Quem eu sou?

Parte 2 :O lugar que conheço e o que quero conhecer.

Iguanajornalismo
Iguana Jornalismo
3 min readMar 18, 2021

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(Ilustração: Júlia Ozorio)

No seu caminho de autoconhecimento e conexão com sua arte, Izaguirre destaca que o lugar que tem vivenciado por mais tempo é o de ser mulher. Esse espaço, rótulo e identidade não é simples.

Minha maior força e minha maior vulnerabilidade vem do mesmo lugar, que é ser mulher. Eu acho que é o lugar que eu experienciei por mais anos da minha vida. Querendo ou não, todos nós temos uma orientação sexual, mas ela não está revelada pro mundo desde sempre. Então, é uma coisa que talvez daqui mais alguns anos eu tenha mais experiências para falar sobre, sei lá, episódios desagradáveis, mas como mulher a gente nasce já passando por esse tipo de coisa, sabe. E, querendo ou não, essas dores são a nossa força. […] A gente vive num sistema bastante doente em que existe essa caixa de coisas, que, por a gente ser mulher, tem certas coisas que a gente tem que entender e aceitar a respeito não só da nossa biologia, mas dos acordos sociais que existem entre nós.

A gente é constantemente atacada e isso é natural para as pessoas e ao mesmo tempo isso nos coloca umas certas armaduras. Pelo menos em mim isso é muito forte. Então, acaba moldando a nossa personalidade, nossa forma de encarar a vida. Então isso é uma coisa que eu realmente friso sobre mim. Eu sou mulher e isso não tem como separar da pessoa que eu sou.

A clareza de saber quem é e de seu lugar na sociedade permite Izaguirre refletir sobre o papel e o espaço da sua arte no mundo. Essas reflexões em um período tão conturbado como o da pandemia só reforça o quão importante é um artista se autoconhecer e conhecer os outros para saber exercer sua profissão.

2020 deixou às claras como esse mundo é louco, como a nossa existência é contraditória. Ao mesmo que a gente tá lutando por equidade — que é uma pauta muito a frente já porque se for ver equidade é diferente de igualdade — a gente ainda tá aqui tendo que lutar para que corpos negros não sejam mortos, corpos femininos não sejam espancados até a morte dentro de suas próprias casas. Então, eu acho que no mundo desses é muito importante que a gente saiba quem a gente é para que tenha uma voz de fato na nossa arte.

Eu acho que essa é a moral da gente fazer arte, a gente ter uma voz que é nossa e que pode tocar, que as pessoas possam se identificar. Não vem de uma caixinha, ela não vem de um rótulo, ela vem de um ser humano completo.[…] Eu sempre tento não me colocar nem acima nem abaixo de ninguém, eu acho que isso é uma coisa que pessoas que não são espiritualistas têm, mas que pra mim partiu muito desse universo porque quando a gente se entende como parte do todo não tem mais como ser arrogante.

Se a gente tá numa sociedade que é do jeito que é, precisamos tomar responsabilidade por isso e fazer alguma coisa. Não tem como a gente falar ‘ah, mas eu sou diferente’, ‘ah, mas eu não sou assim’. A gente tem que fazer algo a respeito, somos seres sociais.

A importância da gente saber quem a gente é. Onde a gente se localiza e o artista, como tradutor dos nossos tempos, precisa ter uma noção assim. É indispensável que ele tenha essa noção sobre si mesmo e sobre o todo, o contexto que ele está inserido.

Izaguirre é pseudônimo usado pela entrevistada. As histórias sobre sua vida e sua arte fazem parte do projeto internacional The Other Front Line. O projeto é uma iniciativa da Universidade de Lancaster e tem como objetivo amplificar as vozes de diferentes grupos da sociedade ao redor do mundo neste período de pandemia. O coletivo Iguana Jornalismo escolheu falar sobre arte e acompanhar duas artistas para contribuir com o projeto.

Nicole Goulart

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