A fraqueza da Europa que não acredita mais nos valores cristãos

O Ocidente perde suas referências

Lumen ad Viam
Igreja Hoje
Published in
5 min readJan 31, 2016

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Por Vittorio Messori

Corredores da escola Garafoni, nos arredores de Milão, Itália, onde o diretor trocou o Natal por uma “Festa de Inverno”, para não ofender os muçulmanos.

Pode ser que eu choque alguns confessando que não me escandalizo com o gesto politicamente correto de um diretor de escola, um senhor apegado ao conformismo hegemônico e dominado por uma espécie de delírio maníaco: a obsessão por “não ofender” as pessoas.

Apesar de seus esclarecimentos, o fato é que ele finge não haver Natal, comemorando em janeiro uma neutra “Festa de Inverno”, ao que parece um contributo para garantir o respeito por outras culturas e a integração dos imigrantes muçulmanos.

Compreendo a surpresa do ingênuo professor ao eco suscitado na mídia por essa solução, a qual já tínhamos visto, e a cada dia vemos mais exemplos. Quantos mestres do ensino fundamental, quando não da pré-escola, destilaram similares propostas edificantes em assembleias como se fossem gotas de bondade e depois as puseram em prática?

É tedioso ter que explicar pela enésima vez que o efeito dessas iniciativas não resulta no reconhecimento dos muçulmanos, com o aumento da estima deles por nós, tão generosos. O efeito é, ao contrário, a confirmação de seu desdém por gente pronta a esconder suas próprias tradições, incluindo as religiosas, por uma bajulação gratuita, que eles nem pediram.

Dizem: quem renunciaria à observância do jejum do Ramadã mesmo que fosse por um único dia? E estes aqui, ao contrário, esforçam-se para esconder a festa de nascimento do seu Messias, o qual creem ser o Filho de Deus, para não causar incômodo a nós e a nossos filhos na escola? Tem razão o imame quando, na mesquita, diz que essa Europa que já foi cristã, hoje é ateia, e está pronta para trocar de mãos, passar para a nossa comunidade, a dos verdadeiros crentes.

Antes de tudo, os diretores de escola e os portadores de sentimentos generosos em geral, devem ter em mente que todo muçulmano, qualquer que seja a sua posição econômica ou social, mesmo que irrelevante, olha o cristão de alto a baixo, certo de que é superior naquilo que realmente importa: o conhecimento e a adoração do único e verdadeiro Criador do universo. Maomé morre exatamente seis séculos depois de Jesus. Este é digno de toda a honra, o seu nome é abençoado, mas só porque, como penúltimo profeta, veio para anunciar a chegada do último, o profeta definitivo, o único a quem o arcanjo de Alá ditou palavra por palavra a Revelação plena. Há uma escala ascendente na descendência de Abraão: a Torá dos judeus, o Evangelho dos cristãos e, finalmente, o Alcorão dos muçulmanos. Eles, portanto, estão no topo a olhar com compaixão para nós, crentes em Cristo, e aferrados a um anacronístico piso inferior.

A ocultação da nossa identidade religiosa é vista como uma confirmação da vergonha que sentimos por crermos num Deus reduzido à metade, por não conhecermos Alá. O que conta para esse povo, acima de tudo, é a dimensão religiosa. O verdadeiro subdesenvolvimento é o nosso, a nossa riqueza econômica não vale nada em comparação com a sua riqueza de possuidores da verdade suprema. Nenhum muçulmano consciente aceitaria um diálogo em igualdade de condições com os cristãos, para eles inútil (o que ainda há para saber se no Corão tem tudo?) e mesmo humilhante, porque os que estão com Jesus estão em um nível muito mais baixo do que aqueles que ouvem o testemunho de Maomé.

Giambattista Vico (1668 a 1744), filósofo italiano, criador do princípio da “heterogênese dos fins”.

É entediante, mas tenho o dever de relembrar, talvez a pessoas de cultura como professores, realidades elementares mas que devem ser bem entendidas. Que fique claro, por causa do que Vico chamava de “heterogênese dos fins” (boas intenções que, postas em prática, produzem efeitos contrários aos esperados), a renúncia de nossas perspectivas e das nossas tradições não nos leva à paz. Mas pode nos levar à guerra, não só a do renascente Estado Islâmico, mas também de outras partes dos confins do mundo muçulmano. Mundo cada vez mais convencido de que a nossa negligência religiosa é a confirmação de que estamos prontos a nos render, maduros para a islamização, pelo bem ou pela força. E nisso, deve ser dito, eles não estão completamente errados.

Na verdade, como o Natal, o nascimento de Cristo, pode defender o Ocidente (europeu e norte-americano) se esse mesmo Ocidente há tempos toma atitudes para lhe apagar o nome? Se por anos vem sendo substituído, e isso é inaceitável, o “Merry Christmas” (Feliz Natal) por um “Season’s greetings” (Felicitações pela nova estação). E o que tem a ver a criança de Belém com o velho Papai Noel obeso da Coca-Cola? E qual a conexão entre o “Bem-aventurados os pobres” e o triunfo comercial do final de dezembro? E o que dizer (os sites de internet estão cheios) das maliciosas roupas íntimas oferecidas às mulheres, a fim de terem um sexo todo especial na noite em que se festeja o nascimento do Messias?

No fundo, sejamos justos, por que dar tanta importância a um representante de escola, onde professores e alunos, da mesma forma que seus iguais do Ocidente inteiro, em grande parte foram afastados do significado e da mensagem deste Nascimento? Em nome de quais “valores” devemos permanecer em defesa, nós, cidadãos de uma Europa que se recusa a reconhecer que suas raízes estão — não apenas, é claro, mas a maior parte — nestes vinte séculos de história transcorridos desde o parto de Maria num vilarejo da Judeia?

Há, nestes casos, o sentimento de que já vimos isso antes. Certo mesmo, é que nunca falta hipocrisia.

(Texto publicado no dia 01/12/2015 no jornal italiano Corriere della Sera.)

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