Quem eu sou?
Parte I : Jovem artista se redescobre durante pandemia
Izaguirre é uma mulher cis, branca, bissexual, atriz e escritora. Ela parte de lugares de privilégios e de marginalidades. Como artista, é importante saber seus lugares de origem para que seja possível transitar entre os textos escritos e personagens interpretados. Mas antes, Izaguirre precisa percorrer esses diversos caminhos para se descobrir.. Sua caminhada artística começa na escola.
Na escola eu fui muito incentivada. Eu tive o privilégio de fazer o fundamental numa escola particular,. Eu sou de classe média baixa, mas ainda sim minha mãe sempre fez questão de nos colocar nessas escolas porque ela se preocupava muito com a nossa educação. Lá, eu tive contato com teatro, fui muito incentivada a ler e também tive aulas que eram focadas em redação, que eu tive a oportunidade de me expressar na escrita e, claro que para um escritor é muito legal tu ter um feedback de uma pessoa formada naquilo.
Sua escrita vinha de outros lugares. Seu olhar estava voltado para o mundo. Os livros, as pessoas e os lugares deixavam em Izaguirre uma semente para transformar seus sentimentos e pensamentos em texto.
Tudo que eu escrevia depois desse primeiro contato, primeira, segunda, terceira série, era a partir de leituras. Então eu lia uma coisa que mexia muito comigo e eu escrevia poesia. Eu lembro que o meu primeiro contato mais intenso com uma leitura, dentro da temática da Segunda Guerra Mundial, que é um episódio que na pré-adolescência me tocava muito, foi a Menina que Roubava Livros. Eu li o livro inteiro e depois eu fiquei dias escrevendo. Sabe aquela revolta? Acho que a escrita é muito aquela coisa que a gente queria sair gritando nas ruas, mas não tem como, vai contra toda a nossa coerção social, aí tu coloca no papel e é como se expurgasse, os demônios, essas insatisfações alérgicas que a gente tem na pré-adolescência.
Com a pandemia de Covid-19, seu processo se transformou. Sem contato com o mundo lá fora, precisou olhar para o mundo dentro de si mesma.
No início da pandemia, eu fiquei muito bloqueada […] escrevia baseada muito nas minhas experiências, nos amores, nos sofrimentos, nas insatisfações políticas e nos movimentos que rolavam dentro da universidade. Enfim, a gente tinha muita coisa pulsando, de movimentos artísticos, de movimentos políticos que não morreram durante a pandemia, mas a gente não pode negar que, num primeiro momento, todo mundo ficou paralisado e não aconteceu nada. Não tinha sarau nem virtual, nem presencial. Não tinha reuniões para a gente discutir sobre a situação política. Os centros acadêmicos, por um tempo, pararam de se reunir. Esse período foi muito difícil para mim. Eu fiquei naquele ócio de não saber o que fazer. Procurava, às vezes, séries, filmes para ver se eu me inspirava, mas eu me senti muito perdida.
Izaguirre continua.
E aí começa a parte complicada. Eu comecei a estar muito comigo e acho foi aí que eu entrei em um novo processo da minha escrita, porque antes eu escrevia muito baseada nas minha vivências com o outro, nas minhas relações sociais e a partir da pandemia, eu me aprofundei muito dentro de mim. Eu estive muito comigo, eu me conheci muito. eu sou daquela coisa do autoconhecimento, mas não é isso. Foi de uma forma totalmente diferente. Eu não tinha escolha, parece que eu não tinha opção, eu tinha que estar comigo, me conhecer e tinha coisas que às vezes eu não gostava sobre mim e eu não tinha como virar a cara.
Não tava tendo aula, não tava tendo nada diferente para eu fazer. E querendo ou não, por mais que a arte esteja para nos entreter, para nos distrair, às vezes, o catálogo da Netflix não dá conta. E aí foi isso. Eu comecei a ter muito contato comigo mesma e isso começou a chegar num nível de dor, meio psicológico e a partir disso surgiram algumas coisas bem densas que eu escrevi e que foram essenciais para o meu desenvolvimento como artista, mas também como ser humano antes de tudo.
Em suas reflexões sobre o que a levou a ser escritora e atriz, Izaguirre diz:
A nossa vida é cheia de episódios aleatórios que, no final das contas, não são nada aleatórios e nos levam a caminhos muito certos e todos convergem para o mesmo lugar.
Izaguirre é pseudônimo usado pela entrevistada. As histórias sobre sua vida e sua arte fazem parte do projeto internacional The Other Front Line. O projeto é uma iniciativa da Universidade de Lancaster e tem como objetivo amplificar as vozes de diferentes grupos da sociedade ao redor do mundo neste período de pandemia. O coletivo Iguana Jornalismo escolheu falar sobre arte e acompanhar duas artistas para contribuir com o projeto.
Nicole Goulart