Dom Oscar Romero

O mártir católico “sequestrado” pela ideologia marxista

Lumen ad Viam
Igreja Hoje

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Por Padre Dwight Longenecker

Meu primeiro encontro com o arcebispo Romero ocorreu quando eu era padre anglicano e vivia na Inglaterra.

Jovem seminarista Oscar Romero

Em 1998, o Decano da Abadia de Westminster encomendou uma série de esculturas para ocupar os nichos vazios na frente ocidental da abadia, para homenagear os mártires do século 20. A escolha dos mártires foi deliberadamente internacional, multi-racial, ecumênica, e conscientemente controversa.

Assim, Martin Luther King ficou ao lado da Grã-Duquesa Elizabeth da Rússia. Ao lado deles, São Maximiliano Kolbe, o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer e a missionária presbiteriana Elizabeth John. Os outros são um anglicano da Papua Nova Guiné, um evangélico chinês e dois arcebispos: o arcebispo anglicano Janani Luwum — assassinado sob o regime de Idi Amin — e o arcebispo Oscar Romero.

Romero nasceu em uma família pobre de El Salvador e entrou no seminário menor com 13 anos de idade. Mostrando ser especial, foi enviado para estudar em Roma, onde foi ordenado em 1942. Voltou para El Salvador, servindo como pároco, e em seguida, bispo auxiliar de San Salvador, bispo de Santiago de Maria, e , finalmente, em 1977, foi nomeado arcebispo de San Salvador e líder dos católicos do país. Sua nomeação foi recebida com consternação por alguns teólogos da libertação por causa de sua reputação de ser demasiadamente conservador.

Arcebispo Oscar Romero e Pe. Rutilio Grande (de cabeça baixa). Padre Rutilio foi assassinado no dia 12 de março de 1977

Um mês depois de tomar posse, o amigo íntimo de Romero, o padre jesuíta progressista Rutilio Grande, foi assassinado. Aquilo mudou a vida de Romero. Ele disse mais tarde: “Quando eu olhei para Rutilio, deitado, morto, eu pensei: ‘Se eles o mataram por fazer o que ele fazia, então eu, também, preciso trilhar o mesmo caminho’”.

Começou a falar contra os abusos de direitos humanos do governo revolucionário de direita, e escreveu para o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Em fevereiro de 1980, fez um discurso na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica: “Em menos de três anos, mais de 50 sacerdotes foram atacados, ameaçados, caluniados. Seis já são mártires — eles foram assassinados. Alguns foram torturados e outros expulsos [do país]. Freiras também foram perseguidas. A estação de rádio arquidiocesana e instituições de ensino católicas ou de inspiração cristã foram atacadas, ameaçadas, intimidadas, e até bombardeadas… vocês podem imaginar o que aconteceu com os cristãos comuns, os camponeses, os catequistas, ministros leigos e com as comunidades. Houve ameaças, prisões, torturas, assassinatos, contados às centenas, aos milhares…”.

Dom Romero levou um tiro certeiro no dia 24 de março de 1980

Um mês depois, Romero foi morto enquanto celebrava a missa em uma tranquila capela nos subúrbios de San Salvador. Seu funeral causou enorme comoção, arrastando uma multidão de mais de um quarto de milhão de pessoas. E se transformou em protesto, que descambou em violência, e o arcebispo imediatamente se tornou um mártir para a esquerda, que havia inicialmente desconfiado dele.

O arcebispo oficiava a missa neste altar na capela do hospital da Divina Providência em San Salvador, quando foi assassinado

Em meio às emoções despertadas pela teologia da libertação, eu, que sou um conservador por natureza, assumi que Oscar Romero era um marxista. Era difícil evitar essa conclusão, uma vez que ele havia se tornado um garoto-propaganda para a causa da esquerda. Vinte anos depois, como padre católico, eu mantinha as mesmas dúvidas sobre o arcebispo Romero. Então, eu tive a oportunidade de acompanhar, em viagens missionárias para El Salvador, equipes de estudantes do ensino médio americano.

Minha primeira impressão foi de que Romero, de fato, era parte da banda marxista dos católicos. Alguns de nossos anfitriões em El Salvador, que eram das classes mais pobres, expressaram sua tristeza por Romero, a memória por sua morte ainda é forte no país. Como ele poderia ser outra coisa, senão, um marxista, quando vimos seu perfil pintado em pichações de propaganda ao lado dos bustos de Allende, Marx e Che Guevara? Além disso, Roma parecia cautelosa sobre o martírio de Romero. Ele era um mártir da fé, ou foi assassinado em um ato de violência política? Pagou o preço final por ser um seguidor de Jesus Cristo, ou por ser um seguidor de Karl Marx?

Papa São João Paulo II diante do túmulo de Dom Oscar Romero

Em uma investigação mais aprofundada, descobri que o Papa São João Paulo II, de forma consistente, se posicionou a favor de Romero. Apesar da oposição, ele visitou seu túmulo na catedral de San Salvador, em 1983, e incluiu-o numa lista de mártires modernos venerados durante as orações do Jubileu do milênio. Apesar dos especuladores argumentarem que a causa de Romero tenha sido adiada devido às suspeitas de sua ligação com a teologia da libertação, Roma sempre negou que este fosse o caso.

Dom Romero e o Papa Paulo VI

Em minhas viagens missionárias a El Salvador, levei os alunos para visitar o local do martírio de Romero e seu modesto apartamento, transformado em museu, cheio de pertences, incluindo os óculos quebrados, breviário, e vestes manchadas de sangue. Minha convicção é que Dom Romero não era um teólogo da libertação ou marxista, mas um bom e fiel pastor que se levantou corajosamente contra a violência e corrupção. Embora os autores da violência, em seu caso, tenham sido esquadrões da morte de direita, ele falou com a mesma firmeza contra a violência da esquerda. Ele pode ter sido amigo de alguns que eram simpáticos à teologia da libertação, mas ele também estava intimamente ligado ao movimento conservador Opus Dei [nota do tradutor: Dom Romero escreveu uma carta ao Papa Paulo VI, em 12/07/1975, algumas semanas após a morte do fundador do Opus Dei, São Josemaria Escrivá, pedindo a abertura da causa de canonização].

Depois de seu martírio, o arcebispo Romero foi sequestrado pela causa esquerdista. E pode ser que isso tenha feito com que seu processo de canonização se movesse lentamente, mas qualquer um que olhasse sua vida, logo perceberia que ele era simplesmente um pastor fiel, que se levantou pelos pobres e perseguidos. E nisso, ele estava ao lado de toda a Igreja, que sempre teve preferência pelos mais pobres.

Dom Romero e São João Paulo II

A objeção da Igreja Católica à teologia da libertação não é porque ela luta pelos pobres, mas porque ela filtra o evangelho de Jesus Cristo através de lentes exclusivamente revolucionário-marxistas. O perigo da teologia da libertação é que o evangelho salvador do Senhor é reduzido à luta de classes e à revolução armada. A ajuda aos pobres e o estímulo à mudança social, em substituição à mensagem salvífica de Jesus Cristo e de sua Igreja. Em outras palavras, a teologia da libertação substitui a eterna mensagem de salvação por uma ideologia que visa apenas fazer deste mundo um lugar melhor.

Como todas as heresias, a teologia da libertação não está completamente errada; ao contrário, é incompletamente certa. A heresia é uma verdade parcial ou uma distorção da verdade. Neste caso, o amor da Igreja pelos pobres e a compaixão pelo sofrimento deles, substituem a sua missão primária, que é a salvação das almas. Em outras palavras, colocaram o segundo grande mandamento, o amar ao próximo, à frente do primeiro, que é amar a Deus. Como resultado, os sacerdotes se tornaram assistentes sociais, políticos e revolucionários, em vez de pastores de almas.

O arcebispo Romero manteve as corretas prioridades, e o fato de ter sido baleado enquanto celebrava a missa, e não durante um protesto político, diz tudo. Ele estava do lado dos pobres, porque estava do lado de Jesus Cristo. Ele criticou governos opressores, porque via naqueles perseguidos o Cristo sofredor. Ele pediu paz e justiça, mas primeiro e acima de tudo, ele chamou as pessoas para a paz e a justiça que só pode vir por meio de uma devoção mais profunda e completa pelo Príncipe da Paz.

Em seu diário, em 04 fevereiro de 1943, Romero escreveu: “Nos últimos dias, o Senhor inspirou em mim um grande desejo de santidade… Eu estive pensando em quão longe uma alma pode subir se ela se deixa ser possuída inteiramente por Deus”. Seu amor aos pobres, sua vida simples e seu martírio final, confirmam que Oscar Romero tinha a correta prioridade: primeiro amar a Deus, para depois, como consequência, amar o próximo.

(Texto publicado em 04/02/2015 na revista Crux.)

(Veja também os demais artigos da Coleção Igreja Hoje.)

Dwight Longenecker é padre da paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Greenville, na Carolina do Sul, Estados Unidos. Mais informações sobre ele em seu site e blog.

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