O que aprendi com uma mulher indígena urbana sobre direitos humanos

Entrevista com Alice Martins, liderança do Centro de Referência Afroindígena do Rio Grande do Sul

Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo
2 min readDec 22, 2020

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(Foto: Flávio Dutra / Jornal da Universidade)

Era fim de semana, antes do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dias depois da eleição municipal de Porto Alegre. Entrei em contato com Alice para entrevistá-la para o Jornal da Universidade. Prontamente, ela autorizou a entrevista, mas entre os desencontros da vida, a rotina atarefada de uma mulher indígena militante e o deadline de uma jovem jornalista, a entrevista não foi publicada no JU.

Perguntei para Alice se poderia aproveitar as falas para a Iguana, já que, pela tirania do deadline, ela não foi veiculada no Jornal. Alice concordou. A partir daí, me debrucei sobre uma entrevista que considerei muito complexa e explicativa.

Alice é política. É mulher, indígena de contexto urbano, da etnia Guarani. Aos 13 anos já militava no Movimento dos Sem Teto e hoje em dia é liderança do Centro de Referência Afroindígena do Rio Grande do Sul.

Para ela, o cenário pós-eleição é desanimador quando se é indígena, independente de quem assuma. “Temos que escolher quem continuará nos matando. O Estado é genocida. Para nós, indígenas e negros, ele tem um projeto de etnocídio e genocídio. Ele retira o direito de ser quem somos”, diz.

Apesar da existência de documentos e tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na prática, muitos direitos ainda não são atendidos. “‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.’ Isso não é verdade. E é muito triste”, analisa Alice sobre o primeiro artigo da Declaração.

“Sabemos que existem os direitos humanos, mas nesses 74 anos que eles existem, não são assegurados. Temos que estar constantemente lembrando que eles existem, sempre lutando. Se já são direitos humanos, se já tem um documento para isso, não haveria a necessidade de irmos lembrar que eles existem”, conclui.

“Há 520 anos, resistimos para existir”, destaca Alice sobre os direitos dos povos indígenas. Me pego pensando em quantas gerações e famílias existiram nesse meio tempo, ou melhor, quantas tentaram existir. 520 anos correspondem há mais de cinco séculos. E mesmo que seja muito tempo, o progresso foi tão pouco. Nesse momento, entendo o que Alice disse sobre mudar de governante e nada ser alterado. E não temos mais 520 anos para esperar. Muito menos Alice.

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Júlia Ozorio
Iguana Jornalismo

Jornalismo UFRGS. Codiretora do coletivo Iguana Jornalismo. Excêntrica.