a vida em si

Somente quando temos coragem suficiente para explorar a escuridão, descobrimos o poder infinito de nossa própria luz.

Amanda Costa
Amanda Costa
15 min readAug 16, 2021

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Photo by Volkan Olmez on Unsplash

A sala está escura e o único barulho que escuto vem dos meus próprios sapatos que vou jogando no chão, assim como a bolsa e a jaqueta, aliviada ao sentir os pés descalços e poder caminhar da porta de casa até a cozinha.

Somente uma taça de vinho poderá deixar minha cabeça leve nesse momento em contraste com meu corpo pesado de sono e cansaço. Ultimamente, sinto muito mais sono do que o normal e em alguns dias, é quase insuportável me imaginar levantando da cama para fazer o mínimo de esforço em coisas cotidianas como escovar os dentes ou tomar banho.

Encho a taça até a borda e vou bebendo, cambaleando até o quarto. Sento na borda da cama e dou longas goladas no meu vinho até chegar ao fim em segundos. Preciso de mais, mas não tenho forças para voltar na cozinha. De repente, sinto tudo à minha volta rodopiar, como se estivesse tendo uma vertigem. Meu estômago embrulha e corro até a privada do banheiro. Não vomito, mesmo já sentindo o gosto azedo do bile se formar na minha boca. Fico sentada no chão frio e tenho vontade de chorar outra vez. Perdi as contas de quantas vezes quis chorar só hoje. E novamente não chorei. Me sinto fraca, sem forças para levantar do chão. E é apenas isso. Não sinto nada, não tenho vontade de fazer nada. Só quero ficar em paz, mesmo sem saber ao certo o que é esta paz.

Algum tempo depois, não sei direito o quanto, escuto o barulho do meu celular ao longe e me esforço para tentar lembrar onde o deixei. Na cozinha? No hall de entrada? No corredor? Por fim, consigo levantar do chão e percebo que o celular não toca mais. Vou até a pia e jogo água fria no rosto e deixo escorrer pelo meu pescoço e colo, até molhar a gola da blusa que estou vestindo. Continuo jogando água gelada em mim na tentativa de ativar alguma circulação e meu rosto pálido reaja mostrando algum tipo de viço ou cor de saúde. Olho para a minha face refletida no espelho. Quem é essa pessoa que me olha? Quem é essa impostora? Não me reconheço.

Abro o espelho e retiro três frascos de remédios. Os encaro e quase sinto como se eles me encarassem de volta, me julgando. Abro a tampa dos três e coloco um comprimido de cada na minha mão. Sei que não é o suficiente. Sei também que não quero fazer nada comigo mesma. Ou quero? Há um impulso dentro de mim que diz: anda logo, acaba com isso de uma vez por todas; pra que continuar sofrendo? Pra que continuar?

O telefone volta a tocar em algum lugar da casa e jogo os comprimidos na pia com o susto que me tirou dos meus devaneios sombrios. Sinto o impulso novamente, dessa vez porém, ele me pede para seguir o barulho irritante do aparelho e desligá-lo. Por fim, eu o acho no bolso da minha jaqueta no corredor. Vicente… O que ele quer comigo a essa hora? Decido não atender, mas ele é insistente. Será que havia acontecido algo? Tento pensar em alguma coisa para dizer, mas não tenho tempo, então atendo forçando um sorriso na voz.

– Boa noite?

– Acho que não calculei direito as horas. Te atrapalho? — Ouço a voz rouca e suave de Vicente e inconscientemente volto a sorrir, mas dessa vez de verdade.

– Você nunca me atrapalha. — Respondi sincera. — Não se preocupe, já estou em casa. Mas o que me espanta é você estar acordado a essa hora. Não é de madrugada ai em Londres?

– É sim, mas precisava dizer que eu assisti ao filme que você me indicou.

– Que filme? — Eu me esforço para lembrar, em vão.

– Qual filme você assistiu recentemente e não para mais de falar sobre e praticamente me obrigou a ver?

– Ah sim… Nossa, finalmente você viu, já não era sem tempo.

– Eu disse que ia ver, posso demorar, mas sempre assisto, leio e escuto tudo que você me indica, você sabe disso não sabe?

– Sei sim. — Volto a sorrir. Ele sempre dava um jeito de ver, ler ou assistir mesmo. Percebo que sorri mais vezes em menos de cinco minutos de ligação do que no meu dia inteiro. — E você não podia esperar até amanhecer para me dizer isso? Ou sei lá, me mandar uma mensagem? Você odeia ligações. E bem, eu também odeio ligações.

– Desculpe por isso, mas me pareceu um tanto urgente, minha cabeça está fervilhando, esse filme mexeu comigo! Além disso, bem… Eu senti uma necessidade louca de ouvir a sua voz. Precisa de sentir você, mesmo que somente por meio da voz.

– E o que achou do filme afinal de contas? — Foi o que eu consegui responder.

Ele sabia. De alguma forma além da minha compreensão ele sabia. Mesmo sem saber o que sabia. Céus, anos de namoro e eu ainda fico surpresa com a nossa conexão. A essa altura, eu já estava de volta no meu quarto, sentada na cama e sem perspectiva de nada ao meu redor. Só a voz dele que me trazia de volta o foco. Somente ele.

– A princípio fiquei transtornado e pensando mas que porra é essa? — Ele riu e eu ri de volta. — Mas conforme fui assistindo eu consegui entender porque você gostou tanto desse filme.

– Entendeu é? Então me diz, por que eu gostei?

– Porque o filme faz te faz desconfiar de todos os personagens. Ninguém é confiável e nenhum é totalmente inocente ou nem totalmente errado. Não tem 8 ou 80. São apenas… humanos. Com suas qualidades e defeitos. É literalmente a vida em si: real, nua e crua; com todos os altos e baixos; com trevas e luz; sem roteiro, sem narradores imparciais. Acho que é sobre isso que se trata a vida afinal de contar, não é? Imprevisível, cheia de conexões… e a gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã, nunca sabemos quem vamos conhecer e a importância que alguma pessoa vai ter em nossa vida. A gente só vive e… Céus, a vida é tão frágil.

– É… é sim… — Respondi em automático, e em um lapso, olhei para a pia do banheiro. Para os frascos de remédios. A vida é tão, tão frágil…

– Todos os personagens precisam lidar com suas perdas e tudo é resultado das tragédias de suas histórias. — Voltei a sorrir com essa percepção dele sobre o filme.

– E tem mais: — Ele continuou. — Fiquei refletindo que, quando contamos uma história, instintivamente acrescentamos nela a nossa visão de mundo e isso impede que qualquer reprodução de fatos seja parcial. O filme é uma grande metalinguagem se for parar pra pensar. Achei genial.

– Achou é? Não apenas um clichê sem emoções profundas? — Eu perguntei e ele riu.

– Mas é disso que o filme trata não é? É o espectador quem decide se todo o drama vai causar impacto profundo em sua vida ou se não passa de uma paródia esquecível sobre a humanidade. De qualquer forma, entrou para aquela minha listinha de filmes favoritos.

– Eu gostei muito de ouvir suas observações, bateram com as minhas. E eu confesso que adoro quando você gosta das minhas recomendações, sinto que aumentei um grau de QI de uma hora pra outra.

– Você se subestima demais, Antônia. Você é a criatura mais inteligente que eu conheço e não estou exagerando.

– Você é que vive pra alimentar meu ego.

– Não só pra isso, mas também vivo pra te admirar, torcer por você, morrer de orgulho da mulher incrível que você é, e pra te amar.

Fiquei em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Céus, porque ele tem que ser assim, tão… tão… tão ele.

– Estou com saudades. — Eu disse por fim e dei um longo suspiro. — Você ainda não tem ideia de quando vai poder voltar?

– Ainda não, querida. — Ele também suspirou do outro lado da linha. — Sinto muito não estar aí com você no domingo.

– Tudo bem, eu entendo e a culpa não é sua, não se sinta mal por isso, por favor.

– Impossível não ficar frustrado. Mas eu prometo que assim que for possível, eu volto pra Nova York.

– Eu sei. Você já vai desligar o telefone?

– Você quer que eu desligue?

– Já está tarde aí e você precisa descansar. É melhor desligar e nós conversamos outra hora.

– Mas você quer que desligue?

Não, eu não queria que ele desligasse. Queria continuar ouvindo a voz dele. Queria continuar viva só para poder continuar ouvindo ele falar.

– Hoje não foi um bom dia…

– O que houve?

– O de sempre.

– Outra recaída?

Não respondi e ele continuou:

– Quando você tem consulta?

– Segunda-feira.

– Você acha que é possível aguentar até lá?

Novamente eu não respondi. Eu sinceramente não sabia se aguentaria.

– Quer que eu ligue pra sua irmã ir passar o fim de semana com você?

– Não sei, acho que não… Não quero ficar sozinha, mas também não quero ser um fardo pra ninguém.

– Você não é um fardo, meu amor. A Anne te ama e tenho certeza de que ela vai ficar feliz em ficar com você.

– Acho que… Acho que não quero falar com ninguém. Eu aguento até segunda, não se preocupe mais com isso. Eu estou bem. Vou ficar bem. — Tentei passar confiança, mas sei que ele não acreditou.

– Você está na cama? Tomou algum remédio?

– Tomei uma taça de vinho.

Ele ficou em silêncio. Eu sei que ele quer me repreender por ter bebido, mas ao mesmo tempo não quer brigar comigo.

– Vamos fazer o seguinte, vou ficar conversando com você até você adormecer, está bem?

– Obrigada. — Eu respondi apenas. Em seguida, tirei o resto de roupa que ainda estava no meu corpo e me ajeitei na cama.

Vicente continuou falando enquanto eu o respondia esporadicamente. Ele voltou a falar sobre o filme, em como as pessoas esperam por um salvador da pátria, e separam todos em dois grupos: os bons e os maus. Como se o ser humano fosse apenas uma coisa só e não uma infinidade de variantes. Em como não existe ninguém cem por cento herói e nem cem por cento vilão. Em como não importa o quanto a gente acerte, se por algum motivo cometemos um erro sequer, é disso que os outros vão se lembrar. Sempre dos erros. Mas não são os nossos erros que nos definem, e sim o que escolhemos fazer em relação a eles.

E falou também sobre outros filmes; sobre como foi o dia dele, o que pretende fazer nas férias, os lugares de Londres que ele gostaria de me apresentar e os lugares do mundo que queria conhecer ao meu lado; e ainda, suas percepções sobre o Ted Talks da Brené Brown que ele assistiu no trabalho e algo sobre conexão…

– …é o porquê de estarmos aqui. Conexão. Entende?

– Uhum… — Eu respondi já começando a ficar sonolenta.

– É o que dá propósito e significado às nossas vidas. É a razão de tudo, tudo isso. Por exemplo, não importa se você fala com pessoas que trabalham com justiça social, saúde mental, abuso ou negligência, o que sabemos é a que conexão, a habilidade de se sentir conectado, é o porquê de estarmos aqui. Juro que quando ela falou isso minha mente expandiu. Eu pensei: é isso! Precisamos dar um fim a toda essa mercantilização da vida perfeita. Hoje em dia as interações são tão robotizadas, as pessoas fazem culto à perfeição, medem o sucesso por meio de números de seguidores nas redes sociais. Você sente isso também? Céus, a longo prazo, o impacto disso tudo na nossa saúde mental poderá ser devastador.

– Eu gosto do jeito que você pensa, Vi.

– São só reflexões… — Ele respondeu meio tímido. — Eu li o livro da Brené também e acho que você vai gostar de ler, é uma puta de uma reflexão sobre as nossas vulnerabilidades. Ela explica que só quando estamos vulneráveis ou saímos da zona de conforto conseguimos criar essas conexões com outras pessoas, é disso que se trata o crescimento pessoal de cada um. Não precisamos ser perfeitos, precisamos ser críveis, verdadeiros, só assim vamos gerar as conexões que importam. E é disso que eu mais gosto em você, a sua vulnerabilidade, a forma como você sente tudo de uma maneira tão intensa, os bons e os maus sentimentos.

– Mas não é isso que me torna destrutiva?

– É isso que te torna humana, meu amor.

Céus, como eu amo esse homem! Por favor, permita que ele não pare de falar.

– O que mais você gosta em mim? — Perguntei ainda sonolenta, mas ao mesmo tempo atenta a cada palavra dele.

– Quer mesmo saber?

– Eu não consigo entender o que você viu em mim. Eu juro que não entendo. Por que… Por que você ainda continua aqui? Por que você ainda não foi embora?

– Porque eu amo você, Antônia. Porque eu me apaixono por você todos os dias, mesmo de longe. Eu me apaixono nos pequenos momentos, quando você pensa que ninguém está te olhando e distraidamente enrola uma mecha de cabelo entre os dedos; e quando você lambe a ponta do seu dedo indicador para virar a página de um livro; eu me apaixono quando você está perdida em um pensamento ou ajustando os botões da sua blusa; quando você arruma os óculos no rosto antes de ler alguma coisa; eu me apaixono por você, Antônia, quando você se emociona com algum vídeo na internet de pessoas fazendo o bem para outras e por um instante você volta a acreditar que a humanidade ainda tem salvação; eu me apaixono vendo você sorrir timidamente quando recebe algum elogio inesperado e suas bochechas ficam coradas porque você não acredita que é digna de elogios sinceros e acha que só as críticas é que são verdadeira. Não são. E eu te amo pela nossa conexão, quando nos beijamos e nossas bocas se encaixam perfeitamente uma na outra e nossas línguas se embolam uma na outra também e de repente você para de me beijar para recuperar o ar e puxa meu lábio inferior devagarinho. Céus! Eu me apaixono por você todas as vezes que você faz isso, assim como todas as vezes que quando você geme meu nome baixinho e me pede para ir mais fundo dentro de você quando estamos fazendo amor. Eu me apaixono quando vejo os pelos do seu braço se arrepiando quando você tem um orgasmo, logo depois de seu corpo inteiro tremer de êxtase. Eu te amo quando você me indica filmes, livros ou artigos de jornal que te tocaram de alguma forma e você compartilha comigo porque quer que a arte também toque meu coração e aumente meu repertório e minha visão de mundo. Eu te amo nos seus piores dias, nas suas crises de ansiedade, quando você acha que não vai mais suportar, mas continua lutando. Eu me apaixono quando você demonstra suas vulnerabilidades e seu lado sombrio. Eu te amo mesmo quando você não se sente digna de ser amada. E eu vou continuar te amando amanhã, por mais mil e um motivos diferentes que te tornam única no mundo.

Ele terminou de dizer e meu coração estava acelerado. Finalmente eu consegui chorar naquele dia. E não foi pelos motivos que minha mente insistia em me torturar. Eu chorei emocionada, por me sentir amada.

– Você não tinha esse direito.

– Tarde demais! Nunca se esqueça disso, ok? Do quanto eu te amo.

– Não vou me esquecer.

Era muito tarde em Londres. Ou talvez muito cedo. Eu não me lembro quando ele parou de falar porque adormeci ouvindo a melodia de sua voz. No dia seguinte acordei com flores aos pés da minha cama e aroma de café no ar. Por um instante pulei de alegria e fui correndo até a cozinha, mas me deparei com uma cascata de ondas alaranjadas no lugar que eu queria que fosse meu amor. Seria bom demais ter ele ali…

– Anne? O que faz aqui?

– Bom dia maninha, seu namorado me mandou uma mensagem para eu ver como você estava. Tudo bem?

– Sim! — Não ia dizer que há dias não estava nada bem. — Faz tempo que você chegou?

– Não muito. Eu dei uma arrumada na sua casa por cima e agora estou preparando o café. Quer panquecas ou torradas?

– Panquecas. — Respondi sem muito entusiasmo. — E aquelas flores?

– Vicente, é claro. De quem mais poderia ser?

– Ele pediu pra você comprar?

– Ele comprou pela internet e pediu pra eu buscar na floricultura. Tem um bilhete dele também.

Eu não esperei que ela dissesse mais nada. Voltei correndo para o quarto e peguei o cartão que estava entre as tulipas.

“Somente quando temos coragem suficiente para explorar a escuridão, descobrimos o poder infinito de nossa própria luz.” — Brené Brown

A mensagem era apenas essa, mas ficou ainda mais claro pra mim o quanto ele me conhecia bem. O quanto me fazia feliz apenas por existir e o quanto eu era sortuda em tê-lo em minha vida e poder amá-lo e receber todo o amor e cuidado dele em troca.

Eu estava sorrindo quando minha irmã entrou no quarto e me abraçou. Anne disse que ele pediu para ela me abraçar, o mais forte que pudesse. E que era para eu imaginar o abraço dele, porque era a energia que ele estava enviando para mim durante todo o dia.

Anne não disse nada, mas ao dar uma espiada no banheiro, eu vi que os frascos de remédios não estavam mais em cima da pia. Agradeci por ela ficar em silêncio, o que não era muito comum dela, então logo deduzi que foi algo que Vicente pediu também.

Eu toquei nas flores e senti meu amor ao meu lado. Estar perto não é físico. Ele me disse uma vez por mensagem e tenho cada vez mais certeza disso. Passei o sábado com minha irmã em casa. Vimos filmes, pedimos comida japonesa e fizemos bolo de chocolate. Foi um dia tranquilo, diferente do anterior em que eu sentia falta de ar, palpitações, tontura e…

Eu não queria morrer. Pelo menos não depois que minhas crises se acalmavam um pouco. Elas são frequentes e há dias que vêm mais fortes e é quase totalmente insuportável. Às vezes, sinto que não vou aguentar mais por muito tempo. Mas me esforço ao máximo para não perder nenhuma consulta e para tomar os remédios da forma correta, sem misturar vários de uma vez e em quantidades muito além das recomendadas.

Tem dias que sinto como se existisse dentro de mim um impostora. Alguém que eu não reconheço quando olho no espelho. Em outros, sinto como se o que existisse fosse um menino perdido da Terra do Nunca, querendo crescer sem saber muito bem como. Achando que está acordado quando passa a maior parte do tempo sonhando. Tento não me punir por nem sempre ter os pés no chão ou por nem sempre estar bem. É difícil controlar os pensamentos na grande maioria das vezes. Também tento não deixar tão pesado para Vicente. Ele não reclama. Ele nunca reclama, aliás, e está sempre do meu lado me apoiando. Mas sei que preciso andar com minhas próprias pernas. É claro que isso não me impede de pensar nele como um lugar seguro. Porque é o que ele é: um cais seguro; um farol em meio a forte tempestade.

Não é fácil e estou caminhando devagarinho, um dia de cada vez. Ou pelo menos, estou tentando. Muitas vezes recuso ajuda, mas nem sempre é possível sozinha.

E então, quando a noite chega, meu amor me liga novamente e me lembra que eu não estou só. E isso me acalma.

– Sua existência faz uma diferença positiva, quer você veja ou não. — Ele me fala e eu sorrio.

No domingo, acordo novamente com o cheiro de café. Mas dessa vez, superando todas as minhas expectativas, é ele quem eu vejo. Me belisco com medo de ser um sonho. Não era. Ele me abraça, me beija, diz que conseguiu uma folga inesperada e pegou o primeiro voo que encontrou disponível para estar comigo naquele dia e quis me fazer uma surpresa.

– Feliz dia dos namorados, meu amor! — Ele desejou e me deu de presente o livro da Brené. Como eu não esperava vê-lo tão cedo, não havia comprado nada. Ele não se importou. Disse que o maior presente dele era a minha vida.

Me senti culpada. Finalmente contei para ele sobre meu desejo de morte e que não estava sendo fácil. Ele ouviu e tentou me entender da melhor forma que pode. Depois me agradeceu por confiar nele e contar sobre meus piores sentimentos. Ele disse também que sentia que eu não estava bem e por isso havia me ligado na sexta-feira em vez de mandar apenas uma mensagem.

Eu sabia disso. É a tal da nossa conexão.

Passamos o dia juntos, namorando e eu podia jurar que o ar se deslocava de outro jeito ao redor de nós. De um jeito leve. Agradeci por ele ter feito uma viagem tão longa e cansativa só para passar algumas horas comigo. E me esforcei para não me sentir mal com isso. No dia seguinte, ele me acompanhou até minha consulta e conversou com a psicóloga sobre aumentar minhas sessões e sobre um novo encaminhamento para o psiquiatra. Pediu conselhos de como como ele poderia continuar me ajudando da melhor forma. Depois eu o acompanhei até o aeroporto para ele voltar para Londres. O trabalho dele não tinha acabado ainda por lá, mas Vicente prometeu me ligar todos os dias. E ligou. Todos os dias até retornar de vez pra casa e para nossa vida juntos.

Minhas crises não acabaram de vez, mas com ele ao meu lado era um pouco mais fácil passar por esses momentos. E todos os dias, ao acordar, me lembro de ser grata: por ele. Por nós. Por mim.

Filme citado: “A vida em si”. Trailer legendado:

Ted Talks da Brené Brown sobre vulnerabilidade:

Caso precise de ajuda ou conversar com alguém ligue: 188 (CVV).

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