Benzinho: quando cai a casa da família brasileira

bruna provazi
Ideia Errada
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4 min readAug 24, 2018
Foto: Bianca Aun.

Fernando (Konstantinos Sarris) é o primogênito dos quatro filhos de Irene (Karine Teles) e Klaus (Otávio Müller). Após se destacar como goleiro em um campeonato carioca de handebol, Fernando é convidado para jogar em Berlim. Mas esse não é um filme de esporte. Quem vai mergulhar em uma jornada pessoal de águas turbulentas em busca de redenção não é o goleiro, e sim nossa heroína de pés de barro Irene. Sobrecarregada com o trabalho precário e com o cuidado da família, a matriarca contemporânea vai ter que conciliar sua caótica rotina com a torrente de emoções despertadas pela partida de seu “Benzinho”.

É essa a premissa do aguardado longa que estreia neste final de semana nos cinemas. Pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar 2019, com passagem pelos festivais de Sundance e Roterdã e forte candidato ao Kikito em Gramado, “Benzinho” é literalmente um filme familiar, e marca a segunda parceria entre Gustavo Pizzi e Karine Teles depois de “Riscado” (2011).

Casados na época das gravações, Gustavo é diretor e co-roteirista do longa, e Karine é co-roteirista e protagonista. Seus filhos gêmeos Arthur e Francisco interpretam Rodrigo e Fabiano, os caçulas da trama. O talentoso Luan Teles, sobrinho na vida real de Karine, vive o preterido e desajeitado filho do meio, Rodrigo.

A gigante Adriana Esteves engrandece o elenco e quase não consegue evitar de roubar a cena, discretamente, no papel de Sônia, a irmã mais nova da protagonista, que sofre violência doméstica e recorre a ela em busca de socorro. Sem chamar tanta atenção, mas igualmente desenvolto está Otávio Müller no papel do anti-patriarca Klaus. Em breves aparições, também enobrecem a trama grandes nomes como Mateus Solano, Ariclenes Barroso e o ator uruguaio César Troncoso.

Entretanto, é Karine Teles quem brilha e dá alma ao filme na pele da matriarca Irene, se firmando como uma das melhores atrizes do cinema brasileiro.

Foto: Divulgação.

“Benzinho” pode ser considerado um filme Coming of Age. Mas se estamos habituados a ver esse tipo de narrativa centrada na passagem da adolescência para a vida adulta, quase sempre sob a ótica masculina, aqui temos o amadurecimento de uma mulher de meia idade que está tentando vencer, uma a uma, suas batalhas pessoais: concluir o Ensino Médio; conseguir um emprego formal; dar conta do trabalho doméstico; e cuidar dos quatro filhos e do marido. No meio desse temporal de problemas, a notícia da partida de Fernando não soa como uma oportunidade para a família, mas sim como uma verdadeira prova de fogo individual.

Foto: Bianca Aun.

Uma família à beira de um ataque de nervos

Assim como a casa em ruínas em que vive essa grande família, em “Benzinho” tudo parece estar à beira de desabar. A torneira que vaza, as fechaduras que emperram, as lâmpadas que param de funcionar, a viagem de Fernando que esbarra na burocracia e ineficiência do serviço público brasileiro, a papelaria de Klaus que parece ter como único futuro a falência, a liberdade de Sônia que é subjulgada por um relacionamento abusivo interminável, e, sobretudo, a própria vida de Irene, que é como a personificação de todo o caos.

O filme parte do microcosmus de uma família branca de classe média tipicamente brasileira para falar de temas universais, caros sobretudo às mulheres: o vazio existencial que surge com a partida dos filhos, a violência sexista, a desigualdade de classe — que perpassa o filme todo e é explicitada na relação de Irene, ex-empregada doméstica, com a antiga patroa -, a sobrecarga de trabalho feminina, e por aí vai…

Foto: Bianca Aun.

Ao contrário de filmes contemporâneos como “Como Nossos Pais”, em que a desigualdade de gênero permeia a questão central da trama, em “Benzinho” esta é apenas mais uma entre as muitas camadas de conflito. Um conflito, entretanto, que não dá mais pra jogar pra debaixo do tapete em 2018.

Mas se essa casa está em ruínas e prestes a desabar, paralelamente, uma nova residência vem sendo construída no terreno vizinho, no decorrer de toda a trama. Uma metáfora para além de rearranjos familiares, mas que carrega uma dosezinha de otimismo, acalentando o coração do público no ato final. A mensagem que fica parece ser: não tá tudo bem, mas tá tudo bem.

Sem precisar recorrer a didatismos para dar seu recado e, claro, para emocionar, “Benzinho” é um filme desses que dá vontade de levar a mãe pra assistir. O longa estreou nesta quinta nos cinemas, com distribuição da Vitrine Filmes. Então veja.

Bruna Provazi é jornalista pela UFJF, mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC, feminista e geminiana. Atua com marketing digital e audiovisual e é idealizadora do blog Ideia Errada.

Assista ao trailer.

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