No dia Internacional da Mulher, estudante é rejeitada em processo seletivo por ser mulher

De acordo com a agência de talentos, a empresa teria preferência por homens

Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo
4 min readMar 30, 2021

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A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação, inclusive no tocante ao mercado de trabalho. (Foto: arquivo pessoal)

No último Dia Internacional da Mulher, data lembrada pela reivindicação de melhores condições de trabalho e igualdade de direitos femininos, a estudante de arquitetura Caroline Palácio foi surpreendida com uma mensagem enviada para o seu e-mail. Se tratava de um retorno de um processo seletivo mediado pela agência de talentos Super Estágios. De acordo com a mensagem, a estudante não atendia aos pré-requisitos da vaga. A empresa teria preferência por homens. Na época, Caroline cursava Publicidade e Propaganda e resolveu se candidatar para uma vaga de social media.

“A vaga era para pessoas a partir do quarto semestre e eu ainda não tinha chegado. Então, eu tinha pensado que era isso, mas aí eu vi que era porque a empresa preferia homem e fiquei sem acreditar. Eu sei que isso existe, mas não é normal a empresa ser franca assim”, comenta Caroline.

Segundo Luanny Monteiro, Advogada Cível, não pode haver, de acordo com o ordenamento jurídico vigente, nenhuma discriminação em razão de sexo, raça, idade, orientação sexual ou qualquer outra distinção ao realizar a contratação de pessoas. Além disso, uma vez comprovada tal conduta a empresa pode responder a processo.

Caroline publicou, em suas redes sociais, uma foto do e-mail e a imagem viralizou. Muitos internautas entraram em contato com a Super Estágios para entender o ocorrido e demonstrar repúdio. Por conta da pressão externa, a agência ligou para a candidata, assumiu toda a responsabilidade e não quis contar o nome da empresa recrutadora. Segundo a Super Estágios, isso é confidencial. Eles também não quiseram registrar as conversas via e-mail.

“Depois que repercutiu muito, a Super Estágios do Rio de Janeiro me ligou, mas eu não podia falar porque estava em aula. Quando me ligou depois já era a sede de Fortaleza. Eles me pediram desculpa e falaram ‘a culpa é nossa, foi uma falha de uma pessoa novata que a gente tá treinando. Era o requisito de outra vaga, na verdade, de um lugar mais perigoso. Eu não vejo como um preconceito, mas um cuidado, porque é um local que você não tem um acesso fácil, só de moto’”, conta a estudante.

De acordo com Janaína Gama, Consultora Sênior de Diversidade e Inclusão da Mais Diversidade, não existe nada que sustente essa afirmação. “A empresa errou nos dois posicionamentos: no primeiro, é claro, por dar preferência ao homem, e no segundo, porque o que é perigoso para uma mulher, também é perigoso para um homem. Eles não poderiam fazer essa distinção de gênero para a vaga”, explica.

Nos comentários da postagem, a reportagem identificou, até o momento, outras oito mulheres que relataram situações similares. Porém, de acordo com Caroline, o número de mulheres que entraram em contato com ela para relatar foi ainda maior. “Eu recebi muita mensagem, de muita gente dizendo que já passou por isso, que a irmã passou, a prima passou. E situações até piores que a minha, de contratar uma mulher porque ela era boa para treinar os colegas homens e depois demitir”, complementa Caroline.

A reportagem entrou em contato com a Super Estágios, mas não obteve retorno.

O que fazer caso isso ocorra comigo?

Separamos algumas dicas da advogada Luanny Monteiro, especialista em Direito Cível, que podem te ajudar, caso você sofra discriminação de gênero no mercado de trabalho.

Como a profissional deve agir legalmente depois de um acontecimento como esse?

O primeiro passo é entrar em contato com o profissional especializado para buscar orientação e tentar reunir provas do ocorrido, podendo ser utilizadas conversas de WhatsApp, e-mails e testemunhas que eventualmente tenham presenciado a situação para poder buscar reparação judicialmente.

Infelizmente existe uma dificuldade em provar que a não contratação foi em razão da candidata ser mulher ou por ter filhos, pois as empresas normalmente buscam justificar com outros fatores ou simplesmente não retornam.

Portanto se verifica que é necessário uma mudança na política de contratação das empresas, com programas sociais e políticos de estímulo à contratação das mulheres, o que apresenta um resultado melhor do que somente punir as empresas, é necessário uma desconstrução de pensamentos retrógrados e de valorização da mulher, já que a medida coercitiva muitas vezes não pode ser aplicada por impossibilidade de provar o fato, não podendo ser utilizada como medida exclusiva na tentativa de solucionar esse problema.

Existe uma lei específica que puna empresas e/ou recrutadores que rejeitem profissionais por conta do gênero, raça ou classe social?

A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação, inclusive no tocante ao mercado de trabalho e especificamente a lei 9029/95 trata do assunto, vedando a adoção de qualquer prática discriminatória ou limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho.

Em caso de punição para a empresa, qual tipo de pena ela está sujeita?

Uma vez constatada as referidas práticas pela empresa pode haver aplicação de sanções nas esferas penais, administrativas e cíveis, podendo a empresa ser condenada a indenizar a candidata que sofreu discriminação através de reparação por danos morais, bem como pode ser condenada a multa administrativa e proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais, entre outras punições.

Gabriela Pereira

Júlia Ozorio

Laís Morais

Rafael Pereira

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Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo

Jornalismo UFRGS. Codiretora do coletivo Iguana Jornalismo. Excêntrica.