CBLoL: Uma crítica à representação feminina em um dos principais campeonatos de jogos online do país

Em oito anos de competição, o cenário continua com baixa representação feminina

Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo
4 min readSep 22, 2020

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Imagem: Reprodução

Segundo a sétima edição da Pesquisa Game Brasil (PGB), feita em 2020, mais da metade dos gamers no Brasil são mulheres, representando 53,8%. Porém, o ambiente ainda é dominado pelo masculino. Desde a representação das personagens femininas até as atribuições dadas às jogadoras, tudo é estereotipado, sexualizado e menosprezado. O cenário se torna mais problemático quando se trata do ambiente competitivo.

Em oito anos de CBLol, o principal campeonato da modalidade no país, apenas três mulheres estiveram perto de disputar o campeonato. A primeira mulher a entrar em um time profissional de League Of Legends do país foi a estudante Geovana Moda, em 2014, dois anos depois do nascimento do campeonato no país. Ela entrou para a equipe KaBum e apesar de ser a primeira player mulher na disputa, Geovana foi contratada como reserva do time.

Apesar de ser a jogadora contratada para jogar em equipes profissionais, ela não foi nem apresentada para a comunidade: os materiais de apresentação da nova integrante não foram publicados pelo LoL E-sports BR, canal oficial da Riot Games Brasil — empresa que lançou o jogo -, como de costume. O descaso não parou por aí. Ela não teve nenhuma oportunidade de jogar no time, então decidiu sair da equipe meses após a sua entrada. Após a saída, Geovana decidiu se distanciar do cenário competitivo.

Depois disso, o cenário profissional de League Of Legends brasileiros ficou dois anos sem a participação feminina. Em 2017, Julie Akemi, conhecida como “Cute” passou a integrar a categoria de base da CNB. Ela foi a primeira mulher a ser escalada para a disputa da Superliga ABCDE naquele ano. Sua participação foi breve, assim como de Geovana. Após sua escalação, Julie recebeu inúmeros comentários preconceituosos e misóginos, o que piorou após a derrota de 2–0 para a ProGaming. Esse panorama a levou a se afastar da carreira de jogadora profissional.

Dois anos depois, em julho de 2019, Júlia Nakamura, conhecida como “Mayumi”, e Tainá Santos, conhecida como “Yatsu”, entraram para a INTZ, após serem selecionadas para a equipe por meio do Projeto Invocadoras, criado pelo clube visando aumentar a contratação de mulheres no time. Apesar da proposta inicial, as duas cyber-atletas tiveram que enfrentar a misoginia: as jogadoras não foram incluídas nas atividades do time, não tiveram acompanhamento técnico e tiveram que treinar apenas na modalidade SoloQ, que as impossibilitava de treinar com o time.

Júlia jogou na Superliga ABCDE de 2019, como suporte — posição muito atribuída às mulheres jogadoras. No ano seguinte, foi inscrita na primeira etapa do CBLol, mas foi substituída pelo atleta Bruno Ferreira, “Hauz”, que entraria como suporte reserva. Após o episódio, a player decidiu sair da equipe. A saída também redundou em uma denúncia por parte da jogadora para com o clube, que alegou assédio moral por ter sido afastada das atividades esportivas e colocada como uma peça para ações publicitárias. O clube negou as alegações e decidiu multar a atleta em R$ 320 mil.

Tainá, porém, não teve nem a oportunidade de jogar a Superliga, tampouco participar do CBLoL 2020. Atualmente, seu status na equipe consta como inativa.

Diante desse panorama, podemos notar como a representação feminina no principal campeonato da modalidade no país é extremamente baixa. Mulheres são impossibilitadas até mesmo de participar como jogadoras reservas e precisam enfrentar um caminho cheio de hostilidade e obstáculos masculinos. Quando não colocada como incapaz de compor o time principal, a mulher consegue participar, predominantemente, de atribuições muito ligadas ao cuidado, como a função de suporte, por exemplo, reduzindo a capacidade feminina a arquétipos de gênero.

Outro fator que também reforça arquétipos de gênero é ser colocada como peça publicitária. A atleta é contratada para jogar, mas é obrigada a trabalhar como modelo, como que só por ser mulher, deve servir aos papéis ligados ao exterior e à beleza. E quando isso acontece, normalmente, a mulher passa a ser objetificada.

Está mais do que na hora da Riot Games, que tem entre os seus valores a Diversidade e Inclusão, proporcionar um ambiente de trabalho menos machista e hostil para essas profissionais. A contratação de mulheres como reservas, que são impossibilitadas de participar de competições, não é uma inclusão verdadeira. A diversidade em times mistos não pode ser fingido. Atualmente, os times mistos podem facilmente ser confundidos com times masculinos.

E se o cenário já é preconceituoso o bastante para com mulheres cis, para mulheres trans é ainda pior. Nenhuma mulher trans participou de grandes campeonatos. Todas essas mulheres, cis ou trans, devem ser contratadas de forma séria, para funções de destaque e não podem ser impedidas de participar de grandes competições. Talvez assim, começaremos a vislumbrar uma igualdade nos E-sports.

Júlia Ozorio

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Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo

Jornalismo UFRGS. Codiretora do coletivo Iguana Jornalismo. Excêntrica.