Para a Igreja, o celibato sempre existiu

Lumen ad Viam
Igreja Hoje
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5 min readMar 29, 2020

Por Vittorio Messori

As vastas e precisas informações de Sergio Romano, sobre os mais variados temas, são muitas vezes admiráveis e dignas de leitura atenta.

Sergio Romano: escritor, jornalista e historiador italiano

No entanto, mesmo ele, como é de se esperar, pode dar uma mancada, especialmente no intrincado campo da história eclesiástica, onde os estudiosos católicos também tropeçam.

Em resposta a um leitor, no Corriere della Sera de 2 de junho, Romano escreveu que o celibato para padres católicos “teria se tornado obrigatório, pelo menos em teoria, no Concílio de 1139”. Naquele ano, fora realizado o segundo Concílio de Latrão, que estabeleceu que todos os matrimônios contraídos por padres ou mesmo por leigos consagrados com voto de castidade, não eram apenas ilegais, mas também inválidos.

Cardeal Alfons Stickler (1910–2007)

Comenta o cardeal Alfons Stickler, historiador de extraordinária erudição, por uma vida inteira bibliotecário e arquivista da Santa Igreja Romana, autor de uma obra considerada definitiva: “Essa disposição conciliar criou uma convicção ainda hoje difundida: a de que somente a partir daquele Concílio o celibato sacerdotal teria sido introduzido. Na verdade, tornou-se inválido o que sempre fora ilícito. Portanto, esta sanção foi, sobretudo, mais uma confirmação de uma obrigação existente desde tempos imemoriais”.

Stickler, falecido há poucos anos, começou as apenas setenta (mas densíssimas) páginas de seu livro, O celibato sacerdotal — história e fundamentos, especificando: “Estamos habituados a falar celibato, que é a renúncia ao matrimônio por parte dos candidatos ao sacerdócio. Na verdade, deveria ser usado o termo mais amplo: continência”. A continência deve ser observada não apenas renunciando o matrimônio, mas também ao não se fazer uso dele se já estiver casado.

Livro do cardeal Stickler, O celibato sacerdotal — história e fundamentos, na versão em língua inglesa

De fato, na Igreja antiga, a maioria do clero era composta de homens maduros — os viri probati — que, com o consentimento da esposa, entravam nas Ordens Sagradas deixando a família, cujas necessidades materiais eram providas pela comunidade dos fiéis.

Acontece frequentemente de lermos, mesmo entre autores sérios, que a obrigação desse abandono da consorte, com o consequente compromisso da continência perfeita, teria sido decidida apenas por volta do ano 300, no Concílio, ou melhor, no Sínodo de Elvira, na Espanha. Outros, como Romano (já vimos), datam essa obrigação, em 1139.

Bem, no cânon 33 das atas de Elvira, lê-se: “Os Padres Sinodais estão de acordo com a proibição completa, para todos os clérigos empenhados no serviço do altar, de manterem esposas e de gerarem filhos. Quem fez isso deve ser excluído do estado clerical”. Stickler comenta: “Não se trata, como podemos ver, de uma nova disposição. Em vez disso, é a reação contra a inobservância de uma obrigação tradicional bem conhecida e à qual se unia uma sanção”.

Que Elvira apenas reafirmou a Tradição ininterrupta e não impôs uma novidade de peso extraordinário, o demonstram as atas de muitas outras assembleias de bispos. Por exemplo, o Concílio de Cartago (ano 390), que reiterou por unanimidade a obrigação do celibato ou da continência, e, assim, “guardar o que os apóstolos ensinaram e que todo o passado sempre conservou”.

Às decisões conciliares é possível acrescentar o testemunho dos principais Padres da Igreja, de Ambrósio a Jerônimo, de Agostinho a Gregório Magno: todos reiteraram que a castidade para sacerdotes remonta aos tempos apostólicos, portanto, aos primórdios do cristianismo.

Mas, para avançar agora às igrejas orientais, especialmente às greco-eslavas, ainda citamos o cardeal Stickler: “Diante de uma atitude considerada mais liberal por parte dessas comunidades, censurou-se a Igreja Católica por ter se tornado muito severa em sua disciplina celibatária”.

Realmente, entre os ortodoxos, apenas os bispos devem preservar a virgindade se, como acontece com frequência, vierem dos monastérios, ou devem viver a continência absoluta se já forem casados. Os “simples” padres, de paróquia, podem ser casados, desde que seja o primeiro e único matrimônio, e tenha sido contraído antes da ordenação. Mas, até o final do século VII não era assim, e na Igreja indivisa, tanto no Oriente quanto no Ocidente, havia as mesmas regras restritivas sobre sexo, na convicção unânime que derivava da Tradição Apostólica.

O Concílio de Nicéia, no ano 325, reiterou a proibição para todos os clérigos de manterem em casa mulheres que não fossem mães e irmãs.

Mas a obrigação de celibato ou continência exigia uma autoridade que exercesse controle constante e rigoroso, algo que muitas vezes faltava no Oriente. Diante da disseminação de abusos, os imperadores de Bizâncio, que se arrogavam autoridade em questões eclesiais, escolheram o caminho mais fácil para o poder político, tolerando e defendendo esses abusos. Stickler: “Embora ao menos para os bispos fosse possível manter a antiga tradição restritiva, o abuso cada vez mais difundido do matrimônio entre os membros do clero inferior não pôde mais ser detido”.

A rendição, de fato, ocorreu no Concílio de Trullo, convocado em 691, não por acaso no palácio imperial de Constantinopla. A Igreja, impotente, escolheu o mal menor. Mas ainda hoje, no Oriente, não faltam homens de autoridade que gostariam de voltar à situação dos primeiros sete séculos, e que a Igreja Católica Romana conseguiu preservar.

Por fim, é bom que se diga, é infundada a convicção de que a abolição do celibato aumentaria os candidatos ao sacerdócio: o matrimônio não impediu a crise numérica imparável de padres ortodoxos, de pastores protestantes, e de rabinos judeus.

E uma esposa, para padres católicos, também não evitaria o abuso sexual de menores: na América (mas a situação é análoga na Europa), mais de oitenta por cento dos casos relatados dizem respeito a homossexualismo. Portanto, não está claro como uma esposa poderia deter um pederasta, mesmo se ele fosse consagrado.

(Texto publicado no jornal italiano Corriere della Sera, em 06/06/2010.)

(Veja também os demais artigos da Coleção Igreja Hoje.)

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