Resgatando o senso de comunidade em Design

O equilíbrio entre a auto-promoção individual e o objetivo coletivo de mover nossa disciplina adiante.

Fabricio Teixeira
ILA18

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Direção de arte: Frederico Felix

Historicamente, nossa habilidade enquanto designers de falar do nosso próprio trabalho (a tal da “auto-promoção”) vem de um instinto de sobrevivência. Por muito tempo, designers foram minoria em suas empresas; muitas vezes considerados uma área menos importante, que cuida somente do aspecto cosmético de um produto. Tivemos que lutar pela atenção de stakeholders importantes. Tivemos que, incansavelmente, evangelizar sobre o que Design faz, como ele pode ajudar outros times, e como ele pode ajudar nos objetivos estratégicos da empresa. Tivemos que brigar por verbas maiores, para que pudéssemos crescer nossos times e melhorar nossa prática. Tivemos que cavar o nosso “lugar na mesa”, até que conseguíssemos ser envolvidos mais cedo — e em discussões mais estratégicas — dentro das empresas.

Não só isso. Nos últimos anos, expandimos nossas fronteiras para muito além do Design.

Conseguimos fazer com que profissionais de marketing, de TI, de vendas, de customer service, de infraestrutura, e muitas outras áreas, começassem a entender os benefícios que UX pode gerar, não apenas para os usuários.

Aprendemos a vender Design, a enaltecer nosso trabalho, e a construir uma imagem impecável da nossa profissão.

O problema é que acabamos ficando bons demais nisso.

Passamos também a compartilhar muito mais online. O conteúdo que publicamos para trazer atenção ao nosso trabalho tem se tornado incrivelmente refinado. Investimos cada vez mais tempo pensando em cada detalhe da história que queremos contar, antes de jogá-la ao mundo. Dedicamos a mesma quantidade de tempo falando sobre nosso trabalho do que fazendo nosso trabalho.

Mas conteúdo refinado não significa necessariamente conteúdo mais profundo, mais honesto, mais imparcial, ou de mais impacto.

Pensando nisso, Caio Braga e eu resolvemos investigar mais a fundo o conteúdo que nossa comunidade compartilha online sobre Design e UX.

  • Do que estamos falando online?
  • Que tipo de links estamos compartilhando? O quão táticos e o quão estratégicos eles são?
  • Do conteúdo que compartilhamos, o quanto é realmente uma tentativa honesta em devolver algo para a comunidade versus uma simples forma de falarmos sobre nós mesmos, sobre o nosso trabalho, ou sobre nossas empresas?
  • E o quão críticos nós somos quando clicamos, lemos, e compartilhamos conteúdo com nossos amigos designers?

Parte de nossa frustração pessoal vem do fato de que, enquanto designers, não conseguimos encontrar o tipo de conteúdo que gostaríamos de ler online sobre design — com raras exceções. A sensação é que estamos constantemente sendo ludibriados, que alguém está sempre tentando nos vender algo: a ferramenta do momento, a metodologia que você não foi capaz de inventar e agora precisa desesperadamente aprender a usar, o curso que promete te ensinar tudo o que você precisa saber para ganhar aquela tão merecida promoção.

O que temos compartilhado com a comunidade?

Durante um mês, decidimos olhar com atenção para os fóruns de Design mais populares da internet (DesignerNews, WebDesignerNews, StackExchange UX, e Reddit UserExperience) e também newsletters famosas de design (Sidebar, Product Weekly, UX Curator, e a nossa própria newsletter do UX Collective), e fizemos uma lista exaustiva dos links que foram compartilhados tanto pela comunidade quanto por seus curadores.

Para cada link, analisamos o quão tático era o conteúdo, o quão profundo o autor vai no assunto abordado, e mais importante: quem está por trás dos links, e por quê?

Os resultados foram um tanto assustadores:

  • 77% é auto-promoção. A pessoa que posta o link tem conexão pessoal ou profissional com o criador do conteúdo — ou o conteúdo foi criado pela própria pessoa ou então pela empresa na qual ela trabalha. “Olhe esse artigo fantástico!”, diz a pessoa que escreveu o artigo.
  • 47% tem rabo preso. Ou a pessoa, ou a empresa para qual ela trabalha, oferece serviços profissionais relacionados àquele tópico. Elas oferecem consultoria, querem ser posicionadas como líderes em certo assunto, ou de alguma forma seus negócios se beneficiarão de quanta audiência aquele post terá. “Como construir chatbots do jeito certo”, diz a empresa que oferece serviços de construção de chatbots.
  • 21% nem disfarça. 1 em cada 5 links acaba sendo o primeiro passo de um funil de conversão. O site de destino contém um call-to-action explícito para comprar um livro de design, pagar por um curso, ou comprar ingressos para uma conferência. Em alguns casos a transação não é monetária, mas envolve geração de leads. “Entre seu email aqui para baixar o nosso e-book gratuito de design”, diz a empresa que vai te mandar spam até o fim de sua vida.

Caso esteja interessado em saber mais resultados da pesquisa, dá uma olhada aqui:

Resgatando o senso de comunidade

Como dizem aqui nos EUA: estamos na era do personal branding. Somos especialistas em falar do nosso próprio trabalho e construir nossa própria marca pessoal.

Com o advento das redes sociais, ficamos ainda melhores nisso. Aprendemos a construir vidas curadas e projetar versões perfeitas de nós mesmos — e acabamos aplicando muitos desses aprendizados em nosso trabalho.

Um breve passeio pela homepage do Linkedin é suficiente para trazer à tona comportamentos que considerávamos repudiáveis na vida real, mas que inadvertidamente passamos a repetir online: os tapinhas nas costas, o puxassaquismo, a disputa constante pelo holofote.

Esse foco extremo em projetar a imagem ideal pode acabar nos distraindo do que acredito ser um dos grandes fundamentos da nossa profissão: o senso de comunidade. O design digital que praticamos hoje é uma disciplina que ainda está em sua infância — e o esforço coletivo vindo de vários vértices dessa vasta teia de profissionais é essencial para tornar nosso mercado mais maduro, mais responsável, e solidificado. Resgatar o espírito de comunidade e colocar as prioridades coletivas acima das prioridades individuais será, nos próximos anos, a grande nova fronteira para o Design.

Uma comunidade que aprende com seus membros e que legitimamente troca conhecimentos pelo prazer de ensinar e amadurecer com esses aprendizados.

Uma comunidade que está mais preocupada em se fortalecer como um todo, do que em destacar méritos individuais.

Uma comunidade que se organiza em meetups, conferências, eventos e happy hours onde o principal objetivo é a troca — não o lucro.

Porque ela sabe que quando um designer ganha, todos os designers ganham.

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