Anitta, BBB e lacração: uma micro-tour pelo marketing de causa

bruna provazi
Ideia Errada
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6 min readFeb 3, 2021

A segunda temporada de 2020 estreou sem vinheta de abertura, nem recap. Mas janeiro já mostrou que não estamos mais num eterno Dia da Marmota. Muito pelo contrário, 2021 vem sendo considerado o Ano Zero, para diversos especialistas. Num cenário de mortes, crise econômica e confinamento, estamos passando por um rearranjo mundial de normas, crenças e valores. Neste artigo, vamos falar de uma das tendências da vez, o marketing de causa, a partir de dois exemplos bem brasileiros.

A Rede Globo lançou, na semana passada, a edição nº 21 do ultra batido e debatido Big Brother Brasil, uma temporada extremamente peculiar, por conta do momento atual do universo, e que parece de fato zerar o jogo.

No segundo episódio do programa, durante uma roda de apresentação na casa, o rapper e participante Projota declarou que seu objetivo principal ali é “humanizar sua imagem”. E ele não está sozinho.

Se você acompanha o programa ou qualquer mídia social, já notou que o tema da vez é: cancelando o cancelamento. De comediante acusado de homofobia até youtuber escrachada por maltratar um gatinho, boa parte da galera entrou na casa pra tentar limpar sua barra. Outra parte se aventurou nessa para “humanizar”, ou seja, alavancar a carreira, e agora correm o risco de saírem tombados de vez.

Apelidada no Twitter de BBB Lacração, essa temporada é o retrato da disputa por uma medalha de honra bem mais valiosa, hoje em dia, que um milhão e meio de reais: a autoridade.

Não vamos nos aprofundar no reality aqui (fica pra outro post), mas o BBB 21 tem se mostrado um laboratório perfeito do Ano Zero.

Participantes que já entraram cancelados nas redes sociais.

Bem-vinde à Era da Empatia

Quando as pessoas se transformam em marcas, “humanizado” se torna um adjetivo cobiçado. E num mundo onde as desigualdades foram escancaradas, a vida simples se torna valor.

Por tudo isso, uma das principais transformações que vivenciamos agora é o chamado “despertar ativista”. Como mostra o estudo recente feito pela agência estadunidense TBWA:

Mostrar que você se importa é a última forma de autoexpressão. Da apropriação de hashtags a protestos inspirados na cultura pop, os jovens de hoje estão encontrando um propósito e pertencendo a comunidades dedicadas a criar mudanças. Marcas que amplificam sua voz e fornecem uma plataforma para seu POV (ponto de vista) ganharão seu apoio. Na era da empatia, ser um ativista é a última medalha de honra” (Backlash, EDGE 2021 — 40 Mudanças Culturais Mudando Nosso Mundo, tradução própria).

Não se trata apenas de métricas de vaidade, como curtidas ou seguidores, nem de passar uma imagem “politicamente correta”, mas sim de business. Como mostra a pesquisa “Marcas Sistêmicas”, desenvolvida pela White Rabbit e pela Unicef Brasil, o público deseja que as empresas sejam engajadas e responsáveis socialmente, e essa postura vai se reverter em lucro.

“Marcas que são percebidas pelas pessoas como geradores de impacto positivo cresceram em uma taxa duas vezes maior e aumentaram em 175% nos últimos 12 anos”, afirma Luciana Bazanella, co-fundadora da agência White Rabbit.

Em outras palavras: o engajamento é lucrativo.

Essa tendência não é nem um pouco nova, porém, se intensificou de vez com a pandemia.postei aqui sobre as razões por que Gabriela Pugliesi foi a primeira influenciadora jogada na fogueira brasileira do cancelamento.

A influenciadora fit Gabriela Pugliesi foi obrigada a suspender sua conta a perdeu diversos patrocínios.

Assim que o mito do “estamos todos no mesmo barco” começou a ruir, já era visível a mudança de comportamento de algumas celebridades. E quando falamos de tendência, não podemos deixar de falar de Anitta

A ativista tá on

Você sabe que a coisa tá tensa quando até a Anitta se posiciona. Seja você fã, hater ou totalmente indiferente à sua existência, é preciso admitir que, quando a patroa tá on, tem sempre uma nova tendência de marketing em off. Em 2020 não foi diferente, e Anitta surfou bonito nessa onda que começou como uma marolinha, mas que veio pra ficar.

Cancelada infinitas vezes e acusada de ficar sempre em cima do muro em questões sociais, a cantora foi quase forçada a endossar o coro do #EleNão, aos 45 do segundo tempo, em 2018. Mas, se por um lado, Anitta já mostrou que tem anticorpos suficientes contra o poder do cancelamento, por outro, ela sabe perfeitamente que o momento atual pede uma coisa: responsabilidade.

Desde o início da pandemia, Anitta soube responder, malandramente, ao momento atual, alternando suas lives diárias de treino funcional, de biquíni, com uma série de lives educativas, em parceria com a jornalista Gabriela Prioli.

Entre as pautas escolhidas, temas elementares de História, como o significado de democracia e a divisão dos três poderes. Se colocando no lugar de fala de seu público, Anitta aparecia como uma típica representante da galera do fundão: ora quase dormindo, ora dizendo não entender nada de política e fazendo perguntas básicas. Na mosca!

Entre endossar o coro antifascista e arriscar perder uma fatia ainda considerável de seus fãs, ela escolhe o caminho mais estratégico: “politizar sem tomar partido”, ou melhor, politizar seguindo a via do feminismo liberal de Gabriela Prioli.

Alcançando mais de 2 milhões de visualizações numa só live, ela conseguiu cancelar, de vez, o meme “silêncio de Anitta”.

Live de Anitta e Prioli no Instagram bateu mais de 2 milhões de visualizações.

E quando o assunto é humanização da marca, ela também nada de remada. Seu mais recente documentário, “Anitta: made in Honório”, lançado pela Netflix, faz uma tour por sua carreira, com um objetivo evidente: ressaltar o lado HUMANO e familiar da cantora periférica que já passou por altos e baixos até estourar.

O último episódio arremata a série com a cereja do bolo. Depois de uma apresentação icônica no Rock in Rio, “Larissa do bairro” retorna ao local título do filme, para devolver um show histórico à sua comunidade. Um verdadeiro resgate às origens, com ares de Arquivo Confidencial. E, novamente, uma aula de marketing.

É por conta de toda a sólida construção de sua estratégia de comunicação e de carreira que, hoje, Anitta tem autoridade suficiente pra esquiar sobre política no Twitter, concorde você com ela ou não - não importa.

Enfim, a hipocrisia?

Já que é pra cancelar…

Voltando ao BBB 21, uma coisa já é fato, essa temporada está mostrando que, entre o cursinho de ativismo e a realidade, existe uma cratera.

No Ano Zero, o público não somente espera que as empresas sejam responsáveis socialmente, como também está, cada vez mais, consciente de que não basta uma marca-pessoa surfar na hashtag de protesto do momento se suas ações não forem condizentes com seus posts.

Da mesma forma, pra zerar o jogo do cancelamento, os participantes vão precisar de uma postura individual consistente e coerente, nas próximas semanas, muito mais do que de media training e frases lacradoras à beira da piscina.

Bruna Provazi é jornalista pela UFJF e mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Atua com marketing digital e audiovisual.

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