Pugliesi: dá pra cancelar o cancelamento?

bruna provazi
Ideia Errada
Published in
8 min readJul 27, 2020

Uma das principais influenciadoras fitness brasileiras, Gabriela Pugliesi protagonizou o primeiro episódio de cancelamento da pandemia. Em abril, após já ter contraído covid-19 e se recuperado, a blogueira não apenas furou a quarentena dando uma festinha particular, como publicou Stories comprometedores em seu perfil. A internet não perdoou. Pugliesi recebeu uma enxurrada de críticas de anônimos e famosos e foi cancelada com carimbo da OMS.

Feita a merda, qual foi a tentativa de gestão a crise #01?

Usando seus poderes de mulher branca privilegiada, a influenciadora buscou se fragilizar. Seguindo à risca o manual de gestão de crise de imagem, Pugliesi agiu rapidamente. No dia seguinte à festa, publicou um vídeo em seu IGTV em que tentava se redimir com seus seguimores assumindo o erro. Dizia estar muito ARREPENDIDA, ter sido IMATURA, RIDÍCULA. “Chamei uns amigos pra virem aqui em casa, a gente bebeu, eu estava bêbada e feliz e postei. Mas vocês têm razão, eu fui imatura, estamos numa pandemia. Me desculpem”. Esse era mais ou menos o tom do pedido de desculpas publicado à jato.

Como uma influencer que vive da exposição de sua vida “real” no Instagram, ela não poderia reagir de outra forma naquele momento senão se expondo novamente em busca da empatia de seus seguimores. Mas eles “não estavam preparados pra isso”. O público que a tinha como coach, como um exemplo de beleza, saúde e bem estar a serem seguidos passou a não acreditar no que ela pregava, pois o que ela pregava tinha se revelado contraditório com o que fazia.

A cultura do cancelamento não perdoou. O pedido de desculpas flopou e Pugli perdeu cerca de 150 mil seguidores em poucas horas, não restando outra solução para gerir esse forninho digital do que suspender sua conta no Instagram, assim ao menos as pessoas não conseguiriam dar unfollow mais.

Ela não perdeu apenas fãs, mas patrocinadores. Seu prejuízo foi estimado em cerca de 3 milhões de reais em contratos publicitários, segundo levantamento realizado pela agência BRUNCH, a pedido da revista Forbes. A influenciadora perdeu mais de cinco contratos com marcas como Grupo Hope, Mais Pura, Desinchá, Liv Up e Fazendo Futuro.

Mas quais foram os erros de Pugliesi, de fato?

  1. Timing
    Em abril, ninguém achava que a pandemia duraria tanto tempo. Influenciadores good vibes pregavam uma “visão unicórnio da pandemia”, como se o mundo todo tivesse a opção de ficar em casa mergulhado em uma jornada mística de autoconhecimento. Sobretudo, em abril, para grande parte de seu público, não furar a quarentena era realmente uma opção e parecia ser um dever cívico a ser exercido em prol da saúde coletiva. Será que a repercussão seria a mesma agora, em julho?
    (Vamos descobrir logo abaixo.)
  2. “Foda-se a vida”
    Miga, não tem como te defender, né? No tal Stories, Pugli aparecia cercada de gente, gritando essa frase pra câmera frontal do celular. Em um momento em que o mundo atravessa a maior crise de saúde do século, o mínimo que essa expressão traduz é um profundo egoísmo #semfiltro de quem construiu uma carreira baseada numa imagem de boa moça. Será que se ela tivesse gritado “eu amo a vida” ou “foda-se a cloroquina” a reação seria a mesma?
  3. A anti-coach
    Pelo menos duas regras de ouro do coach foram quebradas: “aplicar o coaching com ética, integridade e honestidade” e “zelar pela credibilidade do coaching”. Gabriela se tornou o antiexemplo do comportamento que pregava para seu público.
  4. Se beber, não poste
    Mas o real erro de Pugliesi aos olhos da rede talvez não tenha nem sido furar a quarentena, e sim ter postado. Será que nenhuma outra famosidade quebrou o isolamento nesse meio tempo? O tribunal da internet teria cancelado a influencer se não houvessem provas incriminatórias produzidas e publicadas por ela mesma?

Depois desse episódio marcante em sua carreira, Gabriela passou três longos meses totalmente afastada das redes sociais — ou quase totalmente… Segundo colunas de notícia/fofoca, ela teria usado o perfil de seu cachorro pra comentar no Instagram (vício, né, minha filha?). Por sinal, esse “projetinho paralelo” atende pelo arroba budapeste.oficial e já soma mais de 100 mil seguidores…

Fonte: UOL.

Em depoimento concedido na época ao fofoqueiro Leo Dias, da UOL, ela relatou que desativou a rede social para: “dar um tempo de tudo. Aprender com tudo isso, nada mais! Eu to muito mal e vou usar tudo isso para aprender, refletir, evoluir como pessoa e valorizar.

Dito e feito. Após meses de silêncio virtual, a influenciadora retornou ao seu Instagram nesta semana com um novo pedido de desculpas de 13 minutos no IGTV. Mas será que colou?

Do Purgatório aos céus:
o retorno de Pugli e a tentativa de gestão de crise #02

Quando o mundo descobriu que a pandemia não ia passar tão cedo, quando a poeira da festinha tinha abaixado, sobretudo, quando grande parte das pessoas provavelmente já tinha precisado furar a quarentena em algum momento, e quando a internet finalmente poderia estar interessada em saber: “cadê a Pugliesi?”, eis que ela ressurgiu no Instagram.

Pugli não deu exclusiva pra TV, não anunciou o retorno nos portais de fofoca, tampouco enviou comunicado oficial à imprensa. Usando mais uma vez de uma estratégia acertada de comunicação, ela respondeu à crise no mesmo canal em que a crise apareceu: no Instagram - por mais que o estrago já tivesse se alastrado pra todas as esferas de sua vida.

Até o momento em que este texto foi publicado, o vídeo já contabilizava cerca de 3 milhões de visualizações e 53 mil comentários em apenas 6 dias. Ela está de volta, bitches! Igual, porém diferente…

Três meses depois, a Pugli fitness-good-vibes dá lugar à Pugli jovem-branca-mística-cristã-good-vibes, como uma menina regressa de um retiro espiritual ou um intercâmbio na Austrália. Vestindo uma camiseta branca com a expressão “AMOR LIVRE” e sustentando um largo sorriso angelical, sem (muita) maquiagem, ela relata o duro período que passou exilada fora das redes sociais. Após um castigo doloroso ardendo no fogo purgatorial, a pecadora volta purificada e redimida.

Fonte: Instagram.

“Obrigada, corona vírus”

Recém-chegada de seu Purgatório offline, Gabriela narra seu encontro com Deus enquanto segue o manual de boas práticas para contornar a crise: reconhece o erro, pede desculpas e procura falar da maneira mais honesta e transparente possível. Se diz mudada, arrependida (novamente) e renovada. Afirma que só prejudicou a ela mesma com sua atitude de promover a tal festinha, agradece ao público pela oportunidade de finalmente ter enxergado o quanto vivia presa a valores fúteis e… — atenção para a cereja do bolo — finaliza com um: “Obrigada, corona vírus”.

Quê? Isso mesmo. Enquanto o país ultrapassa os 85 mil mortos e o Governo Federal empilha os corpos embaixo do tapete verde e amarelo, a jovem-branca-mística-cristã-good-vibes agradece ao corona vírus por sua jornada de autodescobrimento (unicórnio da pandemia feelings). Ainda que sua fala seja doce, suave e tenha aroma de essências e cristais de banho, Gabriela acaba reiterarando o discurso de minimização do vírus, como se a festa tivesse sido “só uma aglomeraçãozinha” e, sobretudo, desconsiderando totalmente seu papel de influenciadora digital.

Mas o que aconteceu no mercado de influenciadores nesse meio tempo?

Mandalas à parte, para avaliar se a estratégia da blogueira surte efeito ou não, é preciso entender que o mundo mudou… O marketing de influência parece ter dado lugar ao “marketing de coerência” durante a pandemia. Até Anitta já tinha percebido que a vibe agora é “menos Pugliesi, mais Prioli”. Segundo matéria publicada em 13 de julho no portal da Revista Exame:

“O combate ao coronavírus trouxe a necessidade de informar a população e estimular a quarentena para aqueles que pudessem ficar em casa, além de abordar uma série de outros temas, de questões financeiras a saúde mental. Esta noção de responsabilidade acelerou uma transformação que já estava em curso no mercado do marketing de influência. Cada vez mais, empresas desejam associar suas imagens a influenciadores capazes de criar conteúdo relevante, ligados a uma causa, e não simplesmente vender produtos. (Fonte: Exame.)

Neste contexto de crise mundial, os consumidores tiveram seu poder de compra reduzido e passaram a valorizar mais a transparência e o engajamento em causas sociais. Conforme relata a fundadora da agência Brunch, Ana Paula Passarelli, à Exame:

“Influenciadores que focam em vender produtos tiveram demanda reduzida na pandemia. Aqueles que são mais de causa, que têm senso crítico e emitem opinião ganharam espaço e visibilidade que não tinham antes.”

Os influenciadores fitness e good vibes vão perder sua relevância da noite pro dia? Não se trata disso, mas sim de enxergar que existe um mundo em transformação, em sua grande parte mais empobrecido e com a saúde mental aos frangalhos, no qual o próprio estilo de vida de #ostentação passa a ser visto como #gatilho. Afinal, qual o sentido de instagramar viagens, passeios, restaurantes e roupas caras em um momento em que seus seguimores empilham boletos?

Enfim: o cancelamento foi cancelado ou não?

O vídeo de retorno da influenciadora gerou milhares de curtidas e uma quantidade significativa de comentários positivos, com mensagens de apoio e felicitações pelo seu retorno ao Insta. Também não houve nova perda em massa de seguidores até o momento. Mais uma vez, fruto de timing e uma estratégia de comunicação bem construída.

Por outro lado, as críticas negativas atingiram a verve da questão:

Gabriela Pugliesi respondeu da maneira correta, seguindo à risca o manual de uma boa gestão de crise. O problema não foi a falta de transparência ou de agilidade na comunicação, o problema é justamente Pugliesi sendo ela mesma, com uma prática que já se mostrou incompatível com os princípios e valores que defende, sobretudo, neste momento de tantas trasnformações…

Se sua carreira como influenciadora vai se sustentar depois disso, depende de uma mudança real de posicionamento da marca-pessoa. Mas ela mesma já anunciou que aproveitou seu período no Purgatório para se tornar investidora da bolsa de valores… Então talvez nem ela mesma esteja tão “nessa vibe” de influencer coerente mais…

Bruna Provazi é jornalista, mestra em Ciências Humanas e Sociais, feminista e geminiana. Atua com marketing digital e audiovisual.

--

--