Um primer em CRM para times de Data

Um resumo das principais ideias pra galera de Data que mexe com projetos de Marketing

Erick Farias
iFood Tech
13 min readAug 28, 2020

--

Nos últimos meses fui envolvido num projeto de Data Science para CRM. Embora o objetivo final do projeto seja automatizar o fluxo de CRM e aplicar Reinforcement Learning na seleção de estratégias para cada cliente (espero ainda escrever sobre esse case!), eu aproveitei para investir tempo para ressuscitar algumas velhas e novas referências de marketing e garantir conhecimento do domínio — que é essencial para qualquer projeto bem sucedido de Data.

Resolvi resumir as principais ideias, principalmente para que outros Data Analysts e Data Scientists envolvidos em projetos de Marketing tenham um bom primer em CRM.

O que é CRM ?

Como o próprio nome sugere, Customer Relationship Management (CRM) é um sistema de gerenciamento de todas as complexas interações com seus clientes.

Algumas literaturas se concentram mais no aspecto tecnológico de um sistema de CRM; outras, mais no aspecto estratégico.

Ao invés de pensarmos numa definição de bolso, acredito que seja mais proveitoso considerar os principais elementos de um sistema de CRM bem executado, que precisam refletir tanto na definição estratégica quanto na escolha das ferramentas tecnológicas para executá-la.

Foco no Cliente

O que você sabe sobre seu cliente?

Recentemente, a expressão customer centric se tornou mais uma buzzword usada de forma irrefletida em reuniões de negócio.

A maioria das vezes que ouvi pessoas falando sobre o cliente, era como se essa fosse uma entidade, uma espécie de massa homogênea que responde de uma certa forma ao produto e cuja única coisa que me interessa é uma certa característica média.

Bem, um dos gurus das teorias de customer centricity, Peter Fader, diz de forma deslavada que abordar o cliente dessa forma é um jeito antiquado e muito provavelmente sub-ótimo. Isso é muito comum em estratégias centradas no produto, que gastam preciosos recursos buscando atingir metas de vendas para qualquer um, a qualquer custo, ignorando a heterogeneidade da sua base de atuais e potenciais clientes.

Ter uma estratégia de CRM focada no cliente (customer centric) significa, antes de tudo, celebrar a diversidade dos seus usuários — reconhecer que diferentes pessoas reagirão de formas diferentes ao seu produto e às suas abordagens relacionais e mergulhar na busca para entender quais são as características daqueles que reagem positivamente (ou não).

Ou seja, diferentes clientes possuem diferentes características que refletem no valor que esse relacionamento possui para o negócio.

O primeiro erro é não ter ideia de qual é esse valor, que é chamado de Customer Lifetime Value (CLV).

O segundo erro é não ter ideia de quais atributos comportamentais têm algum impacto nesse valor.

Cometer esses dois erros é o passo certo para estratégias de CRM cegas que atiram no escuro torcendo para acertar em cheio algum cliente desprevenido (um exemplo da consequência disso é gastar recursos com estratégias de retenção em usuários que possuem uma baixíssima propensão a ir embora).

Isso significa que se você não possui uma métrica consolidada de CLV sendo utilizada para direcionar suas estratégias de CRM, você está longe de ser customer centric.

Pra pincelar o assunto (mais sobre isso na parte II dessa série), o CLV é basicamente uma estimativa do valor presente do lucro atribuído ao relacionamento de um cliente com o seu negócio. Por natureza, essa é uma medida preditiva (e por conta disso, algumas referências fazem questão de nomeá-lo ECLV — Expected Customer Lifetime Value). Por mais que existam diversas formas (mais simples e complexas) de estruturar essas estimativas, uma métrica de CLV que não projeta o valor do relacionamento de cada cliente é, na melhor das hipóteses, enviesada. Ou seja, ela deve considerar:

  • Quanto tempo esse relacionamento durou (para clientes que foram embora) ou quanto tempo possivelmente irá durar (para os atuais e futuros clientes);
  • A quantidade de transações;
  • O valor dessas transações;
  • Outras atividades não financeiras nas quais o cliente pode se engajar (recomendações do seu produto, revisões em redes sociais etc).

Fader propõe a métrica de CLV como a principal medida de customer goodness — o que define o quão bom o seu cliente é para o negócio.

Customer goodness é um conceito guarda-chuva para encapsular o valor de um cliente, que pode ser quebrada em outros fatores como propensões e preferências.

O que isso quer dizer, por exemplo, é que existem diferentes propensões que podem levar a um CLV mais alto, como a propensão de repetir uma compra, ou a propensão de se realizar compras de alto valor monetário, a propensão de ir embora ou a preferência de realizar compras por um determinado canal, que pode ter um custo mais baixo. Uma organização realmente focada no cliente busca compreender quais atributos afetam essas propensões e preferências que compõe o valor de um cliente, e se dedicam a torná-las tão acionáveis quanto possível.

Dessa forma, eu posso criar uma campanha específica para direcionar meus clientes do canal A para o B, reduzindo o custo e aumentando o CLV deles; ou então uma outra campanha para aumentar a propensão de repetição de compra, e assim por diante. No geral, a execução de ações táticas tem o objetivo de virar o ponteiro de alguma propensão ou preferência, que por sua vez impactam o CLV de cada cliente.

É extremamente relevante ter esses fatores intermediários bem definidos na sua métrica de CLV. Isso ajudará a criar estratégias diferentes para clientes no mesmo tier de valor, dado que um cliente com uma alta propensão de recompra, por exemplo, pode possuir uma baixa propensão de gastar. Seria no mínimo míope aboardá-los da mesma forma.

E é aqui onde acredito que os time de data tem um altíssimo valor. Geralmente essas propensões e preferências, assim como o próprio CLV, dependem de análise e modelagem, por mais simples que sejam.

Em última instância, uma estratégia de CRM bem executada deveria refletir a respeito dessas questões e, idealmente, suportar a identificação dos clientes de alto valor e a compreensão dos fatores que impactam nesse valor. A partir disso, é possível criar iniciativas de aquisição, retenção e desenvolvimento, que são as 3 principais chaves táticas na maximização do valor da sua base de clientes.

Estratégias de Aquisição

Fader insiste que frequentemente uma organização possui mais controle sobre o tipo de clientes que são trazidos em comparação à tentativa de mudar e “melhorar” aqueles que já estão ativos.

A ideia aqui é simples — quando uma cliente é trazida para sua base ativa, ela “nasce” com uma espécie de baseline no seu customer goodness. Ela possui uma certa configuração de propensões e preferências que formam o seu potencial. Algumas dessas propensões e preferências podem ser mudadas com mais facilidades, já outras não.

Uma organização pode passar anos tentando aumentar a frequência média de sua base de usuários de uma forma sustentável (mais sobre isso na próxima seção), sem ter muito sucesso.

Mas falando de aquisição, o objetivo primário aqui é conseguir pescar os melhores clientes — ou seja, aqueles que possuem um alto baseline de customer goodness.

O problema é que a maioria dos times de marketing e vendas não olham para isso. Os dashboards com métricas de aquisição trazem números agregados de conversão e custo por aquisição (CPA), como se o “Cliente” fosse aquela entidade única, a massa homogênea que organizações centradas no produto adoram. E o grande erro é não se ter ideia de onde vem e como são alcançados os clientes de maior valor.

De forma geral, as táticas de aquisição são divididas em abrangentes ou seletivas, diretas ou indiretas. A maioria das companhias utilizam uma abordagem de blending, onde o investimento em aquisição é dividido em diferentes frentes. O segredo aqui é realizar um tracking do valor dos diferentes clientes adquiridos por cada estratégia ao longo do tempo e otimizar o investimento alocado a cada uma delas.

Iniciativas abrangentes

Uma iniciativa abrangente é como lançar uma rede de pesca em um lago. Vem de tudo, até pneu.

Mas isso não é necessariamente ruim, sendo uma parte importante das estratégias de aquisição de novos negócios ou lançamento de produtos onde se busca preencher o pipeline de vendas, justificar demanda e estimular efeitos de network. Negócios que possuem uma natureza de compra de baixa repetição também podem se beneficiar de estratégias de aquisição mais abrangentes.

Iniciativas abrangente-diretas são usadas quando você sabe quem é o seu prospect, mas não sabe muito além disso. Possivelmente, possui-se uma lista de nomes, emails e telefones, e ponto. Canais comuns de abordagem nessa categoria incluem telemarketing e Google Marketing, por exemplo.

Iniciativas abrangente-indiretas são usadas quando você não sabe quem é o seu prospect. O bom e velho mass marketing entra aqui. Essa categoria inclui anúncio de TVs, painéis publicitários, anúncios em aplicativos, atividades de patrocínio.

Iniciativas seletivas

Já as iniciativas seletivas costumam ser mais caras e fazem mais sentido quando se existem restrições de capacidade (no oferecimento de um produto ou serviço) ou quando os custos de mudança são altos, por exemplo.

Iniciativas seletiva-diretas são possivelmente as mais elaboradas. Geralmente existe um modelo de profiling usado para identificar os clientes de maior valor (que pode usar dados demográficos, interações com o produto etc). Então listas de prospects são usadas, e modelos de scoring são criados para determinar quais prospects parecem mais próximos desse perfil de clientes de alto valor. Canais populares dessa categoria incluem a ferramenta de lookalike audiences oferecida pelo Facebook ou outras plataformas de advertising.

Para os iniciados em Data Science, um estudo publicado por Provost et al mostra que utilizar dados de conexões sociais e modelagens de grafos podem ajudar muito na otimização de estratégias de aquisição. Novos clientes ligados socialmente a outras pessoas que já eram clientes previamente tendem a adotar o produto de 3–5 vezes mais do que grupos baseline selecionados por características de modelos de profiling.

Em iniciativas seletiva-indiretas, organizações buscam novos clientes que tem algo em comum com seus clientes de alto valor, sem necessariamente saber quem são eles. Exemplos clássicos são as estratégias de social seeding e de member get member, onde um cliente ativo recebe um incentivo para recomendar o produto ou serviço.

Recomendação (referral) é algo muito importante porque (1) diz algo valioso sobre o cliente que recomendou, (2) geralmente possui um CPA muito mais baixo e (3) clientes recomendados tendem a ter altos níveis de customer goodness.

Alguns comentários:

  • Informações específicas sobre clientes e prospects são cada vez mais fáceis de coletar, analisar e armazenar. Isso deveria refletir em estratégias de aquisição mais diretas, que tendem a “gerar” clientes com um baseline mais alto de customer goodness;
  • Pense nas táticas de aquisição como uma carteira de investimentos — quanto mais você focar em encontrar os melhores clientes, mais precisará dos que não são tão bons, como se você precisasse literalmente diluir o risco da sua base de clientes;
  • Clientes com alto goodness são escassos e finitos — quanto mais você explorar um mesmo canal de aquisição, o valor dos clientes vindos de lá tende a diminuir;

Um pequeno conto sobre o vício em aquisição

Por que importa o valor dos meus clientes se estamos batendo as metas de vendas?

Bem, a short answer é que organizações que dependem de forma não saudável de aquisição de clientes terá problemas em termos de viabilidade econômica de longo prazo. Em 2017, por exemplo, o professor Dan McCarthy da Emory University, publicou um estudo de customer-based corporate valuation (CBCV) e demonstrou que uma companhia chamada Overstock and Wayfair perdia cerca de $10 a cada novo cliente adquirido. Por conta disso, o preço das suas ações estava superestimado em aproximadamente 84%. Imagine o que aconteceu com o mercado de ações algumas horas depois de o estudo ser publicado? Pois é.

Estratégias de Retenção & Desenvolvimento

Garantir a lealdade dos seus melhores clientes é um princípio básico numa estratégia de CRM customer centric. 80% dos seus lucros virão de 20% da sua base de clientes (por isso você precisa saber quem são eles!).

Mas como mencionamos nas seções anteriores, seus clientes “nascem” com um baseline de propensões para ficar ou partir, repetir uma compra e gastar mais ou menos com seus produtos e serviços. Na prática, isso significa que é muito difícil mudar as listras de uma zebra. Portanto, ao criar táticas de desenvolvimento, você precisa estar alinhado(a) a respeito das expectativas — embora seja possível, é pouco provável que um cliente de baixo valor se torna um cliente top-tier em termos de CLV.

As estratégias de R&D geralmente se encaixam em 4: cross-selling, up-selling, programadas de fidelidade e customer service.

Cross-selling: Vai fritas?

Seus clientes ativos e de alto valor são muitos mais suscetíveis a experimentar novos produtos e serviços do que seus clientes de baixo valor. É importante que você invista em iniciativas de cross-selling principalmente para os clientes mid e top-tier. Aqui, algoritmos de recomendação tendem a ser excelentes. Geralmente a implementação de mecanismos de recomendação não é obstrusiva para a experiência de compra e são altamente customizáveis para cada cliente — algo essencial numa estratégia customer centric.

Up-selling: Quer a versão gigante por mais $0.99?

Persuadir um cliente a aumentar o valor de seu pedido é um exemplo clássico de up-selling. Outro exemplo de tática nessa categoria é o oferecimento de serviços premium (considere o Linkedin Premium ou Amazon Prime, por exemplo). A grande sacada nesses serviços é tornar clientes não-contratuais em contratuais, potencializando a propensão de repetição de compra e gastos por pedido ou tempo gasto na plataforma, por exemplo. É uma ótima forma de aumentar o customer goodness de um cliente que já é bom.

A ideia é simples, mas o segredo é sutil. Um estudo resumido num artigo da HBR de 2012, comentando sobre o lado B do cross-selling, conclui que:

1 a cada 5 clientes que realiza cross-buying não é lucrativo. Esse grupo representa, em média, 70% do prejuízo total de uma base de clientes — o déficit quando o custo de oferecimento dos produtos ou serviços é maior do que a receita de um cliente. E nesses casos, quanto mais cross-buying um cliente realizar, maior é a perda.

Considerando essa dura realidade, Fader propõe um framework simples para se repensar estratégias de R&D. Ele basicamente consiste em (1) segmentar seus usuários em tiers de CLV (bronze, prata, ouro etc. seja criativo!); (2) criar estratégias diferentes para cada tier, que pode ter quebras adicionais baseadas nas propensões e preferências (tier de alto CLV, baixa/alta propensão de churn, por exemplo); (3) em cada uma dessas estratégias, definir quais táticas ofensivas e/ou defensivas serão implementadas.

Embora o objetivo principal das táticas ofensivas seja aumentar a propensão dos clientes a repetirem compras e a gastarem mais, e das táticas defensivas reduzir a propensão de ir embora, geralmente as coisas se misturam (e tudo bem). Mas é importante que as iniciativas tenham suas métricas e objetivo bem definidas.

Táticas ofensivas

O simples Compre 9, ganhe 1”, ou suas versões mais sofisticadas e gamificadas são exemplos de programas de lealdade. Um jeito clássico de extrair um pouco mais de valor de um cliente mais-ou-menos em termos de CLV. Como um bom exemplo, o Starbucks executou um programa de fidelidade que estendeu a lealdade em um tangível e conveniente serviço que também potencializou a aquisição de dados dos seus clientes. Mas é pouco provável que esse programa esteja tornando clientes mid-tier (em termos de CLV) em clientes top-tier. E esse é o maior gap de programas de fidelidade: geralmente os incentivos incrementais não são persuasivos para heavy users e possivelmente resultarão em alta canibalização (você está oferecendo uma bebida grátis para alguém que provavelmente já compraria outra).

Por isso a melhor forma de aumentar o goodness de seus clientes top-tier é oferecendo premium services. A ideia aqui é simples: seus clientes de alto CLV já gostam de você. Eles não querem ser incomodados, mas provavelmente veriam valor em algum tipo de serviço premium que você poderia oferecer. Um bom exemplo disso é o Linkedin Premium, que tornou clientes não-contratuais em contratuais, e representava cerca de 20% do faturamento do Linkedin um pouco antes de ser comprado pela Microsoft.

Táticas defensivas

Pra dizer o óbvio, é importante que a propensão de ir embora de seus clientes top-tier se mantenha em níveis baixos. Uma forma segura de reduzir essa propensão é garantir uma relação de confiança e interdependência entre a organização e seus clientes mais importantes — fazendo-os se sentirem valorizados através de serviços de atendimentos personalizados e soluções criativas para seus principais pain points. Geralmente chamado de Strategic Account Management ou Customer Success Management, a gestão de projetos nessa frente tática, embora tenha um potencial de impacto positivo nas propensões de repetição de compra e gasto médio, deve ter como objetivo primário a manutenção do valor de longo prazo através da blindagem em vez de criação de valor oportunista que pode ser enxergado de forma suspeita (e até sair pela culatra).

A mesma ideia se reflete na tática defensiva para clientes low-tier, com a única diferença que a execução precisa ser feita em escala, com custos baixos e de forma mais reativa do que proativa. Fader comenta que um customer service responsivo e confiável tem um papel essencial em estratégias de retenção, além de ser uma fonte constante de insights para aprimoramento do produto.

A analogia é que um bom customer service é como ter banheiros limpos — seus clientes ficarão mais confortáveis em te visitar, mas essa não é uma forma de dramaticamente crescer seu negócio. E a ideia dessa frase é ser realmente provocativa, já que Fader defende que grandes promessas de crescimento baseadas em investimentos em Customer Experience (CX) não são razoáveis.

Nos próximos textos, vou escrever sobre frameworks de avaliação e acompanhamento de estratégias de CRM e algumas sugestões de modelos de Machine Learning que podem ser usados para otimizar essas estratégias!

Quer receber conteúdos exclusivos criados pelos nossos times de tecnologia? Inscreva-se.

Referências

Fader, P. Toms, S. “The Customer Centricity Playbook”, Wharton School Press (2019)

Farris, P. et al “Marketing Metrics”, Pearson (2016)

Pfeifer, Phillip E., Mark E. Haskins, and Robert M. Conroy (2005), “Customer Lifetime Value, Customer Profitability, and the Treatment of Acquisition Spending,” Journal of Managerial Issues

Pfeifer, Phillip E., Mark E. Haskins, and Robert M. Conroy (2005), “Customer Lifetime Value, Customer Profitability, and the Treatment of Acquisition Spending,” Journal of Managerial Issues,

--

--

Erick Farias
iFood Tech

Data Science leader, researcher, miniature painter, rock climber. Linkedin: https://www.linkedin.com/in/erickcfarias/