a sociedade precisa dar para fazer o certo. E fazer o certo traz sucesso e perenidade aos negócios.

(Pedro Malavolta)

Publicado originalmente em 09/02/2017 no Instante IBGC, newsletter exclusiva para associados do instituto.

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