As dúvidas sobre as reviravoltas de Francisco

Entre a adesão e o desconcerto

Lumen ad Viam
Igreja Hoje
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5 min readApr 23, 2016

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Por Vittorio Messori

Acho honesto admiti-lo agora, abusando, talvez, do espaço concedido. O que proponho aqui, mais do que um artigo, é uma reflexão pessoal. Na verdade, uma espécie de confissão que eu teria prazer em adiar, caso não tivesse sido provocado. Sim, adiada porque a minha (e não só minha) avaliação deste papado oscila continuamente entre a adesão e a perplexidade, é um julgamento mutável dependendo do momento, da ocasião, dos temas. Um Papa não inesperado: eu estava entre aqueles que esperavam um sul-americano e um homem pastoral, a experiência cotidiana de governo, quase como para contrabalançar o admirável professor, teólogo refinado demais para alguns paladares, o amado Joseph Ratzinger. Um Papa não inesperado, mas que, desde aquele primeiro “boa noite”, revelou-se imprevisível, de modo a fazer até mesmo com que alguns cardeais que tinham estado entre seus eleitores mudassem de opinião.

Giacinto Pannella, líder do Partido Radical italiano, que se define como socialista, liberal e anticlerical.

Uma imprevisibilidade que continua perturbando a tranquilidade do católico médio, acostumado a deixar de pensar por conta própria, ao menos em termos de fé e moral, para simplesmente “seguir o Papa”. Sim, mas a que Papa? O de algumas homilias matutinas na Santa Marta, dos sermões de pároco à antiga, com bons conselhos e provérbios sábios, com avisos insistentes para não cair nas armadilhas do demônio? Ou aquele que telefona a Giacinto Marco Pannella, empenhado na enésima inócua greve de fome para lhe desejar “bom trabalho”, quando, por décadas, o “trabalho” do líder radical consistiu e consiste em pregar que a verdadeira caridade está na luta para o divórcio, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade para todos, a teoria de gênero e assim por diante? O Papa, que no discurso destes dias à Cúria Romana, repetiu com convicção a Pio XII (mas, na verdade, ao próprio São Paulo), que definiu a Igreja “corpo místico de Cristo”? Ou o que, na primeira entrevista com Eugenio Scalfari, ridicularizou quem pensasse que “Deus é católico”, como se a Igreja una, santa, apostólica, romana fosse um opcional, um acessório para usar ou não, dependendo do gosto pessoal, da Trindade divina? O Papa argentino, consciente, por experiência própria, do drama da América Latina que está prestes a se tornar um ex-continente católico, com o deslocamento em massa desses povos ao protestantismo pentecostal? Ou o Papa que pegou o avião para abraçar e desejar sucesso a um querido amigo, um pastor de uma das comunidades que estão se esvaziando de católicos, precisamente com o proselitismo que ele mesmo condenou?

Poderíamos continuar, é claro, com esses aspectos que parecem — e talvez sejam— contraditórios. Poderíamos, mas não seria certo para um crente. Este, sabe que não se olha para um pontífice como a um presidente eleito da República ou a um rei, herdeiro casual de outro rei. Claro, no conclave, esse instrumento do Espírito Santo, de acordo com a fé, são os cardeais eleitores a estabelecer os limites, os erros, talvez os pecados que marcam a humanidade. Mas o chefe da única e verdadeira Igreja é aquele Cristo onipotente e onisciente, que sabe mais do que nós qual é a melhor escolha, como seu representante temporário terreno. Esta escolha pode parecer desconcertante para a visão limitada dos contemporâneos, mas, em seguida, na perspectiva histórica, revela as suas razões. Quem realmente conhece a história fica surpreso e pensativo ao descobrir que — na perspectiva milenar, como é a católica — todos os Papas, conscientemente ou não, desempenharam um papel apropriado, e que, ao final, revelou-se necessário. Justamente por esta consciência que eu decidi observar, escutar, refletir sem me aventurar em pareceres intempestivos, quando não até mesmo temerários. Para retornar a uma pergunta muito mencionada fora do contexto: “Quem sou eu para julgar?”. Eu, que — como todos os demais, apenas um excluído— certamente não sou assistido pelo “carisma pontifício”, da assistência prometida do Paráclito. E para aqueles que querem julgar, não diz nada a plena aprovação, várias vezes repetida — verbalmente e por escrito — da atividade de Francisco, da parte desse “Papa emérito”, mesmo sendo tão diferentes em estilo, formação e em relação até ao programa?

Terrível é a responsabilidade daqueles que hoje são chamados a responder à pergunta: “Como anunciar o Evangelho aos contemporâneos? Como mostrar que Cristo não é um fantasma sem brilho e remoto, mas o rosto humano do Deus criador e salvador que para toda a gente pode e vai dar sentido à vida e à morte?”. Há muitas respostas, muitas vezes conflitantes.

Mesmo pelo pouco que conta, depois de décadas de experiência eclesial, também eu teria as minhas respostas. Teria, digo: a condicional é obrigatória porque nada nem ninguém me assegurou ter visto a via adequada. Não me arriscaria em ser como o cego do Evangelho, aquele que quer guiar outro cego, terminando todos no buraco? Assim, certas escolhas pastorais do “bispo de Roma”, como ele prefere ser chamado, convenceram-me; mas outras me deixaram perplexo, pareceram-me pouco oportunas, talvez suspeitas de populismo capaz de obter um interesse tão vasto como superficial e efêmero. Teria que observar algumas coisas a propósito das prioridades e dos conteúdos, na esperança de um apostolado mais fecundo. Teria, pensaria: no condicional, repito, como exige uma perspectiva de fé, onde qualquer pessoa, mesmo laico (o recorda o Código Canônico) pode expressar seus pensamentos, desde que de forma calma e motivado nas táticas de evangelização. Deixamos a cargo do homem que saiu vestido de branco do Conclave a estratégia geral e, acima de tudo, a custódia do “depósito da fé”. Em qualquer caso, não nos esqueçamos do que o próprio Francisco lembrou em seu duro discurso à Cúria: é fácil, ele disse, criticar os sacerdotes, mas quantos estão orando por eles? Querendo também recordar que ele, na Terra, é o “primeiro” entre os sacerdotes. E, portanto, pedindo, a quem critica, essas orações de que o mundo se ri, mas que guiam, em segredo, o destino da Igreja e do mundo inteiro.

(Texto publicado no dia 24/12/2014 no jornal italiano Corriere della Sera.)

(Veja também os demais artigos da Coleção Igreja Hoje.)

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