O poder das histórias não contadas

bruna provazi
Ideia Errada
Published in
3 min readDec 27, 2018
Chimamanda Ngozi Adichie — No seu pescoço

Segundo o New York Times, “Saímos da leitura de ‘No seu pescoço’ inspirados por sua consciência e imprevisibilidade”. Imprevisibilidade. Talvez esse seja o traço mais forte da narrativa de Chimamanda Ngozi Adichie. E não por se tratar de uma obra de suspense, com grandes reviravoltas ou finais mirabolantes, mas sim porque sua força reside nas histórias não contadas das mulheres negras, nos relatos de uma África real, desestereotipada, onde mulheres e homens, jovens e idosos, de diferentes crenças e etnias, lutam por sua sobrevivência e por sua felicidade.

Da mesma autora de Hibisco Roxo, Americanah e Sejamos Todos Feministas, No seu pescoço foi lançado nos Estados Unidos em 2009 e chegou ao Brasil somente em 2017, pela Companhia das Letras. O livro reúne 12 contos carregados de cores, sotaques e mortes irremediáveis.

Transitando nos dois mundos existentes entre as fronteiras de Lagos (Nigéria) e Princeton (Estados Unidos), Chimamanda cria um hall de personagens vivos que exprimem as diferenças culturais, o racismo e o preconceito intrínseco aos cidadãos do “Primeiro Mundo” e as estratégias de sobrevivência diárias dos repatriados.

Nigerianos enfrentando a vida acadêmica estadunidense sem glórias, invejados pelos parentes distantes por estarem vivos e por terem ganhado na loteria do visto americano, mas sentindo na pele todos os ônus de não pertencerem mais a lugar nenhum.

São muitas as mãos invisíveis que sobem ao pescoço de seus protagonistas à noite. Sejam as mãos do estado autoritário e imperialista, sejam as mãos dos homens que, sem qualquer constrangimento social, sufocam “suas” mulheres e desacreditam de seus relatos de estupro, sejam as mãos que riem enquanto bebem champagne servido por outras mãos.

Mas entre fuzis e vendedores de laranjas surgem encontros fortuitos. Entre caixas empoeiradas nasce a sororidade entre uma muçulmana haussa e uma nigeriana igbo cristã, refugiadas num depósito abandonado, enquanto nas ruas muçulmanos e cristãos se matam a machadadas. Em meio a um tremor de terra no campus de Princeton floresce uma amizade profunda entre dois vizinhos nigerianos que jamais tinham se cruzado. Durante um concurso literário, improváveis hóspedes de um hotel de luxo desenvolvem cumplicidade em meio a uma competição feroz.

No seu pescoço é, sobretudo, um livro sobre personagens que se cruzam e se fortalecem, que suprimem suas diferenças por determinado espaço-tempo para que possam salvar-se uns aos outros e, em seguida, retornarem a viver suas vidas ordinárias. Muito além de uma narrativa sobre tragédias, superações e aprendizados heróicos, é uma narrativa não-dita sobre laços de afeto cotidianos e invisíveis. E é esse o grande convite que Chimamanda nos faz neste livro. Um convite à empatia secreta em meio ao caos cotidiano.

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