Um guia de introdução para as ICOs

Rafaell Silva
Iconos
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12 min readSep 12, 2017

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As Initial Coin Offerings (ICOs ou Ofertas Iniciais de Moedas) tem atraído muita atenção da mídia e do público em geral por terem se tornado uma eficiente forma de financiamento de projetos para Startups que usam tecnologias relacionadas a Blockchain.

Entretanto, devido à sua rápida ascensão e ao desconhecimento das pessoas sobre seu funcionamento, muita gente acaba se perdendo da hora de fazer um investimento.

Foi por isso que resolvi criar este artigo onde pretendo abordar as diferenças entre as ICOs e os meios tradicionais de financiamento, a nova economia que está se formando ao redor das ICOs, e também a forma pela qual pessoas comuns podem participar delas.

Para começar é necessário ter em mente que as empresas possuem 3 formas básicas de obter financiamento:

1. Tomar um empréstimo, o qual será pago com prazos e taxas de juros pré-estabelecidas

2. Fazer uma pré-venda de seus produtos ou serviços

3. Vender parte da participação societária permitindo que novas pessoas tenham direitos legais sobre a gestão e sobre o lucro da empresa

Entendido isso também é importante relembrar que no mercado tradicional já existem modalidades onde as empresas podem se financiar dessas 3 formas. Por exemplo: Através de um empréstimo bancário, se pode obter dinheiro em troca do pagamento de juros. Através de uma plataforma de crowdfunding, é possível realizar uma pré-venda de produtos ou serviços. E através de uma IPO é possível vender suas ações na bolsa de valores.

A novidade, no entanto, trazida pelas ICOs é que agora é possível unir de maneira descentralizada os benefícios dos 2 últimos modelos de financiamento, conforme vou demonstrar a seguir.

O Crowdfunding e os IPOs

Durante uma campanha de crowdfunding uma empresa busca obter capital oferecendo algum tipo de produto ou de benefício em troca de contribuições individuais.

Porém, nessas campanhas raramente é permitido aos investidores o acesso ao controle da empresa ou a algum tipo de lucro decorrente de suas atividades futuras.

Além disso o investidor fica impossibilitado de repassar sua cota de investimento a terceiros, devendo ele mesmo receber os produtos ou serviços que foram prometidos.

Já as Initial Public Offerings (IPOs ou Ofertas Iniciais de Ações) ocorrem quando uma empresa já consolidada decide disponibilizar suas ações na bolsa de valores.

Para isso é preciso que essa empresa passe por uma série de processos regulatórios, auditorias e também pelo acompanhamento de uma instituição financeira que irá avaliar seus ativos com o objetivo de chegar ao valor inicial das ações.

Uma vez observado este processo as ações são colocadas à disposição dos investidores na Bolsa de Valores, e seus adquirentes passam a ter uma representação no Conselho da empresa além do direito de receber parte de seus lucros na forma de dividendos.

Os Grandes diferenciais das ICOs

Uma das grandes inovações da captação de fundos pelas ICOs é que o processo é conduzido dentro de uma Blockchain, sendo que as transações feitas ficam gravadas em um registro descentralizado.

Dessa maneira ao invés de autoridades centralizadoras, como uma empresa de crowdfunding ou como um órgão regulador, o que garante a propriedade dos ativos é o reconhecimento público e mútuo entre todos os membros (ou ao menos a maior parte) daquela rede.

Um segundo motivo que torna as ICOs diferentes das demais modalidades é o fato de que elas são capazes de unir as características do financiamento coletivo com as características de uma oferta de ações.

Assim um título vendido em uma ICO (também chamado de token) pode conferir ao seu proprietário o direito a algum bem ou serviço, mas também pode dar o direito a participar nas decisões da empresa, obter dividendos, e ainda esse mesmo título pode ser revendido no mercado secundário sem autorização prévia da empresa.

A união dessas propriedades representa uma extraordinária oportunidade para a construção de uma economia descentralizada global, com capital abundante disponível para inovação a uma taxa justa.

Mas, infelizmente, essa união de propriedades também pode representar um sério risco de fraudes contra investidores, lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilícitas.

É por esse motivo que antes de entrar de cabeça no mundo das ICOs é necessário que o investidor estude e avalie bem qual o tipo de tokens está comprando, e quais serão seus usos e benefícios.

Uma nova economia baseada em tokens

  • O que são os tokens?

De uma forma bem básica, os tokens são nada mais nada menos do que informação. Essa informação é criptografada (por isso o nome de criptomoedas) e os registros de sua movimentação fica disponível através de uma blockchain.

A posse de um token confere ao seu detentor direitos específicos dentro daquela rede de usuários, podendo ser a reserva de um valor monetário, o direito a dividendos, o direito ao uso de um serviço ou ainda o direito a voto nas decisões de uma empresa.

  • Como os tokens são gerados?

A priori qualquer programador pode desenvolver um novo protocolo de comunicação de dados e criar uma nova blockchain. Dessa forma, essa nova blockchain pode ser usada para a criação de novas criptomoedas ou tokens. Entretanto o que temos visto nessa expansão das ICOs é o modelo de “top building ” tokens, que são aqueles criados através de uma tecnologia previamente existente, sem a necessidade da criação de uma nova blockchain do zero e mantendo, por tanto, as regras e limitações da tecnologia da qual faz uso.

Hoje as 2 blockchains que servem de base para a criação da maioria dos tokens comercializados nas ICOs são a Ethereum e a NEO.

No caso do Ethereum, por exemplo, é necessário que o programador aprenda uma linguagem de programação de alto nível chamada Solidity. Com ela é possível criar programas que serão executados em uma máquina virtual distribuída chamada Ethereum Virtual Machine (EVM).

Já no caso do NEO não é necessário o aprendizado de nenhuma linguagem específica uma vez que sua Universal Lightweight Virtual Machine (NeoVM) consegue compilar códigos em C#, VB.Net, Python, Ruby, entre outras linguagens.

A partir disso é possível que o programador crie e excute seu programa (também chamado de Smart Contract) que vai gerar os tokens.

  • Como os tokens são vendidos?

Nos Smart Contracts são programadas as características de um token, como a quantidade inicial, o nome, a possibilidade ou não de que sejam gerados novos tokens e o método para que isso ocorra. Além disso, também é o Smart Contract quem determina a forma de distribuição dos tokens durante a ICO.

Na maioria dos casos o que ocorre é que um Smart Contract cria uma certa quantidade de tokens e aguarda a chegada de uma data específica (ou de um bloco de mineração específico). Ao chegar nessa data o contrato é aberto e todas as carteiras que enviarem uma determinada criptomoeda para seu endereço irão receber de volta, como resposta, uma quantidade de tokens pré-definida. Findada a quantidade de tokens disponíveis o Smart Contract passa a recusar as transações, devolvendo às carteiras a mesma criptomoeda que foi enviada.

No quadro a baixo podemos ver uma carteira (sublinhada de azul) enviando a quantidade de 1 Ether (moeda da rede Ethereum) para um Smart Contract (sublinhado em vermelho).

O Smart Contract é ativado (sublinhado em verde) e gera uma quantidade proporcional de tokens (sublinhado de amarelo) de acordo com o que havia sido pré-determinado (neste caso foram gerados 3.158 tokens). E logo em seguida vemos que esses tokens foram imediatamente enviados para a mesma carteira.

Execução de um Smart Contract

É interessante notar que essa operação ocorre me pouquíssimos segundos, e que é possível consultar todas as transações feitas por um Smart Contract através de uma ferramenta de blockchain scanner (como a etherscan.io). Essa consulta é pública, porém ao realizá-la não é possível saber quem é o proprietário da carteira que participou da transação.

  • Onde ficam guardados os tokens comprados?

Uma outra coisa que os iniciantes precisam saber é que os tokens gerados podem ser armazenados nas mesmas carteiras que suportam a criptomoeda cuja blockchain foi usada em sua criação.

Isso quer dizer, por exemplo, que se um token que foi programado para rodar em cima da blockchain Ethereum ele também pode ser armazenado em qualquer carteira que suporte Ether. E o mais legal é que vários tokens podem coexistir dentro de uma mesma carteira, sem que as transações de um interfiram nas transações do outro.

No exemplo abaixo podemos ver uma mesma carteira com tokens Vibe, Aventus e Monetha.

Carteira com diversos tokens

Porém existem 2 pontos que os novatos precisam ter muita atenção:

O primeiro ponto é que a única garantia que se tem do direito aos tokens é exatamente o acesso a eles. Por tanto se seu computador for hackeado, se sua carteira for deletada ou mesmo se você se esquecer da senha, você perderá irrevogavelmente os tokens (assim como aconteceria como uma criptomoeda qualquer).

O segundo ponto é que a arquitetura específica de algumas carteiras pode impedir o correto envio da criptomoeda para o Smart Contract, o que impedirá a participação na ICO. Ou ainda, devido a arquiteturas específicas, algumas carteiras podem simplesmente não exibir os tokens. Neste último caso os tokens permanecem lá, apenas não podem ser visualizados, sendo necessária sua transferência para uma nova carteira.

É por esses 2 motivos que o mais recomendado é fazer a consulta da documentação da própria ICO para saber quais carteiras são as mais recomendadas para aquele evento em específico.

  • Quais os tipos de tokens que existem?

Como vimos antes os tokens podem ter várias propriedades, é por isso que em geral eles são divididos em algumas categorias de acordo com suas funcionalidades:

1. Tokens de aplicativos

Este tipo de token é projetado para ser usado dentro de um aplicativo ou plataforma específica, como se fossem créditos de uso.

Este tipo te token é o que há de mais próximo do formato de pré-vendas dos crowdfundings, uma vez que para fazer uso deles é preciso que primeiro um produto seja desenvolvido e entregue.

Porém eles se diferenciam do crowdfunding porque podem ser vendidos no mercado secundário, conforme já mencionado.

2. Tokens DAO

A sigla DAO quer dizer “Decentralized Autonomous Organization”, ou uma Organização Autônoma Descentralizada.

Isso significa que através da implementação de uma série de Smart Contracts a gestão de algum recurso dessa organização vai ser feita de maneira autônoma com o uso de algoritmos que não precisam da interferência humana. Essa gestão terá sua estrutura criada de forma decentralizada por vários agentes independentes, cujas ações se tornarão transparentes através de seu registro em uma blockchain.

Neste modelo de organização um token representa uma participação no sucesso do negócio. Como exemplo é possível citar as fintechs Bankera, Coinigy e Coindash que propõe que cada vez que um consumidor interagir com sua plataforma ele deve pagar uma taxa, e que parte dessa taxa deve ficar automaticamente retida pelo Smart Contract. Assim e a cada período de tempo o total obtido com as taxas será distribuído entre os detentores de tokens automaticamente.

Para colocar de uma maneira bem simples, é como se você tivesse ações do Mcdonalds e recebesse um pequeno percentual de lucro a cada hambúrguer vendido, porém, sem a necessidade de interferência humana, o que impossibilita fraudes contábeis.

Além disso os tokens DAO também podem ser vistos como pseudo-ações uma vez que algumas organizações como a District0X usam eles para permitir votações internas.

O processo é bem simples, transparente, seguro e justo. Todos os controladores de carteiras que possuem tokens podem fazer propostas dentro de regras pré-definidas. Na data estipulada é feita uma votação onde cada detentor de tokens envia um de seus tokens para o Smart Contract. O Smart Contract é ativado e pesquisa pela carteira que o ativou, sabendo quantos tokens ela possui e qual foi seu voto. Após isso o Smart Contract computa os votos proporcionalmente a quantidade de tokens naquela carteira e logo em seguida devolve aquele token que foi enviado como sinal de voto.

Sem sombra de dúvidas este é um processo bem mais simples e bem menos burocrático do que as sonolentas assembleias de acionistas minoritários, não é mesmo?!

3. Tokens mistos

É possível ainda criar tokens que façam a mistura das funcionalidades anteriores em qualquer proporção.

Entretanto é preciso notar que, em qualquer modelo de token, os investidores precisam acreditar fortemente que o produto será desenvolvido e obterá algum sucesso. Isso porque se a equipe abandonar o projeto ou mesmo se o produto desenvolvido ficar aquém do esperado, é provável que o token perca grande parte do seu valor, já que ele vai representar créditos para usar uma plataforma inútil/inexistente, ou ainda vai representar ações de uma empresa sem lucros.

Quem regulamenta as ICOs

Resposta simples: todas as legislações vigentes se aplicam a cada país.

Resposta complexa: ninguém de fato consegue regulamentar, pois é praticamente impossível alguma entidade centralizada fiscalizar as transações de uma organização descentralizada atuando em múltiplos países

Atualmente o que temos de legislação no Brasil, por exemplo, é a regulamentação da CVM para crowdfundings de investimento, que pode ser vista aqui.

Porém, note que apesar de ser um texto recente ele já está obsoleto pois não prevê o que deve acontecer com investimentos feitos por brasileiros em empresas de outros países, não prevê o que deve ser feito por investidores estrangeiros que se interessem em financiar empresas brasileiras com criptomoedas, e muito menos prevê o que acontece com as empresas distribuídas (que em tese não estão em lugar nenhum ou estão em todos os lugares ao mesmo tempo).

Essas novas possibilidades de investimentos se concretizam na medida em que para investir em uma ICO o investidor não precisa mover seus fundos através de bancos (onde em geral o governo fiscalizaria e cobraria impostos).

Logo podemos ter a situação de uma empresa aberta em um país com baixa ou nenhuma regulamentação, que tem seus serviços distribuídos na nuvem (sem estar fisicamente em lugar nenhum), recebendo criptomoedas de todas as partes do mundo.

Juntando a isso o fato de que as taxas de transação são baixíssimas e à impossibilidade de se associar diretamente um endereço de carteira à um indivíduo, então temos o resultado de que os investidores podem mover seus fundos de maneira ilimitada através do globo optando por declarar seus bens e impostos no país que melhor lhes convier.

Nos Estados Unidos a SEC (órgão equivalente à nossa CVM) determinou que as ICOs se enquadram na modalidade de títulos. Logo em seguida o Canadá seguiu o mesmo exemplo e também enquadrou as ICOs na categoria de títulos. E a China recentemente proibiu a realização de ICOs e a comercialização de tokens em seu território.

Eu pretendo abordar mais detalhadamente todas essas regulamentações em um artigo futuro, entretanto desde já posso adiantar que tais regulamentações são efetivas somente para impedir que uma empresa se instale em determinado país (afugentando negócios inovadores), não sendo efetivas para impedir que os investidores daquele país participem das ICOs — mesmo que para isso tenham que transgredir a regulamentação.

Ao participar de uma ICO os investidores também vão perceber que por conta dessas regulamentações muitos sites exibem pop-ups alertando que cidadãos de determinados países não podem participar. Mas são apenas isso mesmo: meros pop-ups de aviso, pois na prática é impossível controlar quais cidadãos de que países participaram.

O que é preciso saber para participar de uma ICO

Antes de participar de uma ICO a primeira regra é saber que não se deve investir nada além daquilo que se está disposto a perder, pois todo (literalmente todo) seu dinheiro pode desaparecer em uma fração de segundos, seja por um erro de envio, seja por uma fraude por parte da empresa realizadora.

Outra coisa importante é pesquisar sobre os ICOs avaliando quais são as melhores oportunidades, foi por isso que montamos um grupo brasileiro no Facebook e também é por isso que estamos criando esse blog onde pretendemos discorrer sobre o tema.

Além dessas 2 fontes, você também pode acessar sites que monitoram a abertura de ICOs como a Simith + Crown, o ICO Alert, o Token Market, o ICO Calendar e o ICO Countdown.

Adicionalmente existem sites e canais no You Tube que fazem avaliações das ICOs, é o caso do site e do canal Crush Crypto, do canal Hacking the System, e do canal Crypto Coins.

Você ainda pode monitorar a variação de preço dos seus tokens através da ferramenta do site Crypto Compare, no qual também é possível criar um portfólio de tokens (pretendo publicar o meu em breve para que os interessados possam ver as movimentações dos meus investimentos).

Por fim, para fazer uma boa pesquisa é recomendável que se avalie a viabilidade técnica e financeira dos projetos, o background dos empreendedores além é claro da idoneidade do processo de captação dos fundos.

Desta forma, fazendo uma avaliação criteriosa, é possível fazer das ICOs uma excelente opção de investimentos, diversificando seu portfólio e obtendo uma valorização à cima dos mercados tradicionais.

*créditos da imagem @StarLine

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