Dia Internacional da Democracia: o retrato nas constituições brasileiras

O longo caminho da democracia nesses 131 anos como República mostram sua fragilidade

Nicole Goulart
Iguana Jornalismo
7 min readSep 16, 2020

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Arte: Júlia Ozorio

O dia 15 de setembro é do Dia Internacional da Democracia. A data foi estabelecida em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de celebrar, promover e proteger esse regime político. No princípio da criação deste dia está a Declaração Universal da Democracia.

A União Interparlamentar (UIP), no dia 16 de setembro de 1997, aprovou a declaração em uma reunião com 128 representantes mundiais na cidade do Cairo, Egito. Este documento é dividido em três partes: Os princípios da democracia; Os elementos e o exercício de um governo democrático; A dimensão internacional da democracia.

Como ideal, a democracia destina-se essencialmente a preservar e promover a dignidade e os direitos fundamentais do indivíduo; alcançar a justiça social; e fomentar o desenvolvimento econômico e social da coletividade, reforçando a coesão social e a tranquilidade da nação, proporcionando o equilíbrio interno, para criar um ambiente favorável à paz internacional. Como forma de governo, a democracia é a melhor forma de se alcançarem esses objetivos e também o único sistema político que tem a capacidade de promover sua correção.” — Terceiro Artigo da Declaração

Ainda em 1997, foi criado o Interlegis, um programa do Senado Federal e executado pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), para modernizar e fortalecer o Legislativo. Em 2012, a Secretaria Especial do Interlegis traduziu para o português a Declaração Universal da Democracia.

A democracia no Brasil

A ideia de que a democracia é um direito básico de cidadania e que seu exercício se baseia na liberdade, na diversidade e no interesse coletivo nem sempre foi respeitado. Desde da Proclamação da República, em 1889, o Brasil passou por eleições diretas e indiretas, golpes e tentativas de golpes, presidencialismo e parlamentarismo, impeachments e … constituições.

A constituição é conjunto de normas que regem o Estado, definindo a sua estrutura, a formação dos poderes, a forma de governo, os poderes e funções de uma entidade política, além dos direitos e deveres dos cidadãos. A primeira constituição brasileira foi instituída na época do Império. Nos últimos 131 anos como República foram seis constituições e cada uma delas reflete os progressos e retrocessos nos direitos dos cidadãos, no desenvolvimento do país e no alcance do ideal democrático.

Constituição de 1891

A primeira constituição da República brasileira foi promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891 e marcou a transição entre a monarquia e o nova estrutura política. Seu texto, elaborado majoritariamente por Prudente de Morais e Rui Barbosa, foi inspirado nas constituições da Argentina, dos Estados Unidos e da Suíça.

Ficou estabelecido que o regime era presidencialista, com três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Poder Moderador que existia na monarquia foi extinto. Houve também a separação do Estado da Igreja Católica.

O presidente era escolhido por voto direto e não secreto para mandato de quatro anos sem direito a reeleição. De acordo com o Art. 70, o eleitor brasileiro precisava ser maior de 21 anos. Mulheres, analfabetos, moradores de rua, soldados e membros de ordens religiosas não podiam votar.

O direito ao habeas corpus foi instituído a partir desta Carta.

Constituição de 1934

No contexto político da Revolução de 1930 e da Revolta Paulista de 1932, a Constituição de 1934 foi promulgada em 16 de julho pela Assembleia Nacional Constituinte. Teve influência da constituição da República de Weimar e durou apenas três anos.

O sistema se manteve presidencialista, mas o voto passou a ser secreto e obrigatório para maiores de 18 anos. Foi instituído o voto feminino, que já era garantido pelo Código Eleitoral de 1932.

A redação dessa Carta avança nos direitos dos trabalhadores. O Art. 121 previa a criação da legislação trabalho que incluía salário mínimo, jornadas de trabalho de oito horas diárias, férias anuais remuneradas, indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa, repouso semanal, assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, e a regulamentação das profissões.

Este artigo proibia a diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. O trabalho a menores de 14 anos também era proibido, assim como o de trabalho noturno a menores de 16 e, em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres.

A Justiça do Trabalho foi criada no Art. 122 e a Justiça Eleitoral na seção IV.

Constituição de 1937

Conhecida como Polaca, a Constituição de 1937 foi outorgada por Getúlio Vargas no dia 10 de novembro. A terceira constituição do período republicano era a consolidação do golpe que instaurou o Estado Novo.

Elaborada e escrita em sua maior parte pelo advogado e político Francisco Campos, as medidas centralizam o poder na figura do presidente da República em um mandato de seis anos e fechavam o Congresso Nacional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais.

A imprensa estava sujeita à censura prévia. Além disso, nenhum jornal podia se recusar a publicar comunicados do Governo.

Não há menção a partidos políticos como constata o Volume IV da coleção Constituições Brasileiras do Senado Federal. Em dezembro de 1937, um mês após a promulgação da Carta, Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 37 dissolvendo os partidos políticos. Eles poderiam continuar a existir como sociedade civil para fins culturais, beneficentes ou desportivos, mas não com a mesma denominação.

A Justiça Eleitoral também não foi mencionada no texto. Somente no Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945, que foram estabelecidos órgãos de serviços eleitorais que existiam antes da criação da Justiça Eleitoral em 1934.

Constituição de 1946

Elaborada por uma Assembleia Constituinte, a quinta constituição foi promulgada em 18 de dezembro de 1946. Retornou medidas da Constituição de 1934, como a separação dos Três Poderes e o habeas corpus.

As eleições foram retomadas e o mandato do presidente passou a ser de cinco anos, sendo escolhido por voto secreto e direto. Pessoas analfabetas continuavam sendo excluídas do processo eleitoral.

No Capítulo II “Dos Direitos e das Garantias Individuais” fica garantido na lei que todos são iguais. Os indivíduos também são livres para manifestar seu pensamento e exercitar sua religião. Além disso, o cidadão não poderá ser privado de seus direitos por suas convicções religiosas, políticas ou filosóficas.

Nesse período entre ditaduras, o país elegeu quatro presidentes. Eurico Gaspar Dutra (1946–1950) e Juscelino Kubistchek (1956–1961) foram os únicos que terminaram seus mandatos. Getúlio Vargas (1951–1954) cometeu suicídio e Jânio Quadros (1961) ficou apenas sete meses.

João Goulart (1961–1964) era o vice-presidente de Jânio Quadros e assumiu a presidência. Entretanto, foi instaurado o parlamentarismo e o Primeiro Ministro foi Tancredo Neves. O presidencialismo voltou depois do resultado do plebiscito de 1963. No ano seguinte, os militares deram um golpe e tomaram o poder.

Constituição de 1967

A Constituição de 1967 foi promulgada em 24 de janeiro e entrou em vigor no dia 15 de março, institucionalizando e legalizando o regime militar. O texto centralizou o poder no Executivo, definiu eleições indiretas com mandato de cinco anos para o presidente e reuniu os Atos Institucionais.

Os Atos Institucionais eram normas constitucionais elaborados entre 1964 e 1969. Ao todo foram 17 atos, sendo os cinco primeiros os mais conhecidos. A própria constituição é fruto do AI-4.

fonte: Palácio do Planalto

Constituição de 1988

A Constituição de 1988 foi promulgada em 5 de outubro, sendo chamada de Constituição Cidadã por ser um símbolo da redemocratização e garantir direitos fundamentais. Seu texto foi inspirado nas propostas da Reforma de Base do ex-presidente João Goulart e na Constituição da República Portuguesa de 1976.

Os fundamentos da República estão expressos nos quatro primeiros artigos. Os direitos e as garantias individuais reúnem doze artigos. Entre eles está o Art. 5º que diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.

Houve separação dos Três Poderes com o fortalecimento do Judiciário. No Executivo, o mandato presidencial era, inicialmente, de cinco anos, mas foi alterado em 1997 e passou a ser de quatro anos. O voto é obrigatório para maiores de 18 anos e se tornou facultativo para maiores de setenta, maiores de 16 e menores de 18, e para analfabetos.

Vigente há 32 anos, essa constituição continua sofrendo alterações que caracterizam o processo democrático.

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