Direitos Humanos e segurança alimentar

Entrevista com Maister da Silva, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores

Iguanajornalismo
Iguana Jornalismo
5 min readJan 29, 2021

--

(Foto: arquivo pessoal)

“Costumo dizer que sou mais um negro gaúcho, como tantos, que a árvore genealógica não consegue ir além de três ou quatro gerações passadas”. É assim que Maister da Silva,militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e membro do Instituto de Estudos Contemporâneos (FRONT), enxerga a sua realidade e a de seus antepassados. Ele também já militou no Levante Popular da Juventude.

Para Maister, estamos vivendo um momento em que é preciso buscar a reafirmação e manutenção dos direitos conquistados frente à tentativa de desmonte das estruturas sociais e políticas. No campo trabalhista, por exemplo, desde 2016, com o governo do ex-presidente Michel Temer, houve uma série de leis e decretos nas três esferas (federal, estadual e municipal) que desestruturaram e fragilizaram a proteção social dos trabalhadores.

A lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, foi o marco da reforma trabalhista. Ela modificou as regras relativas à remuneração, plano de carreira e jornada de trabalho. Além disso, ela trouxe a possibilidade de negociação de direitos entre empregador e empregado sem o amparo do Estado. Em outras palavras, o trabalhador perdeu o amparo legal do Estado e alguns direitos conquistados.

A não taxação das grandes fortunas é outro problema apontado por Maister no contexto brasileiro. “A Argentina taxou as grandes fortunas recentemente, é uma conquista coletiva importante”, pontua o militante. Além da Argentina, outros países já aderiram a essa estratégia, como Noruega, Suíça, França e Espanha. Na Noruega e Suíça, o imposto sobre a fortuna é descentralizado, é arrecadado pelos governos regionais e cobrado apenas de pessoas físicas — empresas não são taxadas. Já na França, Espanha e Argentina, os três países cobram impostos sobre grandes fortunas de modo centralizado e a cobrança é feita apenas sobre pessoas físicas. A diferença é que na França e na Espanha as alíquotas (percentual ou valor fixo que será aplicado para o cálculo do valor de um tributo) são progressivas, enquanto na Argentina a alíquota é única.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Economia, de 2016, cerca de 25,7 mil pessoas, que representavam apenas 0,2% da população adulta no país, concentravam uma fortuna média equivalente a R$ 52,2 milhões, ou seja, 16,6% de toda riqueza declarada. Além disso, um grupo um pouco maior, de 324 mil pessoas (1,2% da população), tinha uma renda média de R$ 52,8 mil e concentrava 32,9% da riqueza líquida declarada. Para o economista Pedro Humberto de Carvalho, se fosse cobrado um imposto progressivo sobre essas grandes fortunas, poderia ser gerado cerca de R$ 38,84 bilhões em receita, o que corresponde a 0,63% do produto interno bruto (PIB) do país. E esse valor poderia ser utilizado para programas sociais, como o Bolsa Família.

Apesar de Maister reconhecer a importância das novas tecnologias e de uma comunicação cada vez mais rápida e eficaz, ele também pontua alguns problemas da sociedade contemporânea.

“Esse mundo novo que se apresenta mais dinâmico, de informação instantânea e onde o capital reorganiza o mundo do trabalho de forma rápida e mais ávido por lucro é cada vez menos sensível às questões sociais”.

No atual contexto de pandemia, para Maister, um dos erros das esferas políticas é não se atentar para os problemas já existentes, mas que se acentuaram com a covid-19, como o saneamento básico. “A saúde com certeza é uma prioridade, mas junto com a saúde vem outras questões muito caras para a cidade. Por exemplo, não há como tratar a saúde como prioridade se o saneamento básico não for prioridade.” Outras questões sensíveis que já existiam e foram potencializadas, segundo Maister, são a fome, o défict habitacional, o desemprego e os direitos das mulheres e pessoas idosas. “Tudo são coisas que estavam aí e que movimentos amplos ou pequenas agremiações de pessoas denunciavam e discutiam em suas comunidades, fóruns de discussão e entidades representativas”, explica o militante.

Para Maister, é preocupante o aumento do número de casos de violência contra as mulheres e idosos durante o período de isolamento social. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil registrou 648 feminicídios no primeiro semestre de 2020, 1,9% a mais que no mesmo período de 2019. E o número de denúncias de violência e maus tratos contra os idosos cresceu 59% no país, durante a pandemia, segundo dados do Disque 100. Somente entre março e junho desse ano, foram registradas 25.533 denúncias (houve um aumento de 9494 casos se comparado ao mesmo período do ano anterior).

Uma das questões que Maister mais estuda e domina é a pauta da segurança e soberania alimentar. E essa é uma temática preocupante, principalmente porque o nosso país está voltando para o mapa da fome. No Brasil, a estimativa é de que 5,4 milhões de pessoas (o que equivale a população da Noruega), fiquem em situação de extrema pobreza em razão da pandemia. E o total chegaria a 14,7 milhões até o fim de 2020 (o que corresponde a 7% da população), segundo estudos do Banco Mundial.

O Brasil conseguiu sair do Mapa Mundial da Fome, em 2014, durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. E apesar do país estar retornando a uma situação crítica, para Maister, as esferas políticas não estão adotando estratégias eficazes para resolver o problema. “À medida que aumenta o desemprego, aumenta a insegurança alimentar. O Brasil está de volta ao mapa da fome e a política econômica equivocada do governo federal agrava diariamente essa condição de milhões de famílias brasileiras”, acrescenta.

Maister também pontua o cenário preocupante da segurança alimentar no Rio Grande do Sul. “Aqui no RS é ainda pior, ano passado o estado enfrentou uma das piores secas dos últimos 20 anos, logo depois veio a pandemia e o governador continua enclausurado no Piratini fazendo seus comunicados sem nenhuma política efetiva que enfrente a crise de fato. São milhões de toneladas de alimentos que se perderam e milhares de famílias endividadas que não puderam pagar as contas da safra anterior. Isso reflete diretamente no prato da população urbana, o alimento fica mais caro”.

Apesar dos retrocessos em diferentes áreas, nos últimos anos, Maister acredita em melhoras futuras e destaca a importância de estudar e lutar pelos nossos direitos. “A cada pessoa que a universidade forma, ela está mudando o mundo. A cada conquista do movimento popular organizado muda-se um pouquinho o mundo. Esse mundo novo que hora posta-se diante de nós precisa ser mudado, queremos um mundo mais igualitário que trate o desigual, conforme a desigualdade impõe.”

Filipe Pimentel

--

--