Uau! Agora temos Home Office 1x por semana!

As empresas estão realmente se adequando à nova realidade de trabalho ou apenas tapando o sol com a peneira?

Bruno Bonini
Ignus Insights
10 min readAug 20, 2018

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Aquela surpresa que não é exatamente algo novo…Foto de Ben White. Fonte: Unsplash

E essa é a frase que eu tenho ouvido de alguns amigos e colegas que trabalham em empresas tradicionais e de grande porte. Que avanço maravilhoso e alinhado com o futuro do trabalho, não? Não.

Partiu pra balada, tio? Fonte: Giphy

Sempre que eu vejo esse tipo de iniciativa eu imagino um tiozão pra cima dos seus 40 anos tentando pagar de jovem na balada. Nada contra você sair na noite depois de seus 40, mas é que algumas coisas parecem forçada demais. Quem disse que o segredo pra aumentar engajamento é deixar a pessoa trabalhar de casa? E quem disse que isso vai realmente resolver alguma coisa?

Posso estar sendo um pouco duro em não acreditar nesse tipo de iniciativa, mas é que eu vejo isso como o novo pingue-pongue no trabalho. Vai servir pra contar para os outros, mas não necessariamente vai servir pra jogar, entende?

Por que essa história agora de trabalhar de casa?

A resposta simples é: porque muitos trabalhos não precisam mais do que um computador e uma conexão com a internet. Isso é tão verdade que se algum desses itens faltar no escritório, não tem trabalho. Vai me dizer que na sua empresa quando caiu a internet todo mundo não se levantou e foi bater papo pra esperar a conexão retornar?

“Internet caiu? Bora tomar um café!” Fonte: Giphy

Temos acesso hoje a uma infinidade de ferramentas e recursos que permite que trabalhemos de qualquer lugar. Além do mais, o trabalho no escritório não é produtivo, pois as distrações são recorrentes o que inviabiliza o trabalho focado.

Precisamos falar de foco

A Farnam St. Holdings publicou em seu blog um texto muito interessante sobre os dois modos de trabalhos que existem em nossa rotina. O artigo fala sobre termos em nossa agenda a clareza de que precisamos de momentos de maker — para fazer trabalho concentrado como preparar uma apresentação, escrever um texto, fazer uma análise, estudar, etc — e os momentos de manager — para gerenciar pessoas ou tarefas e articular para que a banda siga tocando.

Faça uma rápida reflexão sobre o seu ambiente de trabalho e veja o quanto ele favorece ou não cada um desses dois modos de trabalho. Uma das minhas maiores frustrações em meu antigo trabalho era que eu dificilmente conseguia produzir qualquer coisa. O dia inteiro eu era interrompido ou eu mesmo me interrompia pra fazer outras coisas que não eram meu foco.

Derrubaram o muro de B…as baias do escritório. Fonte: Giphy

A Harvard Business Review conduziu uma pesquisa na década de 80 que apontou que 85% dos empregados americanos precisavam de espaço para se concentrarem. Nessa época vieram as baias e os ambientes de trabalho isolados. Na década seguinte, 50% dos funcionários pesquisados queriam mais acesso às pessoas e 40% queriam mais interações. Desejo realizado! Veio a onda dos open offices. Nos últimos 10 anos a quantidade de pessoas que reclamam por não conseguir concentrar em seus ambientes de trabalho subiu 16%.

Mas interação é importante!

Não posso discordar dessa verdade. Entretanto, estar fisicamente junto em um escritório sem baia não significa interagir mais. Segundo um artigo publicado na The Royal Society, escritórios sem baia diminuem em até 70% as interações cara-a-cara.

“Mas e se for um escritório com espaços reservados? Vamos interagir mais.” É o que o artigo acima talvez queira dizer. Mas se for pra ficar isolado em uma baia ou uma sala, por que se esforçar para ir ao trabalho?

O trabalhador paga caro para ir trabalhar

Para trabalhar nos grandes centros hoje em dia é preciso muita coragem ou paciência. Ou as duas coisas. Principalmente se sua casa e seu trabalho não forem próximos, o que é o caso de boa parte das pessoas.

Aquele trânsito delicioso de todo dia. Fonte: Giphy

Vamos a uma conta simples aqui. Suponhamos que você leve 1 hora para chegar no seu trabalho em dias “normais”. Você fica em média 9 a 10 horas no escritório e depois leva mais 1 hora pra retornar — quando não mais. Aqui já estamos falando de metade do seu dia. Mas não esqueça que você precisa se arrumar para o trabalho, preparar suas coisas para sair de casa e depois quando retorna você precisa tirar a roupa do trabalho. Nessa brincadeira você investe tranquilamente 3 horas do seu dia só com o marginal e nem é remunerado por isso. E vale lembrar que eu nem coloquei na conta o desgaste mental e físico de se deslocar pelo trânsito, muito menos o custo monetário de gasolina, pedágio, manutenção, passagem de ônibus/metrô, etc…

Para causar inveja: eu levo 30 segundos entre sair da mesa do café da manhã para chegar no meu trabalho e estar disponível no escritório — leia-se Slack — da empresa. Quando termino? No máximo 10 segundos para baixar a tampa do computador, desligar o monitor e a luz. Voilà! Já estou com o Luigi nos braços. Não sofro com trânsito, chuva, greve, problema no metrô, paralisação de caminhoneiros, Godzilla, apocalipse zumbi e nenhum outro evento que sempre nos tira do sério. Chamam isso de qualidade de vida.

E por que o home office não daria certo?

Acabei de apresentar dois bons argumentos — foco e deslocamento — que tornam o trabalho remoto algo realmente valioso. Logo, o home office, mesmo que uma vez por semana, poderia dar certo também, afinal, vai aumentar o foco e as pessoas perderão menos tempo e energia no deslocamento. Vamos por partes a partir daqui.

Home office não é o mesmo que trabalho remoto

A Victoria Haidamus escreveu um texto bem simples e direto que explica exatamente isso. Começa pela distinção do termo. Trabalho remoto quer dizer trabalhar à distância e não necessariamente de casa. Inclusive quando conto para outras pessoas como é nosso trabalho na Ignus, eu prefiro dizer que somos um time distribuído. Soa melhor e diz mais a verdade, pois não trabalhamos de forma assíncrona. Temos horário — flexível, é verdade — para começar e acabar. Estamos apenas distribuído, simples como o próprio termo.

Ter um time distribuído exige uma série de mudanças culturais e de mentalidade das pessoas

Tendo clareza dessa distinção, vamos falar sobre o que é essencial para que um time remoto possa de fato funcionar.

A autonomia é imperativa

Você consegue se imaginar gerenciando as tarefas e o que cada pessoa está fazendo em um time distribuído? A primeira dúvida a pintar é “como?”. Já vou adiantar aqui a conversa: é impraticável microgerenciamento no trabalho remoto. Nem queira forçar a barra nesse ponto.

Aquela ideia do século passado de vigiar as pessoas para saber se elas estão realmente trabalhando. Fonte: Giphy

O time distribuído geralmente é um time maduro. Na verdade boa parte das pessoas têm clareza das suas responsabilidades no trabalho. O que nem sempre é verdade é a clareza sobre o que deve ser feito prioritariamente. É fácil se perder quando as “prioridades” — além de muitas — mudam a cada instante.

Recentemente conversando com um amigo sobre trabalhar na Ignus, ele me questionou algumas vezes para entender como funciona em relação à gestão dos projetos, a quem eu me reporto, como faz para garantir que eu esteja alinhado com as expectativas dos sócios e dos clientes. Simples, tenho um objetivo e isso é mais do que suficiente para que eu faça as coisas como eu entender que está ok. Não preciso de um chicote ou ter que me reportar com uma frequência pré-determinada. Se eu não fizer nada, eu mesmo vou me sentir mal.

Em outros termos, se não houver total autonomia, o trabalho remoto é inviável. Se você trabalha em uma empresa que seu chefe é aficionado por controle, pode esquecer até o tal do home office.

Trabalhar remoto não é trabalhar sozinho

Quando você começa a trabalhar sozinho a primeira coisa que pensa é se não se sentirá sozinho demais. Meu colega de trabalho e parceiro das reflexões Gabriel Gorski publicou um texto na uxdesign.cc e abordou exatamente esse aspecto. Não tem essa de se sentir sozinho. As interações com o time são constantes.

Sua rotina de trabalho não precisa ser assim. Fonte: Giphy

Eu particularmente acredito na ideia de pair working — uma adaptação do conceito de pair programming do XP. Procuro constantemente interagir com outras pessoas da Ignus para contar sobre o que eu estou fazendo, o que eu estou tendo de dificuldades e o que tenho aprendido. Dali surgem novos insights, questionamentos, pontos de atenção que muitas das vezes passam desapercebido. Faço isso com pessoas que não estão no mesmo projeto, pois elas sempre chegam com uma visão menos viciada do problema. E claro, isso exige muita abertura da minha parte para saber escutar os feedbacks.

Como é esse senso de colaboração onde você trabalha? As pessoas têm disposição para parar o que elas estão fazendo apenas para ajudar você com seu desafio? Reflita sobre isso com cuidado, pois se o sistema de avaliação da empresa for daqueles que forçam as pessoas a competirem entre si, tenho a sensação de que dificilmente você encontrará pares para compartilhar.

A propósito, vamos falar sobre maturidade

Uma vez numa conversa sobre trabalhar remoto eu ouvi “as pessoas não estão preparadas para trabalhar sozinhas”. Uma clara concepção de que as pessoas não são maduras o suficiente para trabalharem sem o olhar de um supervisor. Não sejamos hipócritas. Todo mundo sabe que um alt+tab é capaz de enganar qualquer supervisor hoje em dia.

Sendo bem sincero, já cheguei algumas vezes a dizer que faria home office e aproveitei o tempo em casa para fazer outras coisas que precisava resolver. Eu não tinha nada urgente no trabalho precisando ser resolvido, logo me dei o luxo. Hoje, aqui na Ignus, se preciso resolver algum problema pessoal, basta avisar o restante do time e pronto. Não preciso esconder de ninguém.

E afirmo que não sou ninguém especial. Por isso não consigo entender como outras pessoas não poderiam ter a maturidade suficiente para fazer o seu próprio trabalho no seu próprio tempo. Resultado fala mais do que horas trabalhada.

Integridade não é fruto de cobrança ou supervisão, mas floresce em relações de confiança.

Jogo a bola para você: seu ambiente de trabalho e seus líderes confiam de verdade em você ou dizem isso apenas para dar aquela moral? Veja bem, se seu chefe não confia em você, não quer dizer que você não seja uma pessoa digna de confiança. É o simples fato de que ele não confia nele mesmo.

O exemplo vem de cima

Talvez essa seja um dos poucos padrões que até hoje eu não consegui ver uma situação que me provasse o contrário. E falo isso pelas minhas experiências. Claramente meu comportamento foi adaptado aos exemplos dados pelos meus superiores. Quando isso começou a bater de frente com meus princípios, eu preferi sair.

O Diabo Veste Prada é um filme que mostra exatamente o quanto um ambiente de trabalho é moldado em torno do comportamento do seu líder. Fonte: Giphy

A regra é tão clara que você pode facilmente notar isso no lugar em que trabalha. Os comportamentos e os valores que predominam são aqueles que sócios e gerentes possuem. Se seu chefe faz de tudo para estar em evidência, logo você fará também. Se seu superior é duro e desrespeitoso com os demais, provavelmente o seu time também é. Se quem está acima de você trabalha nas férias, você provavelmente trabalhará. Ambientes tóxicos são apenas reflexos da postura dos líderes. Isso dificilmente emerge de quem está “abaixo”.

O que eu quero dizer é: se sua liderança não trabalhar remoto, dificilmente você vai conseguir. Observe se, na sua empresa moderninha que libera home office, a liderança efetivamente faz uso disso. Se seu superior não acreditar que as reuniões à distância funcionam, ele vai pedir para você estar presente fisicamente nesses momentos, mesmo que seja seu premiado dia de trabalhar de casa.

Falando em reuniões…

Preciso desabafar: eu odeio reuniões, principalmente aquelas que vem seguido do termo “de alinhamento”. Sério, só de escrever isso já sinto em minhas entranhas o mais profundo desprazer por elas.

Todo mundo ama reuniões…só que não. Fonte: Giphy

Lembro-me em um projeto que além de mim haviam mais 4 pessoas envolvidas. Após retornar de uma visita ao cliente, tive uma breve discussão sobre algumas coisas com a pessoa no papel de líder do projeto. Em algum ponto dessa conversa na qual eu estava contando o que eu havia conversado com o cliente, eu escuto: “Mas você precisa marcar uma reunião para alinhar todo mundo sobre isso”. O detalhe era que todas as 5 pessoas do projeto estavam no entorno dessa conversa. Eu simplesmente disse: “Pronto, está alinhado”.

Comunicação + alinhamento é um problema muito sério em qualquer tipo de organização. Entretanto, quando falamos de times distribuídos e com alto grau de autonomia, esse tema parece ganhar substancial importância. Afinal, se meu par não está aqui do meu lado, como — no auge de minha insegurança — vou ter certeza de que estamos alinhados?

Nos dias antecedentes ao meu início na Ignus eu tinha uma hipótese: “trabalho remoto é igual a menos encontros/reuniões inúteis”. De lá pra cá só tenho cada vez mais validado que isso é verdade. No ambiente físico é muito fácil você ser puxado para uma conversa a qual não é sua prioridade ou que não lhe agrega muito.

Com o time distribuído, se alguém quer alinhar algo comigo basta me enviar uma mensagem no Slack e vou responder assim que puder. A assincronia faz a sua parte na proteção do foco individual das pessoas. Se o assunto for muito importante e complexo para alinhar por texto, marcamos um horário. Estamos evoluindo também e cada vez mais nos tornando conscientes da importância de sermos precisos nas nossas trocas.

É isso mesmo! Tempo limite permite no foco na atividade. Fonte: Giphy

E aqui vai uma dica de ouro que é nada menos que um dos princípios do SCRUM: faça uso extremo do time-box!

Como funciona? Muito simples. Determine tempos para conversas, discussões, reuniões, etc e respeite-os. Basta colocar um cronômetro ou relógio em contagem regressiva que todos possam ver. Acabou o tempo, acabou o assunto. Próximo!

Me diz, quão efetiva é a comunicação e o alinhamento do seu time? Ambos dependem muito de reuniões? As pessoas que trabalham contigo precisam estar em contato contigo para se sentirem seguras de que tudo está alinhado? Se qualquer semelhança brotar em sua mente, tenha consciência de que seu trabalho remoto vai ser pendurado em conferências ou telefonemas — em boa parte tão inúteis quanto as reuniões de alinhamento presenciais.

Pode ser apenas um começo?

Sinceramente ainda não estou convencido de que liberar home office uma vez por semana seja o ponta-pé inicial de uma mudança de mentalidade nas empresas. Até faço o convite para quem está lendo este texto para me contar casos que me provem o contrário.

Sabe por que eu não consigo me convencer disso? Porque por debaixo de todos esse elementos que mencionei acima (autonomia, colaboração, maturidade, liderança e alinhamento) existe uma coisa chamada CONFIANÇA.

Acredito que só quando as relações do ambiente de trabalho estiverem pautadas na confiança é que as organizações conseguirão evoluir de verdade para um novo modelo de trabalho. Enquanto isso não acontecer, vamos continuar vendo muita empresa forçando a barra para se parecer moderninha.

E aí, tiozão? Vamos começar a levar a sério a saúde mental e física das pessoas e passar a confiar nelas?

PS: fique tranquilo, pois se não há confiança onde você trabalha, o problema está na mentalidade das liderança que desde a revolução industrial foram condicionados a confiar em horas trabalhadas e que só elas podem garantir resultado ou impacto. Mas deixo isso para discutir em um outro texto.

Um agradecimento ao pessoal da Ignus que deu aquela ajuda marota na revisão do conteúdo aqui: Marcílio Júnior, Gabriel Gorski e Vinícius Alt.

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Bruno Bonini
Ignus Insights

Um ser questionador que gosta de (re)criar processos, modelos, formatos e afins.