Entrevistas com usuários: dicas para coletar insights

Izabela de Fátima
iFood Tech
Published in
8 min readOct 10, 2019

Na minha experiência como UX Researcher, aprendi e desenvolvi diversas técnicas para conversar com usuários. Neste artigo, compartilho 10 dicas para que suas entrevistas sejam poderosas ferramentas de insights.

Você acha que a gente nasce sabendo perguntar, ouvir e observar? Ando pensando muito sobre isso.

A conversa e a observação são duas das ferramentas mais valiosas para conseguir insights profundos, assim como o comportamento do moderador em uma entrevista também influencia diretamente na qualidade dos dados que ele vai extrair da pesquisa.

Eu, por exemplo, gosto muito de falar. Isso, por muitas vezes, me trouxe dificuldades em ouvir e observar. Para melhorar, fiz uma lista com comportamentos para ter em mente quando sento para conversar com uma pessoa. Quase como um ritual, relembro item por item.

Esse foi o tema que resolvi aprofundar em um workshop que conduzi recentemente no iFood. Um dos meus papéis como User Research Specialist é treinar o time para fazer pesquisa com usuários.

Para aprender com os usuários é preciso: perguntar — ouvir — observar. Essa é a base da moderação de entrevistas.

O problema é que a gente esquece que entrevistar é uma habilidade que precisamos adquirir. Isso geralmente não é ensinado e nós achamos que desenvolvemos essas habilidades naturalmente no dia a dia. E, para piorar, temos a tendência de apenas improvisar em vez de estudar e treinar.

Por isso, resolvi compartilhar o material do workshop com 10 dicas para conseguir insights com usuários. Essas dicas também podem servir para testes de usabilidade, guerrilha e, inclusive, na sua vida pessoal.

  1. Crie um ambiente seguro.
  2. Tenha um guia de discussão e se prepare para improvisar.
  3. Perguntas específicas são melhores do que perguntas genéricas.
  4. Não coloque respostas nas perguntas.
  5. Transforme a entrevista em uma conversa.
  6. Esqueça o que você sabe.
  7. Veja o mundo com os olhos do participante.
  8. Use a estratégia do silêncio.
  9. Mostre que está interessado (e cuidado com a postura!)
  10. Grave a entrevista, sempre!

1. Crie um ambiente seguro

A entrevista ganha importância a partir do momento em que o moderador consegue criar uma conexão com o participante. Para isso, uma atmosfera na qual o participante se sinta à vontade para falar o que pensa e fazer críticas sobre o produto e empresa vale ouro.

Para diminuir o impacto de ser funcionário da empresa cujo produto você está analisando e criar uma relação leve com o participante, sugiro:

👍 Argumentos como:

  • “Não estou aqui representando a empresa. Seus comentários e críticas sobre o produto não irão me causar nenhum problema e também não ficarei ofendido. Pelo contrário, tudo o que você me disser vai nos ajudar a tornar esse produto cada vez melhor”.

👎 Evite:

  • Usar crachá, roupas, cadernos, canetas e outros objetos da empresa. Use o crachá apenas se precisar se identificar.

2. Tenha um guia de discussão e se prepare para improvisar

O roteiro é um fluxo de perguntas que você espera que sejam respondidas. Assim como em um fluxo de telas no qual você cria estímulos para que as pessoas façam algo, o roteiro serve para levar a conversa do ponto A ao B.

Curva do escopo de uma entrevista
  • Comece com perguntas quebra-gelo que demonstrem interesse e que sejam fáceis de responder.
  • Organize o roteiro por categorias, com uma ordem de temas-macro para temas-micro.
  • Explore todo o contexto do assunto antes de mostrar a interface e use trechos do que a pessoa falou no início da conversa para guiar as tarefas de teste das telas.
  • Saiba como reduzir o tempo do roteiro pela metade se for preciso.

3. Perguntas específicas são melhores do que perguntas genéricas

Ao fazer uma pergunta específica, fica mais fácil do participante dar uma resposta mais realista. Afinal, pergunta genérica resulta em resposta vaga e pobre de detalhes, principalmente sobre o contexto de uso — algo extremamente importante para pesquisa UX.

👎 Exemplo de pergunta genérica (não recomendado):

  • “Como você normalmente escolhe o que vai pedir para comer?”

Essa é uma pergunta que dificilmente trará uma resposta valiosa, pois pressupõe que a pessoa com quem você está conversando já tenha um conjunto de práticas em vigor. Se ela não tiver, pode ser que invente algo como uma maneira de responder à sua pergunta.

👍 Essa mesma pergunta de maneira específica (recomendado):

  • “Qual foi a última vez que você fez um pedido de comida? E nesse pedido, como você escolheu o que ia comer? Isso costuma ser um padrão ou foi só esse dia?”

Nesse caso, faça uma pergunta de cada vez e, se o participante der respostas vagas, faça perguntas de acompanhamento: “Como era a refeição? Como foi esse dia?”

4. Não coloque respostas nas perguntas

Ao colocar respostas na pergunta você subestima o participante e cria um padrão que muitas vezes o obriga a se encaixar, o que enviesa a pesquisa.

👎 Exemplo não recomendado:

  • “Quando a embalagem da sua refeição chega, você abre ou pede para alguém conferir?”

👍 Exemplo recomendado:

  • “O que acontece com a embalagem da sua refeição quando ela chega?”

5. Transforme a entrevista em uma conversa

No cenário ideal, o moderador constrói cada pergunta com base no que acabou de ser dito. Investigue mais sobre aquilo, pergunte: “por que, como, quando”.

Quando não der para seguir, explique de onde vem a pergunta. Exemplo: “No começo da nossa conversa você me contou que…” ou “Eu gostaria de voltar em um assunto que falamos agora pouco…”.

Além disso, faça uma pergunta de cada vez, porque se fizer mais de uma é provável que apenas uma delas será respondida e você terá que perguntar de novo. Isso torna a entrevista repetitiva e chata.

6. Esqueça o que você sabe

No início de uma pesquisa é comum levantar hipóteses e já enxergar problemas ou oportunidades de melhoria. Porém, não se fixe no que espera encontrar, apenas mantenha uma postura curiosa. Aceite como outras pessoas enxergam o mundo — e seu site, app, produto — de cabeça aberta.

Esteja preparado para jogar tudo o que acha que sabe pela janela e abraçar a possibilidade de conhecer uma realidade totalmente diferente e nova.

7. Veja o mundo com os olhos do participante

Use a linguagem do entrevistado e não o corrija. Se ele falar “máquidonaldis”, fale também. Muitas pessoas chamam menu de “aba”, “barrinha”, “linha”, “categoria”. Forçar o seu vocabulário de UX não vai trazer nenhum benefício à pesquisa e pode intimidar o entrevistado. Pratique a empatia em vez de julgar.

Saiba reconhecer e respeitar que, naquele momento, o especialista é o participante. Portanto, não diga ou dê a entender que ele está errado. O papel do moderador é descobrir, aprender. Às vezes você precisa fingir que não sabe nada sobre determinado assunto.

Isso coloca o participante em um papel muito interessante: ele percebe que está ensinando outra pessoa e passa a compartilhar mais e a desenvolver melhor sua opinião sobre o que foi perguntado.

Essa situação permite investigar com mais eficácia o modelo mental do participante para coletar dados mais ricos, que ajudam a desenvolver um produto que se encaixa melhor nesse modelo.

8. Use a estratégia do silêncio

Quanto menos você fala, mais você aprende. Na grande maioria das vezes, os dados mais valiosos surgem quando a pessoa fala o que vem à cabeça, sem filtros. Para isso, permita que o silêncio aconteça, por mais incômodo que ele seja.

  • Não termine as frases do entrevistado na tentativa de preencher o silêncio. É provável que ele simplesmente concorde com você e interrompa o próprio raciocínio.
  • Use a linguagem corporal para dar tempo de o participante articular o pensamento. Mantenha contato visual e não diga nada.
  • Se você não consegue resistir e se sente inseguro ou incomodado com o silêncio, beba um gole de água ou use pequenas perguntas para incentivar o participante a elaborar: “Me conte mais sobre isso” ou “O que você achou disso?”.
  • Nunca interrompa. As pessoas falam por parágrafos e costumam desenvolver o raciocínio enquanto falam.

9. Mostre que está interessado (e cuidado com a postura!)

Durante a entrevista, é normal que o moderador também faça anotações. O problema é quando ele passa mais tempo olhando para o guia de perguntas do que para o participante. O seu papel é prestar atenção no entrevistado e anotar as palavras-chave para cristalizar a informação e facilitar a consulta posterior.

No caso de outra pessoa da equipe participar para fazer anotações, não recomendo que você deixe de fazer suas próprias. Afinal, o moderador tem uma visão única da entrevista e, às vezes, percebe situações que outro não enxerga.

Você não precisa anotar tudo! Anote apenas o suficiente para te guiar depois. Foque a sua atenção no entrevistado.

Quando não estiver anotando, tenha cuidado com a sua postura:

  • Mantenha seus olhos no participante. Incline-se para olhar quando ele quiser mostrar alguma coisa. Mostre que você está prestando atenção e dê liberdade para ele continuar falando sobre aquele assunto.
  • Preste atenção, principalmente naquela última entrevista de uma sexta-feira, quando você já está cansado e pensando no fim de semana. Afinal, o participante está usando o tempo dele para ajudar e você quer mostrar que agradece essa dedicação.
  • O mais importante: a sua postura interfere no seu nível de atenção ao momento presente. Não deixe oportunidades passarem batido.

10. Grave a entrevista, sempre!

O seu estado de humor e comportamento influenciam como você vê o mundo e, consequentemente, os dados da sua pesquisa. Por isso, é super importante gravar a entrevista. Isso ajuda a evitar o viés cognitivo, pois você pode ter uma perspectiva distanciada sobre o fato.

Mesmo os entrevistadores mais experientes cometem deslizes. Ninguém espera que você conduza sempre sessões perfeitas. Cada entrevista é uma oportunidade de aprendizado e é a repetição que vai fazer você melhorar.

Time de design: UX Writers, UX Researchers e Product Designers.

Essas dicas são baseadas na minha experiência e no conhecimento compartilhado por UX Researchers que admiro:

E você, quais são as suas dicas para entrevistas? Compartilha com a gente!

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Izabela de Fátima
iFood Tech

Trabalho como Pesquisadora em Design no Magalu, produzo o podcast Movimento UX e colaboro com a pesquisa Panorama UX no capítulo dedicado aos pesquisadores