Análise: porquê o BIS está errado sobre criptomoedas

iconomics
iconomics

--

Na última semana a imprensa do mundo todo comentou sobre uma análise que o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) publicou sobre criptomoedas. Na visão do banco, a Bitcoin teria potencial para “quebrar” a internet, tamanha a necessidade de poder de processamento para manter a blockchain funcionando. O “banco dos bancos mundiais” também alertou que a energia necessária para mineração se tornaria rapidamente um problema ecológico global.

O capítulo de 24 páginas faz parte, na verdade, de um relatório maior, divulgado todos os anos pelo órgão, com 134 páginas. No relatório deste ano, além de criptomoedas, falou-se sobre os riscos de uma nova crise, políticas monetárias e interações desbancarizadas. Você pode ler o relatório completo aqui (em inglês) ou apenas o capítulo sobre criptomoedas aqui (também apenas em inglês).

O contexto do emissor da mensagem

Antes de entrarmos na análise do relatório é fundamental entendermos o contexto de quem o publicou. O BIS é considerado o banco dos bancos mundiais e reúne 65 países (Brasil, Estados Unidos e Banco Europeu entre eles). Seus membros são responsáveis por 95% do PIB mundial. A função do BIS é semelhante ao nosso velho conhecido FMI, mas com um postura menos pública. Além de uma associação, o mercado financeiro o vê como um “guardião do status quo”.

Dito isso, é fácil entender que sua opinião sobre uma nova tecnologia que pretende diminuir o poder das moedas nacionais e dos próprios bancos é um pouco enviesada. Ainda assim, o relatório comete erros grosseiros e, para dizer o mínimo, está desatualizado.

Análise do relatório do BIS

O relatório de 24 páginas está dividido em 3 partes: a história do dinheiro e os elementos que fazem dele um ativo útil; a falsa noção de confiança das criptomoedas; e as implicações políticas das criptomoedas.

A primeira parte serve apenas de cortina de fumaça para justificar o ataque às criptomoedas das próximas páginas. Na verdade, ainda que o relatório fale em criptomoedas, o entendimento é de que o BIS está falando apenas de Bitcoin. Para o banco, a essência de um “bom dinheiro” está na estabilidade que apenas pode ser entregue através de “sólidas instituições” e que a evolução do sistema financeiro não permitiu, nas últimas décadas, o surgimento de moedas paralelas que não fossem confiáveis e livres totalmente de fraudes.

A segunda parte do relatório se atém a esmiuçar o funcionamento da blockchain, comparando a tecnologia com uma planilha do Excel e mostrando, com gráficos, como o mecanismo de consenso pode ser frágil. Nesta mesma parte o BIS explica como a blockchain pode se tornar inviável se escalada no mesmo nível que um sistema bancário atual, fazendo com que a mineração só fosse possível através de supercomputadores que consumiriam energia suficiente para alimentar toda a Suíça e seriam responsáveis pela extinção de bebês focas (ok, essa última parte eu inventei).

Por fim, o relatório aponta que a tecnologia da blockchain tem um enorme potencial desde que seja regulada para evitar que moedas sejam criadas sem um agente autorizador. O relatório chega ao ponto de sugerir que a blockchain seja utilizada apenas em situações onde o papel do banco não é útil, como em transações entre organizações não lucrativas.

Os três erros do relatório

Os três pilares principais onde o relatório se baseia são problemas reais das criptomoedas: escalabilidade, volatilidade e problemas com transações. Segundo o BIS, três características mal resolvidas que acabariam com a confiabilidade da Bitcoin.

O problema da escalabilidade é real. O modelo original da blockchain não tem capacidade de escalar na mesma medida que uma rede bancária. Porém, o que o relatório ignora é que já existe tecnologia capaz de resolver esse problema, como a Lightning Network para a Bitcoin e o protocolo Casper do Ethereum. A ideia que se tem, a partir do relatório, é que a tecnologia da blockchain não evoluiu e que não há milhares de ótimos programadores trabalhando para resolver os principais problemas — muitos vindo de bancos.

Também não podemos ignorar que a volatilidade da moeda é um problema, mas que está sendo resolvido. Uma das soluções pode vir de moedas estáveis (como o Tether) e de contratos inteligentes mais próximos das políticas monetárias utilizadas pelos bancos. Por fim, o problema com transações não é, verdadeiramente, um problema. O relatório cita que transações podem ser gravadas em “blocos fantasmas” e não serem concluídas, o que geraria, novamente, perda de confiança. Ainda que tecnicamente correto, blocos fantasmas não são um problema na rede, se tornado um questão marginal em todo o sistema.

A conclusão do relatório é de que os bancos centrais ao redor do mundo devem acompanhar o desenvolvimento das criptomoedas mas que não devem trabalhar com elas, já que “vêm com vulnerabilidades financeiras substanciais, enquanto seus benefícios não são claros”. Todos devem permanecer “cautelosos à implementação”. A impressão durante a leitura é que o BIS esperaria que a Bitcoin estivesse perfeita, livre de problemas e totalmente escalável já no primeiro dia.

Para as criptomoedas, em especial a Bitcoin, o relatório é positivo. Demonstra que os principais bancos centrais ao redor do mundo não estão preocupados com uma competição que atrai cada vez mais usuários à medida que se desenvolve tecnicamente. Do contrário, poderíamos ter um forte movimento de regulação que atrasaria ou então realmente acabaria com as moedas digitais e relegaria a blockchain a atividades “não remuneradas”.

--

--

iconomics
iconomics

Blockchain e criptomoedas. Simples, direto e em português.