A tecnologia na Biblioteca Pública… O pensamento “fora da caixa”

Tiago Leite
Ideias de Biblio
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6 min readMay 11, 2018
Pensar fora da caixa…

A biblioteca pública é, na minha concepção, um ambiente de cultura, um espaço de integração, criação, desenvolvimento e local de memória do lugar em que está inserida, ou seja, de grande importância para o desenvolvimento e formação de identidade cultural da região.

Eu passei por três experiências profissionais em bibliotecas públicas, duas como estagiário e uma, a mais longa, como bibliotecário. Em todas a “única” tecnologia utilizada pelas bibliotecas era o software de automação de bibliotecas (além da Internet), sem nenhuma indicação ou probabilidade explícita do uso de outra tecnologia que agregasse valor a experiência do usuário. Logo me vejo pensando, será que é possível este tipo de biblioteca se apropriar de outras tecnologias?

Antes de dar minha opinião sobre essa pergunta, é legal falar sobre dados das bibliotecas públicas no Brasil. Segundo informações do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), existem, cadastradas, 6102 bibliotecas públicas municipais, distritais, estaduais e federais, nos 26 estados e no Distrito Federal, sendo:

· 503 na Região Norte

· 1.847 na Região Nordeste

· 501 na Região Centro-Oeste

· 1958 na Região Sudeste

· 1293 na Região Sul

Fonte: SNBP

Segundo o IBGE, o Brasil conta com 5.570 municípios, número inferior ao de bibliotecas públicas no país. Será que todas usam pelo menos uma tecnologia como software de automação de bibliotecas?

Para responder essa pergunta posso fazer um recorte considerando um artigo publicado na Revista Memória & Informação, da Fundação Casa de Rui Barbosa, nele consta uma informação que pode ser pertinente.

Os autores pesquisaram, entre outras instituições de memória, a disponibilidade de informações e acesso ao acervo na web de bibliotecas públicas municipais das 26 capitais dos estados brasileiros, mais o DF. Foi verificado que das 26 bibliotecas municipais pesquisadas, apenas 9 ofereciam informações sobre o catálogo e acesso ao acervo. (RIBEIRO et al, 2017).

Talvez isso sirva para ilustrar que muitas bibliotecas pelo Brasil sequer utilizam serviços web ou catálogo informatizado (disponível online), algumas utilizam blogs para divulgar suas atividades, por exemplo, mas sem disponibilizar acesso ao catálogo. Como fui um dos autores da pesquisa citada, acabei indo um pouco além e pesquisando outras bibliotecas públicas municipais (fora das capitais), vi que várias não eram nem localizadas na internet, mas estavam cadastradas no SNBP.

Tudo isso é para tentar responder à pergunta feita no início… bem… eu acho que sim, é possível que as bibliotecas públicas se apropriem de diversas tecnologias em prol de seu usuário ou de sua comunidade. Se respondesse “não”, serial totalmente contraditório, pois na minha dissertação proponho a apropriação da tecnologia de repositório pela Biblioteca Parque da Rocinha. Muitos vão pensar que é maluquice, que esse não é o principal objetivo de uma biblioteca pública, ou que os repositórios são tecnologias voltadas para o “universo” científico, mas tem uma frase que não esqueço de uma das professoras da minha banca na qualificação:

Vamos pensar fora da caixa”…

Pensar fora da caixa é ideal na realidade em que vivemos, mas não sou tão maluco a ponto de não perceber que para inovar, as bibliotecas públicas precisam de investimento, precisam ser valorizadas, entre outras coisas tão importantes quanto. Vejam só, eu propus o uso de uma tecnologia diferente para um biblioteca que fechou suas portas no meio da “minha construção”. Mas o pensamento que ficou é que aquilo que produzi poderia ser utilizado de alguma forma por outras bibliotecas, nem que seja para começar a pensar fora da caixa.

No Brasil temos exemplos de bibliotecas públicas que já nasceram digitais, mas podem servir de exemplos para outras bibliotecas que desejam e tenham condições de se apropriarem de outras tecnologias ou de pensarem fora da caixa.

Biblioteca Virtual Consuelo Pondé — é parte do Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia da Fundação Pedro Calmon. É uma biblioteca temática, especializada na História da Bahia. O objetivo principal da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé é tornar acessível o conjunto de obras sobre a História da Bahia, ou obras que são fonte para a História, inovando ao se posicionar como uma biblioteca multimídia, hipertextual e interativa, bem como preservando e promovendo o acesso universal a fontes historiográficas referentes à nossa história.

Biblioteca Virtual do Natal (BVN) — é um projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Planejamento e parceiros com objetivo democratizar o acesso ao conhecimento produzido sobre Natal e Região Metropolitana. Ela faz parte do elenco de iniciativas que a Prefeitura Municipal do Natal desenvolve no sentido de construir uma política municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação e de popularizar a ciência. As instituições parceiras são Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), Faculdade de Natal (FAL) e Faculdade de Excelência Educacional do Rio Grande do Norte (FATERN).

Fora do país também temos inciativas de bibliotecas públicas (que nasceram ou não digitais) se apropriando de novas tecnologias em prol de sua comunidade:

A Biblioteca do Território Norte, na Austrália, dissemina suas coleções digitalizadas por meio de seu repositório Territory Stories;

A Rede de Bibliotecas Municipais de Bilbao, na Espanha, disponibiliza o seu repositório digital Bilboko Liburutegi Digitala (BLD). O BLD organiza, preserva e dissemina o conteúdo digital pertencente às bibliotecas públicas municipais de Bilbao e os produzidos por ela;

A Biblioteca Pública de Vieira, na Grécia, com repositório digital Medusa que dispõe de livros, jornais, revistas, cartões postais, vídeos, manuscritos, estátuas e mapas. Promove o patrimônio cultural e fortalece a identidade local.

Biblioteca Estadual da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, que usa o DSpace e dissemina suas coleções digitais. É originária do Projeto Tombstone da Carolina do Sul, que conta com a colaboração da biblioteca estadual e outras bibliotecas públicas da região. (PINTO; RIBEIRO, 2017)

A IFLA (1994) diz que A biblioteca pública tem como função ofertar o acesso à leitura, cultura e acesso local ao conhecimento, fornecendo condições para a aprendizagem contínua E desenvolvimento cultural da sociedade.

Hoje vivemos numa sociedade tecnológica, parece clichê, mas é fato, principalmente se começarmos a pensar em conceitos como de “internet das coisas”! Então por que não pensarmos em bibliotecas públicas mais “tecnológicas”, se apropriando de tecnologias e pensando fora da caixa?

A resposta para essa pergunta é simples, falta muito investimento, como dito antes, e muitas outras coisas, alguns dos profissionais que trabalham em bibliotecas públicas devem “tirar leite de pedra”, por tamanha dificuldade que muitos encontram. Na verdade essa é, na minha visão e pelas experiências vividas, a resposta mais simples. Porém, algumas dessas inciativas de “bibliotecas públicas digitais ou tecnológicas” contam com parcerias de instituições de ensino e pesquisa entre outras, o que pode ajudar muito na apropriação tecnológica e integração entre as instituições, essa pode ser uma alternativa. Basta saber se é viável, se as instituições querem e se vai ter o que falta… investimento.

Mas temos que pensar fora da caixa…

Tiago Leite

Referências

IFLA. UNESCO. Manifesto da IFLA/UNESCO sobre Bibliotecas Públicas. 1994. Disponível em: <http://archive.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm>. Acesso em 17 jun. 2017.

PINTO, Tiago Leite; RIBEIRO, C. J. S. . Apropriação de repositórios: inovação na oferta de serviços por bibliotecas públicas. In: 3ª Jornada de Pós-Graduação da UNIRIO, 2017, Rio de Janeiro. Jornada de Pós-Graduação da UNIRIO. Anais… Rio de Janeiro: UNIRIO, 2017. Disponível em: <www.unirio.br/propg/jornadapg>. Acesso: 6 maio 2018.

RIBEIRO, Cláudio José S. et al. Bibliotecas e instituições de memória na web, dados ligados e web semântica: diálogos interdisciplinares. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 53–72, 2017. Disponível em: <http://memoriaeinformacao.casaruibarbosa.gov.br/index.php/fcrb>. Acesso em: 6 maio 2018.

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Tiago Leite
Ideias de Biblio

Mestre em biblioteconomia pela UNIRIO, bibliotecário, estudante, eterno calouro com vontade de aprender continuadamente.