O hino do Rio Grande do Sul é racista? Veja o que dizem historiadora e parlamentares

Manifestação dos parlamentares amplia discussão que vem sendo pautada a mais de 50 anos na luta do movimento negro para mudar o verso considerado racista do hino.

Gabriela Pereira
Iguana Jornalismo
3 min readMar 13, 2021

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Vereadores da Bancada Negra reunidos na Câmara Municipal de Porto Alegre (Foto: reprodução GZH)

“Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Esse trecho retirado do hino do Rio Grande do Sul, para o vereador Matheus Gomes, apenas “[…] representa uma concepção que apaga negras e negros da nossa história.”

Essa parte do hino riograndense dividiu opiniões no Estado depois que os parlamentares da chamada Bancada Negra (Karen Santos, do PSOL, Bruna Rodrigues, do PcdoB, Daiana Santos, PcdoB, Laura Sito, do PT, e Matheus Gomes, do PSOL) protestaram contra a conotação considerada racista da letra, no dia 1° de janeiro de 2021, ao se recusarem a cantar o hino riograndense durante a cerimônia de posse deles, por julgarem o trecho ofensivo ao povo negro.

Para Ana Paula Ferreira, Graduada em História pela Faculdade de Barretos — SP, o trecho do hino que abre uma discussão para a possibilidade de racismo, se caracteriza pela existência de uma teoria de embranquecimento da população brasileira, que causou inúmeras leis que não permitia a identificação do negro escravizado como cidadão brasileiro e que coincidia com o pensamento da elite local riograndense.

Complementando o pensamento de Ana Paula Ferreira, o vereador Matheus Gomes, que também é formado em história, mas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que “É papel das gerações do presente olhar para o passado e saber quais tradições que na atualidade não contribuem para que tenhamos uma sociedade democrática e igualitária.”

A manifestação dos vereadores ampliou uma discussão que vem sendo pautada a mais de 50 anos na luta do movimento negro para mudar o verso julgado racista do hino. Matheus Gomes explica que, embora o protesto dentro da Câmara tenha partido da Bancada Negra, quem iniciou o debate foi o professor, poeta e militante negro, Oliveira Silveira, que propôs a seguinte mudança no verso do hino: “povo que é lança e virtude, a clava quer ver escravo”.

“A mudança é sutil, não altera a melodia, mas muda profundamente o sentido da estrofe, pois coloca o negro, especialmente os Lanceiros Negros, num lugar ativo na história, com a clava, ou seja, o poder, querendo os escravizar.” — declarou o parlamentar.

Mas outros membros do setor político discordam da necessidade de mudança na letra, como a diretora do Departamento de Manifestações Individuais, Julia Graziela Azambuja, autodeclarada negra, que tornou pública sua insatisfação em mexer no trecho do hino, por conta, justamente, do cunho histórico.

O período em que a letra foi composta pode influenciar no que se intende por virtude, segundo Ana Paula Ferreira.

“Se olharmos pela época, em que o hino foi escrito, dentro do comportamento social vigente e temporal, pode ser considerado o refrão que exprime o comportamento social do século XIX.” — disse a historiadora.

O hino e a história

A crítica dos vereadores vai além da recusa em repedir as palavras que compõem a música. O contexto do hino riograndense tem uma ligação histórica com a escravidão. Durante a Guerra dos Farrapos, que se iniciou em 1835, as pessoas escravizadas lutaram a favor da Provincia do Rio Grande do Sul contra o governo brasileiro em troca de uma possível liberdade, mas Matheus Gomes lembra que o que ocorreu foi, na verdade, o massacre dos Porongos, quando o destacamento militar dos Lanceiros Negros foi desarmado, em um acordo entre tropas Imperiais e Farrapos.

Com um histórico de três alterações, a versão atual do hino riograndense foi escrita pelo compositor Francisco Pinto da Fontoura, também conhecido como Chiquinho da Vovó, e musicada pelo maestro negro Joaquim José Medanha pouco antes do fim da revolução.

Para Ana Paula Ferreira, a história de mudanças no hino é relevante.

“[…] é importante as pessoas se sentirem representadas como cidadãs e se já houve três adequações inteiras do hino, para atender uma parcela da população, que se faça uma adequação de uma linha, para atender a população que elegeu os vereadores negros.” — comentou Ana Paula.

Gabriela Pereira

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Gabriela Pereira
Iguana Jornalismo

Jornalista de 23 anos, moradora do Rio de Janeiro (RJ), com experiência como repórter e vídeorepórter.